Os pássaros, o saber e o trabalho
Recebi da
professora Mara Rúbia (da Rede Municipal de Ensino, Goiânia) o seguinte texto:
“Já era quase
viração do dia quando Deus observava aquela cena: duas professoras dando água
na colher para uma pequenina ave. Não era nem Primavera nem Verão – quando
dizem que é comum as aves jovens caírem de seus ninhos –, mas a frágil avezinha
estava lá, na Escola, que não tem um belo jardim cheio de rosas. Lembrei-me –
“Olhai as aves do céu”... Fiquei sensibilizada, achei aquela cena interessante
e admirável - uma pequena ave, um copo com uma rosa vermelha e duas professoras
alimentando quem queria se alimentar. Diferentemente do pequeno homem que na
escola rejeita o alimento-saber. Quem deveria ser mais sábio? O homem ou a ave?
No livro O Futuro
da Humanidade, Augusto Cury nos remete à seguinte reflexão – ‘Mais sábios que
os homens são os pássaros. Enfrentam as tempestades noturnas, tombam de seus
ninhos, sofrem perdas, dilaceram suas histórias. Pela manhã, tem todos os
motivos para se entristecer e reclamar, mas cantam agradecendo a Deus por mais
um dia’. Tanta sabedoria tem um porquê: certamente as aves aprendem em cada voo
pelo mundo. E Mário Quintana dizia que os pássaros alimentam-se um instante em
cada par de mãos e partem. Penso que pelo menos partem cheios, satisfeitos,
saciados.
Imaginei como
ficariam as mãos das professoras após a partida do pequeno pássaro! Não se
sentiriam vazias, pois o alimento foi consumido. Naquele momento as duas foram
árvores para aquele passarinho, o destino dele estava em suas mãos. Vendo
aquele pequeno pássaro, fiz analogia com nossos “pássaros pequenos” que não sentem
a mínima fome do saber, tampouco desejam alçar voos. Mas, como o sabiá que
canta sem esperar quem o escute, ensinemos. Eis que alguém, um dia, irá voar... (Mara
Rúbia)”.
Muito bem
concebido, professora Mara Rúbia! A analogia é das melhores. O pássaro que as
mestras alimentaram voltou à sua rotina, ao seu “habitat”, à sua natureza. Mas
dar de mãos humanas o alimento ao pássaro é gesto caritativo, humano; para mim,
a cena ensina (perdoe-me pele eufonia sibilante) que devemos ser solidários,
mas que se o gesto cristão – ou melhor, o gesto humano – nos emociona e
engrandece quem o pratica, o beneficiário segue seu caminho já esquecido da
dádiva: a chance de voltar à vida.
Dar alimento ao
animal ferido é, pois, ação humana; até mesmo outro animal da mesma espécie
ignoraria a infausta ave caída. Ele, o passarinho, aceitou a água sem
compreender que era alvo de uma ação humanitária, solidária. O gesto das
mestras despertou em você um sentimento de Primavera ou Verão, vendo na rosa em
um copo um completo jardim. O jardim, Mara Rúbia, existe mesmo, mas ele não
está no rigor do Inverno nem na áspera transfiguração outonal: existe no seu
coração de emoções, esse coração de que tratam os poetas.
A sabedoria não é
dos pássaros, nem dos macacos, nem das minhocas ou dos leões; a sabedoria é das
pessoas que compreenderam ser fundamental alimentar o animalzinho ferido, como
insistem em pôr a água do conhecimento nas mentes dos pequeninos inquietos.
Esse não-querer que você destacou nos pequenos humanos ante o aprendizado é
efêmero e há de ser contornado; as crianças têm, sim, desejo de saber, mas o
que deve estar em desencontro é que nem todos os professores querem dar dessa
água aos pequeninos pássaros humanos.
Não entendo como
sabedoria o fato de os pássaros reagirem, sobrevivendo, às tempestades. O homem
fez e faz muito mais, sempre. Não há sabedoria nos pinguins que navegam
banquisas no caminho das correntes marinhas que buscam o Norte e, à medida que
o gelo se reduz a some, nadam na mesma corrente em busca de regiões menos frias
– isso é o instinto. É como mariposas circulando lâmpadas. Como não há
sabedoria nas andorinhas que migram do rigor dos Invernos em busca dos Verões
no hemisfério oposto.
Mas quanta
sabedoria no seu coração de mestra! E que olhar o seu, capaz de colher imagens
que se tornam poemas!
(Crônica
publicada em maio de 2013. Gostei de relê-la e decidi trazê-la outra vez).
******
Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia
Goiana de Letras.
5 comentários:
Não sei se por sabedoria ou instinto li a crônica saboreando meu cafezinho matinal, pois o prazer experimentado afastou de mim a preocupação de conceituá-los. O comportamento das espécies, observado diariamente, sempre me intrigou. Admiro a capacidade do homem que sabe "poer em caronicas" seu sentimento do mundo, enquanto os outros animais se manifestam apenas usando o corpo. Será a sabedoria uma vantagem? Minha pequenez só me permite constatar e admirar tudo o que alcanço. Obrigada, mais uma vez!
Caro Luiz de Aquino, tanto na primavera quanto no inverno, eu aprendo com você. Admiro a sua escrita que apesar de ser extremamente elaborada, obediente às formalidades intrigantes e, ao mesmo tempo sofisticadas da nossa Língua, você consegue repassar sensibilidade. Sábio é você que passeia entre diversificadas sensações e consegue dar frutos aos que abrem as mãos pedintes de sonhos e sentimentos pela via da poesia...
Caro Luiz de Aquino, tanto na primavera quanto no inverno, eu aprendo com você. Admiro a sua escrita que apesar de ser extremamente elaborada, obediente às formalidades intrigantes e, ao mesmo tempo sofisticadas da nossa Língua, você consegue repassar sensibilidade. Sábio é você que passeia entre diversificadas sensações e consegue dar frutos aos que abrem as mãos pedintes de sonhos e sentimentos pela via da poesia...
Caro Luiz de Aquino, tanto na primavera quanto no inverno, eu aprendo com você. Admiro a sua escrita que apesar de ser extremamente elaborada, obediente às formalidades intrigantes e, ao mesmo tempo sofisticadas da nossa Língua, você consegue repassar sensibilidade. Sábio é você que passeia entre diversificadas sensações e consegue dar frutos aos que abrem as mãos pedintes de sonhos e sentimentos pela via da poesia...
Uma comparação bem interessante, e como você disse, a imagem é um poema.
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