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O autor e Anete Teixeira, em 1984 (ela faleceu em 1996, aos 45 anos).Foto por Beth Moiana, a comadre. |
“E por falar
em saudade...”
Era 1982, março; para homenagear Elis Regina, Anete
Teixeria estreou sua trajetória de palcos no bar de que era sócio, cujo nome
era uma redundância em português de esquina: botteko bar (assim mesmo, em minúsculas, como “academia goiana de
letras”, com tt e k; ridículo!). No ano seguinte, Anete
convidou duas amigas, ambas Cristina e igualmente excelentes cantoras, e
repetiu a homenagem a Elis. O bar era na Beto Galeria – onde é hoje o Banco
Safra.
Um vizinho muito próximo, morador de um sobradinho,
era avesso à música, especialmente (disse ele) música alta. Esse homem entrou,
irascível e incontrolável, seguido da mulher e de filhos (acho que duas moças;
a memória falhou) e, aos gritos que suplantavam o som que ele dizia alto, chegou
arrancando fios. Imagino-o, hoje, caso ainda viva, a deliciar-se com “bate a
mão e bate o pééééé... e bate o péééééé....”, feliz da vida! Sim, porque a
música que ele odiou era nada menos que “A Cartomante”, de Ivan Lins e Vítor
Martins.
Íris Rezende fora empossado dia 15 de março; o
aniversário de Elis Regina, 17 de março. Como mandava a lei, o presidente da
Câmara Municipal assumia o Executivo enquanto o governador não nomeava o que
seria o último prefeito biônico (Nion Albernaz). E o presidente da Câmara, que
foi prefeito por dois ou três dias, era Daniel Borges. O nosso vizinho era
primo de Daniel Borges.
O secretário de Ação Urbana era Sebastião Macalé,
craque do Goiás Esporte. Acho que a prática nos gramados não lhe permitia
raciocinar além dos cerca de 100 metros de extensão do campo. A pedido do
vereador (seu colega, pois) que antecedera Nion, Macalé fechou-me o bar.
Argumento dele: “Mas o que posso fazer, se foi um pedido de Daniel Borges?”. E
Anete, que até então se mantinha em silêncio, perguntou: “Borges por Borges, o
Mauro vale alguma coisa?” Ora, ora... Naquele mesmo dia reabrimos o bar. O
ex-governador e então senador só veio a saber disso dias depois, pela voz da
própria prima cantora; e aprovou-lhe a presença de espírito.
Esse sempre foi o clima dos que chegam com sede ao
poder. Que pena, não? O fato veio-me à memória na esteira das saudades
suscitadas pela Renata no xou especial do Chope 10, quinta-feira passada (outubro, 2004). Anete
era assim, de espírito forte, presença marcante, estopim curtíssimo e uma
capacidade de perdão das mais invejáveis; por maior que lhe era a raiva em
qualquer momento, um sorriso a desarmava e, coisa raríssima, ela realmente
perdoava, porque era capaz do esquecimento. E não adiantava alguém lhe recordar
algo que ela havia decidido esquecer: o que passou, realmente era passado, para
ela.
Engraçado, isso: Até mesmo um gesto de prepotência e
de exacerbação de poder pode, num tempo futuro, tornar-se hilariante (eita! Fui
longe...) ou integrar nosso leque de saudades. O importante é que há memória e
há sentimento. E há amor, de todas as formas. E a gente apenas pergunta:
Por que Anete não é nome de praça? E respondemos:
Porque Goiás não gosta de seus valores artísticos.
(Esta crônica foi escrita e publicada em outubro de 2004; reli-a e
achei que cai bem no espírito da saudade que me invade nestas vésperas de
Natal. E por saber que a quase totalidade dos meus leitores atuais não a leu,
publico-a nestes dias de emoções à flor da pele. Feliz Natal, amigos e
leitores!).
* * *
3 comentários:
Saudade...Saudade...Saudade....
Quando vi a foto, quase caí da cadeira...eu estava lá nesse dia e quem tirou a foto fui eu, com sua máquina, compadre....
Saudade...Saudade...Saudade...
Meu querido Luiz,
E por falar em Saudade traz a foto de Anete Teixeira com você, a talentosa cantora que se foi tão cedo.
Os fatos lembrados me deixaram curiosa, vontade de saber mais dessa nossa artista. Sabe que senti
uma nesga de melancolia, também uma saudade?
Lu, gostei muito de sua companhia nesse rasgo de tarde, a chuva caindo doce e refrescante.
Bjs.
Maria Helena
Ahhh ... que saudades ❤️
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