O Liceu de Goiânia, em bico-de-pena do talentoso artista vila-boense Di Maralhães |
Sempre
sob a Águia
Dedico esta fala, muito especialmente, ao poeta e acadêmico Emílio Vieira das Neves, com quem compartilhei os bancos liceanos a partir de 1963.
Em
novembro de 2017, o Liceu comemorou 80 anos de sua chegada a Goiânia, O
colégio, fundado em 1847 pelo presidente da província de Goiás, Barão de
Ramalho, mas a população da antiga capital exigiu do governo que se
restabelecesse a escola, o que se fez. Dividido geograficamente, o Liceu
continuou sua História – lá e aqui.
Propus
à Academia Goiana de Letras uma visita ao Colégio para festejar a efeméride,
mas o adiamento foi inevitável. Na quarta-feira da semana que se encerra, 25 de
abril, estivemos lá e coube-me saudar os estudantes, professores e a História,
o que fiz aproximadamente no teor seguinte:
Barão de Ramalho, fundador do "Liceo Goiano", em 1846. |
Esta
visita ao braço goianiense do centenário Liceu de Goiás é dos nossos planos
desde o último novembro, quando este templo de ensino e formação de cidadãos
festejou 80 anos. Ficam as minhas desculpas, justificadas pela agenda um tanto
comprometida. Felizmente que o nosso jovem diretor compreendeu e ajustou esta
data, em conveniência dupla.
O
Liceu chegou a Goiânia como Ginásio Oficial de Goiás, dirigido pelo professor
Iron Rocha Lima. E para cá trouxe não só o acervo escolar desde os meados do
Século XIX, mas o ímpeto idealista da liberdade, ainda que fosse aquele o ano da
instalação do Estado Novo – eufemismo para a consolidação do período arbitrário
de Getúlio Vargas.
Há
dez anos, aqui viemos, pela primeira vez, festejar os 70 anos. Naquela ocasião,
fui incumbido pelo presidente Modesto Gomes para saudar o Liceu de Goiânia e
sua história, o que fiz de modo a demonstrar que a nossa história vem da respeitável
Vila Boa de Goiás e somos, sim, o ramal efluente do digno Liceu de Goiás,
idealizado e criado pelo Barão de Ramalho por lei de 20 de junho de 1846.
Em
1963, matriculei-me no segundo semestre do primeiro ano do curso Clássico, a
versão humanística do Colegial, onde fui colega do querido confrade professor
Emílio Vieira, poeta e ensaísta admirável, dentre outros que marcam fortemente
nossas lembranças.
Em
1969 e 1970, lecionei aqui Geografia e também Educação Moral e Cívica para os
cursos Clássico e Científico – o que hoje é o Ensino Médio. Para mim, o Liceu
era, legitimamente, a continuidade do Colégio Pedro II, criado no Império ao
tempo do príncipe herdeiro, na mesma data de seu décimo primeiro aniversário,
ou seja, nove anos antes da criação do Liceu – o décimo segundo estabelecimento
criado no Brasil após aquele pioneiro Imperial Colégio de Dom Pedro II. Todos
os demais tiveram suas atividades interrompidas, alguns retomaram suas
atividades anos ou décadas após – somente o Pedro II e o Liceu Goiano
mantiveram-se em funcionamento sem solução de continuidade.
A
História inteira do colégio goiano, desde os tempos de seu surgimento, registra
a passagem por suas salas de inumeráveis vultos de nossas letras, das ciências
e da vida pública goiana e nacional. Leopoldo de Bulhões, aluno brilhante, teve
ilustre carreira pública, chegando a ministro da Fazenda nos primeiros anos da
República, após governar Goiás. Seu irmão Félix de Bulhões foi poeta notável,
professor no Liceu e é patrono da Cadeira 4 da nossa Academia Goiana de Letras,
hoje ocupada pela professora Moema de Castro e Silva Olival.
Bernardo Elis, um goiano na ABL. |
Na
antiga capital, foram notáveis alguns mestres, como Vicenzo Moretti Foghia – ao
seu tempo, o único professor capaz de substituir qualquer outro, de qualquer disciplina
– e os diretores Joaquim Ferreira dos Santos Azevedo e Alcide Ramos Jubé; o
idealizador de Goiânia, Pedro Ludovico, e seu filho Mauro Borges, ambos
ex-governadores; e escritores como José J. Veiga e Bernardo Elis (dois dentre
os mais notáveis contistas brasileiros) e o artista plástico Octo Marques foram
alunos na velha capital.
O contista José J. Veiga, autor goiano traduzido em 40 países. |
Prof. Francisco Ferreira |
Aconselho
a vocês, que me ouvem, visitarem o Liceu em Goiás, a antiga capital. Verão
aquela arquitetura histórica que nos toca e desperta a curiosidade natural ante
a história. E a emoção virá quando lerem no alto dos portais, os nomes das
salas, evocando sentimentos e valores, em lugar de frios números. Visitem a
biblioteca, de livros valiosos e raros, bem como o espaço museológico Viva e
Reviva, agora em fase de montagem.
Em
Goiânia, também, grandes vultos da nossa história, nas mais variadas atividades
– da ciência à política, das letras aos negócios – aqui passaram, como o
artista plástico e professor Amaury Menezes, o governador, deputado e senador
Irapuan Costa Júnior (o aluno liceano, em toda a história, recordista em notas)
e dois ex-presidentes do Banco Central do Brasil – Gustavo Loyola e Henrique
Meireles (mais tarde, ministro da Fazenda). E, também, o recentemente falecido
professor Nion Albernaz, ex-aluno e ex-professor desta Casa, ex-prefeito de
Goiânia em três mandatos.
Prof. Nion Albernaz, aluno e mestre no Liceu de Goiânia. |
Entre
nós, membros da Academia Goiana de Letras, somos muitos os ex-alunos e
ex-professores, para nosso orgulho. E orgulhamo-nos, todos, por destaques como,
por exemplo, os médicos Zacarias Kalil, Luiz Fernando Martins e Ciro Ricardo,
entre tantos outros!
Amaury Menezes, artista plástico, também liceano na nova capital. |
Na
parede frontal do nosso prédio histórico, junto ao pórtico, há uma placa em
vidro com nomes de ex-alunos. Não sei porque razão, o meu nome é o primeiro
nessa lista – juro que não participei disso, foi coisa dos organizadores da
Casa Cor, que ocorreu aqui em 2009. Somos centenas de milhares de ex-alunos
desta casa dupla, este Liceu de 80 anos, desmembrado do eixo vila-boense – hoje
às vésperas de seus 172 anos. Há dez anos, eu aqui cheguei com um paletó cinza
e uma gravata que removi ao término da minha fala e mostrei-me com o uniforme
dos meus tempos aquele da calça bege e da camisa branca, a águia bordada no
bolso sobre o coração.
Eu, em 2010, devidamente uniformizado como em 1963. |
Hoje,
troco o uniforme emblemático por um texto – um poema que escrevi em 2011, para
atender ao pedido de um querido ex-aluno, o médico Pedro Dimas. É este:
Esses meninos sob a
Águia
Era um tempo de homens rudes,
mulheres doces – seres severos…
Tempo de nós muito jovens.
mulheres doces – seres severos…
Tempo de nós muito jovens.
Sonhamos crescer, lutar... quem sabe?
Alcançar liberdade – palavra perigosa,
vigiada e guardada a chave.
Alcançar liberdade – palavra perigosa,
vigiada e guardada a chave.
Meninos grandes de uniforme bege e branco;
jovens mestres de jaleco, pastas, livros
e giz ante o quadro escuro...
jovens mestres de jaleco, pastas, livros
e giz ante o quadro escuro...
Quadro negro, quase sempre verde...
Lousa, massa e cimento
berço de textos e contas – lições.
Lousa, massa e cimento
berço de textos e contas – lições.
Calça cáqui, sapatos pretos, saias medianas;
Meninas de meias brancas, muito alvas
– um rigor religioso, aquele!
Meninas de meias brancas, muito alvas
– um rigor religioso, aquele!
No peito, a águia! Vigia solene,
asas abertas ao voo
viagem no tempo a vir!
asas abertas ao voo
viagem no tempo a vir!
E o sentimento de fé e sonhos. Marcamos:
– sine die, seja sábado e noite,
mas em quarenta anos (ao menos).
mas em quarenta anos (ao menos).
* * *
Luiz de Aquino, moço professor de 1970, feliz outa vez entre vocês!
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