Livros à mão cheia
(Crônica publicada nos primeiros dias de abril de 2010. Escolhi
republicá-la para fixar um evento que precisa ser mais goiano, posto que tem
por cenário um dos nossos mais belos sítios históricos – a secular Pirenópolis,
enquanto revivo dois fatos que me simpatizaram – a do religioso católico que
não quer o crucifixo cristão em ambientes políticos e o professor que recebeu
um “desconvite”).
Encerrou-se a II Festa Literária de Pirenópolis
(FLIPIRI. abril/2010). O evento homenageou a atriz que há mais de trinta
anos escolheu viver entre os montes delineados pelo Rio das Almas, Eliane Laje.
Sua vida confunde-se com a história do cinema brasileiro em muitos pontos, como
se viu pelos filmes e fotografias. Escritores famosos pela grande mídia e
preferidos das grandes editoras foram realce entre os menos cotados, estes que
pontuam pelos vários brasis literários que teimam em existir. Uma festa digna
de nota e de destino: ela vai se firmar como o grande evento das letras no
Planalto Central, sob a batuta da Prefeitura de Pirenópolis.
Quatro dias depois de encerrada essa mostra, Goiânia sediou o que nos
parece ser um récorde: o lançamento simultâneo de cento e trinta e seis (sim:
136) livros, entre autores contumazes e grande número de escritores inéditos. O
fato andou despertando o sentimento de raposa em alguns, destacados entre os
que o general João Figueiredo qualificou como “profetas da desgraça” (esse tipo
de pessoa para quem “quanto pior, melhor”). Estes, olhando o imenso cacho de uvas
na parreira, comentaram: “Estão verdes”. Mas a Prefeitura de Goiânia posou de
farta palmeira e rendeu belos frutos, sim!
Em Santa Catarina, em 2005, formandos de vários cursos de uma
universidade particular convidaram um dos professores dirigentes da instituição
para paraninfo. Honrado e agradecido, o homem aceitou. Quando lhe estenderam o
pires, o velho mestre ofereceu mil reais. Sim: o cheque, se é que era um
cheque, estaria preenchido como na praxe: hum mil reais. A comissão de
formatura oficiou-lhe um “desconvite”, usando mesmo esta palavra. O homem, com
a humildade dos vitoriosos, respondeu com sabedoria, colocando aqueles
estudantes em seus devidos lugares e lamentando, ao final, ter contribuído para
formar pessoas tão desprovidas de caráter. Está certo: onde já se viu leiloar
uma honraria? Mas é prática corrente nas universidades brasileiras. Esse fato é
análogo ao que se deu em São Paulo, onde o Ministério Público determinou a
remoção dos crucifixos em repartições. Um frade católico manifestou-se:
Sou Padre católico e concordo plenamente com o Ministério Público de
SãoPaulo, por querer retirar os símbolos religiosos das repartições
públicas. Nosso Estado é laico e não deve favorecer esta ou aquela religião. A
Cruz deve ser retirada! Nunca gostei de ver a Cruz em tribunais, onde os pobres
têm menos direitos que os ricos e onde sentenças são vendidas e compradas. Não
quero ver a Cruz nas Câmaras Legislativas, onde a corrupção é a moeda mais
forte. Não quero ver a Cruz em delegacias, cadeias e quartéis, onde os pequenos
são constrangidos e torturados. Não quero ver a Cruz em prontos-socorros e
hospitais, onde pessoas (pobres) morrem sem atendimento. É preciso retirar a
Cruz das repartições públicas, porque Cristo não abençoa a sórdida política
brasileira, causa da desgraça dos pequenos e pobres. Frade Demetrius dos Santos
Silva - São Paulo/SP.
Não posso assegurar que seja verdade, nem que exista, de fato, um Frade
Demétrio dos Santos Silva. Mas, se não existe, saúdo com dignidade quem o
inventou, porque essa é, de fato, uma atitude nobre. Tão nobre quanto a do
professor Rubens Araújo de Oliveira (a julgar serem também verdadeiros o fato e
a pessoa). Em ambos os casos, sinto que faltaram dois elementos primordiais na
formação dos que levianamente assumem atitudes de desconvidar e (ou) de remover
símbolos de fé. Faltaram família e livros.
Sou frequentador contumaz de escolas dos quatro níveis (agora, surgiu um
nível preliminar, a pré-escola) e sei que as famílias, irresponsavelmente,
atribuem à escola as suas obrigações como educadora, mas já vi pais pondo dedos
(sujos, é claro) nos narizes de professores, com uma legenda nojenta: “Sou eu
quem paga o seu salário”. E vejo a distorção do uso das mídias, com a criançada
sofrendo desvios, os livros substituídos por videogames e pelas drogas. O
resultado é esse aí: formandos que escolhem paraninfos pelo poder de doação de
grana e promotores que preferem anular a fé, em lugar de permitir que se use um
símbolo, seja ele uma cruz com Cristo, uma cruz sem Cristo, uma Estrela de Davi
ou um Quarto Crescente.
Viva o professor Rubens! Viva o Frade Demétrio! Viva Castro Alves, que
exalta os que semeiam livros!
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Luiz de Aquino é jornalista e
escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
Um comentário:
Consegui chegar ao G-mail!
Em abril de 2010, só nos falávamos pelo Orkut e, lembro bem, pouquíssimas vezes. Como só agora recebi a crônica, não pude arquivá-la. Sempre trabalhei em escolas públicas e só paraninfei duas turmas no pós-médio, tendo alunos que eram humildes e gratos. Por isso, não tive essa infeliz experiência. Ao meu arquivo!
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