“Nada de polícia, nem um mísero apito
da segurança que fica na Praça dos Três Poderes”
da segurança que fica na Praça dos Três Poderes”
A pobreza do vocabulário
levou toda uma horda, milhões de pessoas de pouca leitura – ainda que alguns
detendo boa parte da fortuna brasileira concentrada no pico da pirâmide social
– a confundir “herói” com “mito”. Em boa parte, a culpa é da tevê, em especial
dos jornalistas esportivos, que chamam de heróis um bom centroavante, um
zagueiro oportunista que “confere” finalizações ou ainda um goleiro que impede
o êxito dos adversários.
A História do Brasil nos dá
conta de muitos heróis – pessoas que lutam por uma causa nobre, um objetivo em
favor de sua comunidade, de sua nação. Vejamos uns poucos:
- Tiradentes, ao ser condenado
à forca por seu papel na tentativa da Inconfidência Mineira, declarou: “Dez
vidas eu tivesse, dez vidas eu daria”.
- À margem do Riacho Ipiranga,
o Príncipe Regente Pedro de Alcântara proclamou: “Independência ou morte!”.
- Cândido Rondon, marechal,
herói que levou a comunicação telegráfica aos sertões e às matas, contendo o
ímpeto de um jovem tenente que apontava o fuzil contra um grupo de índios,
determinou: “Morrer se preciso for; matar, nunca!”.
- “Deus poupou-me do sentimento
do medo”, presidente Juscelino Kubitschek.
Esses foram, de fato, heróis.
Porém, o presidente Jair Messias Bolsonaro bradou: “E daí?”, consagrando-se
como Macunaíma, o herói sem nenhum caráter.
Mas esses jornalistas, como
os “ativistas” ou “militantes” da claque de Bolsonaro, não sabem nada de
heróis. São como membros de “torcidas organizadas”, os primeiros por não
disporem de um bom vocabulário (coisas que se consegue com muita leitura de
obras boas) e os outros por não conhecerem de política como ciência social
(coisa que se aprende também com muita leitura de obras boas).
Esses jornalistas de pouco
alfabeto e grandes ambições, contemplados com remunerações astronômicas, em
contraponto à paga que se dá aos repórteres de outras áreas do ofício,
coincidentemente alinham-se com a militância que se embrulha na Bandeira do
Brasil nas ruas – como se o nosso Pavilhão fosse o xale da vovó ou a capa de
Robin, o menino-prodígio, o zero-dois do Batman.
Nos últimos dias de abril, um
desses comentaristas esportivos também de pouca leitura – como os demais, ainda
que um dos expoentes da TV Globo – censurou o craque Raí, um dos ícones da Copa
do Tetra (1994), por ter criticado Bolsonaro. Esse jornalista, agora em função
de cartola, devia se valer dos altos ganhos e tirar algumas horas diárias para
a leitura – desde que orientada – para aprimorar-se como pessoa. Se assim o
fizer, descobrirá que houve, sim, ditadura no Brasil e que foi sangrenta,
censora, repressora e, ao contrário do que afirmam seus acólitos,
corrupta.
Saberá, também, que existe,
sim, uma pandemia, um mal que assola toda a humanidade sensível e perceptiva –
vasto segmento humano a que esse moço não pertence – e que, no Brasil, ao
contrário do que tenta provar Jair Bolsonaro, já vitimou mais de seis mil
pessoas. Raí traz a verve no DNA: é o irmão mais novo do saudoso Sócrates e aos
pés de ambos Caio Ribeiro jamais chegou como jogador e, tudo indica, não
chegará como cidadão.
* * *
Nada de
polícia - Na praça dos Três Poderes, em Brasília, um grupo de profissionais da
Saúde manifestava-se – silenciosamente e a distância segura, como dizem as
regras de distanciamento social ante a pandemia – quando, súbito, surgiu um
sujeito enorme, ou seja, de altura superior à mediana e largura física
proporcional à sua grossura – melhor dizendo, sua nada fina educação. Aos
berros, trajando o tradicional uniforme da “torcida canarinho”, xingava os
manifestantes e cuspia em seus rostos, buscando reação para justificar a
agressão física. Tratava-se, tal sujeito, de Renan Sena, conhecido pela
brutalidade ostentada nas manifestações em torno da lenda, ou seja, o “mito”.
O Pavilhão
Nacional ora é desfraldado, ora serve de capa e até mesmo de lenço ou
guardanapo para limpar a baba ou os perdigotos. Foi então que surgiu aquela
bonita jovem, pedalando sua bicicleta. Acenou para os manifestantes – parados e
silentes, distantes entre si – demonstrando apoio e simpatia. Foi o que bastou
para o troglodita bolsonariano acercar-se dela, aos gritos. A menina saltou da
bike e partiu para cima do valentão, aplicando safanões e tapas.
Seguranças
dos palácios do Planalto e da Justiça observavam de longe. Mais tarde,
questionados, responderam que nada podiam fazer senão observar, pois sua missão
era apenas “proteger o palácio”. A moça – identificada por um amigo como
Sabrina Nery Maia – foi acudida pelos manifestantes pacíficos, que a afastaram
antes que a tropa de choque do presidente, furiosa como uma “organizada” de
futebol, a trucidasse.
“Gente, e
minha amiga simplesmente não levou desaforo pra casa e partiu pra cima dos
bolsominions safados (isso tudo porque os bolsominions estavam destratando os
médicos que estavam fazendo protesto). Sabrina Nery que orgulho de você!”,
registrou o amigo. No Instagram.
“Nós podemos ser heróis, nem
que seja por um dia”, lembrou Kiko Nogueira, do DCM – Diário do
Centro do Mundo (https://www.diariodocentrodomundo.com.br/salve-sabrina-nery-a-ciclista-que-encarou-os-fascistas-que-agrediram-enfermeiros-por-kiko-nogueira/). E acrescentou: “Sabrina, heroína por um
dia — como o haitiano que foi à casa do inimigo dizer que ele não é mais
presidente. Dada a repercussão das cenas nas redes, ela criou uma conta no Twitter.
Explicou seu ato:
– Sou estudante de medicina,
ele estava totalmente agressivo, batendo nos enfermeiros, que estavam no seu
direito de manifestar”.
Sim: como já é sabido, grande
parte das Polícias Militares de todo o país alinha-se cegamente com o “capitão”
(entre aspas, já que ele não faz jus ao posto) e jamais aparece quando a
balbúrdia é cometida pelos bolsominions, travestidos de bombons de merda e,
como blasfêmia, embrulham-se no nosso glorioso “Pendão da Esperança, símbolo
augusto da paz” (conforme Olavo Bilac).
* * * * *
Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.
2 comentários:
Poeta querido este momento cavernoso que nos assola se faz glorioso em seu texto que alimenta o desejo de saber.Fico feliz diante do fechamento de sua crônica com esta corajosa estudante de medicina pela coragem de se defender e falar por todos pois a contemplação da maioria é a inércia, o medo, a cegueira ( mesmo que aos gritos)em estado de embriaguez.obrigada poeta!
A postura do imbecil maior da extrema direita, dá nojo.A postura da Sabrina dá orgulho.
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