Um tema recorrente:
qualidade do que se escreve e do que se lê, as preferências de leitores e de
críticos, o que fazer para se formar leitores… Bem, pensando nisso e discutindo
isso com uma jovem professora de Letras, ocorreu-me visitar meus guardados. Achei
esta crônica, de fevereiro de 2005.
“Poetas muito ruins?...”
Há
poucos anos, num filme, o personagem do ator Robin Williams era professor numa
escola rural norte-americana. Ele põe no quadro um poema e diz: “A maioria das
pessoas não gosta de poesia, acha a poesia uma coisa chata”. Um aluno confirma:
“Mas poesia é coisa chata, sim”. E o professor, para espanto da classe e das
platéias: “Você tem razão. E sabe por quê? Porque a maioria dos poetas é muito
ruim”.
Existe
poeta ruim? Dizem que não, que existem poetas e não-poetas: cantor ruim não é
cantor, bailarino ruim não é bailarino e jogador ruim é perna-de-pau. O fio de
um talento pode ser percebido desde cedo, mas desenvolver o talento implica
muita dedicação, estudos, treinos ou práticas – enfim, os muitos nomes que
damos ao exercício da persistência. As escolas facilitam, porque as escolas
“metodificam” o aprendizado. Se não há escolas para a prática, o jeito é se
tornar autodidata e criar, então, o método. Quem imaginaria, ante a Seleção
campeã de 1958, que um dia teríamos escolinhas de futebol? Engraçado: já
existiam as escolas de samba.
Escolas
de poesia não existem – mas existem as oficinas. O poeta Aidenor Aires,
bacharel de direito e procurador de Justiça, além de professor de Letras
(Português e Literatura), não pôde ser pago por ministrar oficina de Poesia em
órgão de Estado porque o Tribunal de Contas entendeu que ele não tinha título
de “professor de poesia”. Ele riu – achou melhor que acionar judicialmente para
receber uma migalha, que paga de professor, ainda mais em oficina de poesia, é
mais ridículo que esmola de rua. Eu, que sou tido como precipitado em emitir
alguns conceitos, perguntei: “Mas o Tribunal de Contas é um órgão esdrúxulo: é
tribunal, mas seus membros não têm formação acadêmica para a magistratura (não
necessariamente).
“A
maioria dos poetas é muito ruim”. Recordei meus professores de Português nos
extintos Ginasial e Clássico, todos estimuladores de nossos talentos
embrionários. Jamais vi uma Maria Helena Silveira, no Colégio Pedro II, ou um
Aldair Aires e Ecléa Campos Ferreira a desestimular a índole de redação dos
alunos. Mas sei de professores por aí que anulam tanto seus alunos que alguns
deixaram até de ser leitores. E tais professores – pasmem – são engrandecidos por
uns poucos ex-alunos que lhes perdoam esse crime em troca de um silêncio
cúmplice, sabe-se (ou se sabe muito bem) por que motivos.
Já
curtia o Clássico quando senti – ninguém ensinava – que a linguagem da poesia
tinha nova roupagem nas últimas décadas. Havia a bossa-nova na música
brasileira, a Semana de Arte Moderna de 40 anos atrás ainda ecoava forte e o
CPC da UNE estava aí, acontecendo (antes que o golpe de 1º de Abril de 64 o
fechasse). A arte não se limitava a campos em flor nem ao “beletrismo” – a arte
se vestia de sangue, de sexo, de dor e de fome, se necessário, também. Foi meu
amigo José Pinto Neto quem me deu a primeira bronca: “Rapaz, pára com isso de
tantas reticências. Que poeta é esse que não sabe o que diz?”. Foi o bastante
para que eu fugisse, também, das interrogações. Escrever sobre as dúvidas é
fazer coro com a platéia, quando é esta quem deve fazer coro com o poeta.
Claro!
Aos
poucos, e à falta das escolas específicas, vamos aprendendo, com muita leitura
e participação, perguntas e respostas, viagens e contatos por carta, telefone,
Internet e quaisquer outros modos de troca literária.
Mas
persistem os que se vestem do antiquado conceito de que “poesia é terapia, é
catarse” e outros que-tais. Muito se queixa das comissões julgadoras em concursos,
mas julgadores, muitas vezes, param na primeira página, no primeiro parágrafo,
na primeira linha. No último sábado, um jovem poeta me mostrou excertos de um
poema que se dispensa a partir do título. O (a) autor (a) já mostrava, no
título, a “pérola” que qualquer leitor de bom gosto deixaria correr pelo ralo
do descaso: “Será que sou um ser?”. O olhar sem leitura, sobre o papel,
vislumbrava um infindável pontilhar de reticências.
* * *
Um comentário:
Muito bem situado o seu texto, caro Aquino. Parabéns. Abraços, Pedro.
Postar um comentário