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domingo, fevereiro 10, 2008

Arte, pecado, preconceito...



Tríduo momesco

Estranhamente, Goiânia já foi melhor durante o carnaval. A cidade ficava pacífica por demais, o trânsito quase que desaparecia, as ruas ganhavam uma paz como as das noites nos cemitérios. Este ano, penso que muita gente deixou de viajar. Os índices de acidentes, alarmantes; os preços nos locais de destino (predominantemente as cidades do interior, os tais pólos turísticos) dignos da exploração do turista (em vez do turismo); as notícias escandalosas sobre a febre amarela... Sim, deve ter sido tudo isso.

Em Caldas Novas, a Prefeitura divulgou que havia 150 mil turistas na cidade... Executivo de hotel contesta: “Mentira! Não tem dez mil”. Menos mortos nas estradas, ao menos.


Quarta-feira de cinzas é sempre igual... Aquilo de dormir até tarde, de amargar na boca a bile processada em desigual, o corpo cansado e a mente limpa. Afinal, houve o carnaval, que hoje tem duração variada, de acordo com o lugar onde acontece ou a disposição do folião. Houve um tempo em que era chamado “entrudo”. Palavra feia... E lembro-me de ouvir algum locutor (certamente, um locutor esportivo) chamá-lo de “tríduo momesco”.


A uma amiga pernambucana, pergunto à guisa de bom-dia, minutos após o meio-dia: “Acordando agora?”. Não, não... ela não gosta de carnaval. É o que me diz, mas concluo que o não-gostar está mais ligado a ditames religiosos pentecostais do que propriamente às escolhas dela. Digo-lhe que já gostei muito, mas que a idade vai nos afastando. O carnaval é uma festa grandiosa, cheia de arte, desde a música até a plasticidade de formas e alegorias e cores. Não deve ser orgia grupal, como se vê em muitos lugares. Curiosamente, no Rio de Janeiro a festa volta a ser o que sempre devia ser: uma festa. Gosto de ver o calor e a alegria do frevo no Recife, a adaptação do Boi Bumba em Manaus... Salvador aparece (penso eu) como sério apelo turístico, uma fonte de emprego e renda, sem perda de seu pendor artístico. Mas é ingênuo pensar que nesses quatro dias não ocorra violência e, para desespero (ou desencanto) dos moralistas de fachada, nem excesso de sexo.

Bem, vou resumir. Ou tentar. Carnaval, apesar de tudo, ainda consegue ser mais inocente que uma hora na casa do BBB. Sexo é bom. É o meio de perpetuação de todas as espécies vivas. No nosso caso, Deus nos premiou com o prazer, mas deturpamos tudo. Um flerte, uma paquera, um toque ou mesmo um beijo fortuito fazem parte das alegrias da vida e vivemos, todos nós, em função da reprodução. Daí coisas maravilhosamente inexplicáveis, apenas sentidas, como amor aos pais e aos filhos e o investimento total de nossas vidas inteiras em prol das gerações futuras, como educação, patrimônio, moral, religião etc.

Por isso nos embelezamos; cuidamos da saúde, da pele, do bem-estar psicológico, da vaidade, inventamos a moda... mostramo-nos belos para o sexo oposto. Mas pôr a própria carne num varal, como açougue de feira... Aí, não! Adoro sexo; mas a dois, e com sentimentos superiores ao desejo apenas. Fui claro?

Parece que sim. Como disse, minha amiga é apegada a princípios religiosos, e a religião, sustentada em princípios de moral judaico-cristã, restringe-nos com a idéia de pecado. Eu sou dos que recusam a idéia de pecado; mas sei que a religião é um embasamento sólido na formação do cidadão. Só que... Alguém há de me explicar a razão pela qual grande parte dos que se dizem ateus são justamente os que nos dão melhores exemplos de comportamento cristão. Ou melhor: o que é ser ateu? Deve ser apenas a auto-definição dos que se recusam a admitir um Criador nos moldes das exigências dogmáticas.


Seria Jesus ateu?

4 comentários:

Mara Narciso disse...

A ausência de Deus é aterrorizante para nós, meros mortais. Melhor acreditar do que questionar. Por isso as pessoas precisam dessa idéia de imortalidade, dessa fantasia mágica. Não saberia responder se Cristo era ateu.

Anônimo disse...

A) Carnaval é, a Festa Momesca, e ainda vai longe. Hoje, no Leblon, blocos arrastavam os foliões das areias e caminhadas, num clima bem família, carrinhos de bebê, fantasias, som mais baixo que o normal... E ainda tem programação de mais blocos até amanhã. É o Rio, ressuscitando o Carnaval de rua, sem arruaça. Quanto às outras capitais, não tenho muitas notícias, pois não acompanhei. Mas o Carnaval é uma festa belíssima. Suspeitíssima comprometidíssima opinião de uma filha de pai carnavalesco, compositor de marchinhas (saudosas!) e sambas enredo, e amiga pessoal de um dos maiores historiadores, inclusive curador do Museu do Carnaval e palestrante apaixonado deste assunto: Felipe Ferreira. Excetuando o aumento substancial de acidentes nas estradas por excesso de álcool, não nos carros...O Carnaval 2008 está de parabéns;

B) Sexo X Pecado
Bem, em se tratando de Carnaval = Festa da Carne. Religiosos têm seus retiros e vigílias para santamente (ou hipocritamente) orar pelos (ditos) pecadores.

Em se tratando de preconceito, moralismo, etc... Questiono então por que Deus não criou o sexo sem prazer. Com dor, muiiiita dor, somente para reprodução. Desculpem-me os radicais, mas Ele, O Poderoso, deu a deixa...

C) Em se tratando de BBB - me recuso a comentar, o programa, quiçá o desdobramento. Só não posso deixar de registrar a minha revolta em ver milhões de brasileiros gastanto em ligações para votos. Será que se o programa girasse sobre solidariedade, teríamos, semanalmente, tamanhas cifras em ligações?

D) Quanto ao ateísmo, bem, meu pai era ateu. Não o julgo, nem a ninguém por suas escolhas.

E, quanto a JC ser ateu...
Luiz, caraca! Melhor então perguntar se Ele era masoquista...rs.
Sofrer tudo o que sofreu em nome de um Deus que Ele não acreditava?...ai, ai...

Soraya

Ler o Mundo História disse...

Acho que me enquadro nessa categoria de bom ateu :)

Madalena Barranco disse...

Ah, Luiz, o povo perdeu-se um pouco do sentido do Carnaval, que para mim é alegria e talvez um grande e romântico baile a fantasia... Beijos - adorei seu texto!