Renan provocou e o Supremonos proporcionou essa vergonha internacional |
De festas e escárnios
Costumo dizer que
a única coisa de que não tenho preguiça é de escrever. Sim, porque muitas vezes
sinto preguiça até de falar, quanto mais praticar caminhada, ir à farmácia ou
ao açougue, ligar para desejar Feliz Natal (a expressão se tornou tão
automática que a pronunciamos sem considerar o real sentido) ou repetir
bons-dias, quando sempre é possível expressar alegria e formular votos de modo
diferente.
Agora, chegamos aos
meados do último mês do ano – e aprendemos desde cedo a partilhar a vida em
períodos. Ora, dias e noites são fáceis de se conceber, nosso relógio biológico
nos sugere a fome e a sede, o sono e repouso, a disposição de encarar fatos e
atos do quotidiano. As semanas, estas já medimos sem as barreiras das medidas
artificias – já os meses e anos, ainda que com suas marcas fortes, pelos ciclos
lunar e solar, estes nos exigem outra forma de atenção.
O tempo, as sete
décadas já vividas, prenunciam-me a velhice. Quando será que vou me sentir de
fato velho, hem? Por enquanto, tenho rugas e cãs... Pausa! Preciso explicar,
por se tratar de palavra pouco usual, que “cãs” é como denominamos nossos
cabelos grisalhos ou brancos; inseri a palavra num poema e ele foi publicado
como “cães”. E o diagramador me acusa, hoje, de ser “agressivo com os pobres
revisores”. Mas, convenhamos, como ser tolerante com revisor descuidado?
Reabro o tema,
fecho a pausa. O tempo, que transforma nossas belezas visuais em material
descartável, pronto para a reciclagem, o tempo costuma alumiar melhor nosso
interior, sobretudo nosso pensamento, que nos sugere novos e saudáveis
conselhos.
Nestes dias, tão
marcados pelas confraternizações, tenho tido momentos agradáveis de convívio,
de variação de cores e de luzes, de musicalidade (poxa! Que lindeza a apresentação
da Orquestra Sinfônica Jovem na festa de encerramento do ano pela Academia
Goiana de Letras!). Vivi também uma série de bonitas festas literárias, com
novos livros de muitos amigos – e até mesmo um livro meu, conjugado com o de
Iuri Godinho, quando trouxemos novos livros sob um só título, livros esses com
capas que resultam da divisão mediana de uma belíssima tela de Alexandre
Liah...
Contudo, amigos
meus, contudo, houve também a vergonha escancarada, o deboche público que só
mesmo os néscios se encorajam para praticar. Claro, claro: refiro-me a esse ser
abominável que os alagoanos mandaram para o Senado e seus pares (os que nós
outros, dos demais estados, também enviamos) elegeram para presidir nossa
Câmara Alta. Renan Calheiros, que expôs seu desrespeito à própria família ao
deixar vir a público um romance paralelo com uma bela jovem, romance esse com
frutificação e arranjos para que uma empreiteira bancasse a pensão alimentícia,
debochou do Senado, provocou e vilipendiou a Justiça e humilhou a Nação.
Mas ele não agiu
só (outro alagoano, há um quarto de século, vociferava na solidão do Palácio da
Alvorada – “Não me deixem só!” – mas nós o deixamos só, sim!). Contou com o
apoio de um grupo de colegas sobre os quais lançamos nossas mais vis suspeitas.
E conseguiu envolver pelo temor (ao que tudo indica) os nobilíssimos senhores
da Justiça, e deu no que deu.
A idade é alta, eu
sei. E gosto disso, gosto muito! A idade exige de mim posturas mais lúcidas e
racionais, mais sóbrias e positivas. Mas, amigos meus, só de mim? Só de nós,
trabalhadores, gente que rala sem limites para viver com o mínimo de dignidade?
Eles, os
“excelências”, precisam tomar consciência. E se isso lhes for muito difícil,
que tomem ao menos vergonha na cara.
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Luiz de Aquino é jornalista e escritor,
membro da Academia Goiana de Letras.
2 comentários:
Querido Luiz,
Li sua cronica. Amei. Clareza e elegancia eh o que nao faltam, e o assunto sobremaneira prende a atencao do leitor, o qual, principalmente, nas mesmas medidas da idade sente o mesmo.Nunca nos achamos velhos, eh uma forma poderosa de nos fazer vibrar ainda com os encantos da vida!! Mas, gostei de verdade do foco no Renan, que grande porcaria eh esse sujeito , desmoralizou ainda mais o STF, que ja anda bem fraquinho nas opinioes dos juristas honestos .Parabens Luiz.Um abraco
Que bom!
Respirei aliviada, porque você não se deixou contaminar pela preguiça de escrever. O que é a velhice? Cãs, rugas, algumas dores sugerem-nos a melhor idade. Quanto a muitos dos nosso contemporâneos e outros tantos menos idosos, que nos humilham e tratamos como "excelências" falta vergonha na cara e, o que é pior, coragem para cair fora. Não me considero "reaça", como me descrevem alguns jovens com os quais convivo. Outrossim, envergonhadíssima, comecei, diante dos últimos descalabros, a me sentir mais um palhaço esperando que o circo pegue fogo, porque consciência não é característica da personalidade da esmagadora maioria dos nossos congressistas, infelizmente. Já atravessamos mais de meio século e ainda não encontrei em quem confiar.
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