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quinta-feira, fevereiro 24, 2022

Mais uma trajetória premiada, que enche nossos olhos de felicidade.

Nosso poeta, @poetaluizdeaquino teve sua trajetória reconhecida pelo Governo do Estado de Goiás, através da Lei Aldir Blanc.
Que a cultura goiana seja abraçada e reconhecida por sua plena importância.
Viva, poeta!
(Laila Santoro)



sábado, fevereiro 19, 2022

1922 Leo Lynce e a Semana de Arte Moderna


Maria Clara, entre mim e o padrinho e  tio Pedro
Nolasco, da estirpe de Leo Lynce.


NOTA DO AUTOR: Ao tempo em que dou notícias do lançamento da antologia "Contos de 22", informo que notei, no texto aqui publicado e no livro em referênciua (no parágrafo que começa "Contudo, o movimento não..."), um erro que há de ser corrigido: a palavra "diagrama" em lugar de "anagrama". Assim, renovo a publicação, com o texto devidamente corrigido, com o meu pedido de desculpas ao leitor. A festa foi prestigiada por quase todos os autores e expressiva presença de nossos convidados, com a luxuosa apresentação do conjunto vocal Fé Menina. Fui surpreendido com um gesto emocionante de Maria Clara (bisneta de Leo Lynce e afilhada de seu tio Pedro Nolasco), que me ofertou um belo bouquê, com aroma e cores de despertar lágrimas neste autor, ato esse que ela disse ser "em nome da família" pelo meu texto, com foco no notável poeta pioneiro do modernismo em nossa terra. 



Semana de 40 anos

 

Para comemorar o centenário da Semana de Arte
Moderna (13 a 18 de fevereiro de 1922), a União
Brasileira de Escritores de Goiás convidou 22
associados a escrever contos sobre o evento na
Pauliceia Desvairada (epíteto de Mário de Andrade 
para a capital paulista).
Este é o meu:


A Semana de 40 anos!


 

O moço Cylleneo em 1914. É o nosso
primeiro poeta modernista.


  

 

De um ponto favorável, ou seja, não sendo visto nem sentido com clareza pelas pessoas, acompanho a vida de um pacato lugarejo no Sul de Goiás. Isso faz de mim um espectador privilegiado e, ao meu modo, sei como e quando interferir em favor de melhores condições nesse povoado.

Contarei, a seguir, aspectos de seu cotidiano, numa realidade carente de recursos e iniciativas – daí os meus palpites, cada um como mola a ativar algum movimento.

 

1920 – Caldas Novas e a ponte São Bento

 

Manhã cinzenta, esta, de céu fechado e chão lamacento. Faz frio e o chão é mole, baboso, escorregadio. As ruas cheias de poças, algumas alongadas pela trilha das carroças com roda de madeira. Tem também os caminhões e dois automóveis, que têm rodas de borracha chamadas de pneus, mas esses carros com máquinas não levam vantagem sobre as carroças e charretes, as máquinas atolam mais – porém, os caminhões que passam às vezes por aqui não ficam presos na lama, porque nos tempos de chuva colocam correntes nas rodas e assim escapam do grude dos atoleiros. Os caminhões levam sacas da produção de arroz, feijão, mandioca e milho para Ipameri, onde tem a estação do trem e de lá essa carga segue para Minas e São Paulo. Na volta, os caminhões trazem produtos das fábricas de São Paulo ou dos portos do Rio de Janeiro e de Santos para as lojas daqui e de Morrinhos.

 

Minha presença é pouco notada. Aliás, ninguém me olha, ninguém me vê. A bem de ser justo e sincero, sou quase imperceptível: alguns me ouvem, não em som aberto e nítido, claro, límpido: costumo soprar sugestões e conselhos, ou apenas palpites ocasionais e determinantes ao ouvido dos seres, em especial dos capazes de impor decisões por novos atos e feitos que venham em favor da melhoria de vida da comunidade.

 

O coronel Bento de Godoy pediu ao governo que fizesse uma ponte no Corumbá, na divisa de Caldas Novas com Ipameri, mas o presidente do Estado disse que não tem recurso para a ponte, por isso o coronel mudou o pedido e trouxe de lá a concessão para construir e aplicar pedágio para recuperar o investimento. A ponte está em construção, estão fazendo as cabeceiras dos dois lados, em alvenaria forte para aguentar o peso. Um engenheiro estrangeiro falou numa ponte pênsil, que vai levar madeira de lei e cabos de aço. Ele explica que não vai ter colunas dentro d´água porque a garganta onde se constrói a ponte é muito estreita e de grande profundidade, por isso a tal de ponte pênsil – que será sustentada por fortes cabos de aço. Por enquanto, os caminhões e carroças grandes levam a produção das roças até a beira do rio e passam para o outro lado na balsa; quando a ponte estiver pronta, vão passar direto, vai ser só pagar o pedágio e seguir viagem.

 

Incomoda-me tanta chuva. Mas, dirão as senhoras e os senhores leitores, se não me molho nem sinto frio, porque me incomodo com a chuva? Simples: muitos são os entraves, os incidentes e mesmo os acidentes em que minha presença, minha quase imperceptível presença, se faz necessária e, não raro, decisiva. Estimulo a criatividade dos que acodem, inspiro força física aos que dela necessitam para solucionar determinados impasses – como uma carroça atolada, alguém ferido que necessite de remoção e não tem condição individual para isso et cetera.

 

O dia está terrível! Ninguém aguenta tanta chuva! Os caminhões que vêm de Ipameri trazem também doentes e viajantes curiosos para tratar ou apenas conhecer as águas. Chegam cheios de dúvidas, não acreditam que há minas d’água quente no leito e nas margens do córrego das Lavras. Este nome é por causa da mineração. Quando chegaram aqui, os bandeirantes batiam bateias pelo aluvião do córrego procurando ouro. Acharam um pouco, pouco mesmo; a riqueza da terra é a temperatura das águas.

 

Cheguei a vê-los, naqueles primórdios, no afã de bamburrar, colhendo muito de ouro em pó ou, eventualmente, uma expressiva pepita. Deliciavam-se, mesmo, no prazer do banho quente à margem, relaxando a musculatura cansada e sentindo aumentar o desejo sexual, para saciá-lo com a parceira costumeira, com um rapazola que ainda não tivesse sua definição e preferência ou, ainda, dando vazão solitária ao imaginário.

 

Gosto de ver a chegada dos caminhões e carroças trazendo produtos da indústria e viajantes para os banhos. Como disse, uns vêm pela saúde, outros pela curiosidade. Os primeiros são chamados de pacientes, os outros de turistas que, dizem, é algo que vai acontecer muito no futuro. Sei não... Fosse para receber tanta gente aqui e se isso fosse render dinheiro para a cidadezinha, o trem teria vindo p’ra cá, mas preferiram manter a rota e levar a linha para os rumos do Roncador. Estão fazendo lá a estação e já surge por lá um povoado, uma cidade nova. Por isso o coronel Bento teima com a tal ponte; afinal, Ipameri está a umas dez ou doze léguas, nem é tão longe – o problema é o Corumbá.

Viajantes que vêm de Minas e de São Paulo costumam trazer jornais. Ipameri também tem jornal. E todos são interessantes, como o Lavoura e Comércio, de Uberaba, além dos que chegam da capital de São Paulo e da capital federal, o Rio de Janeiro. Comerciantes gostam dos jornais para, depois de lidos por eles e clientes que frequentam suas lojas para os dedos de prosa de todas as manhã, servirem de papel de embrulho.

Em Caldas Novas, os doentes pobres acomodam-se em ranchos simples num alinhamento novo chamado de Rua da Palha, por causa da cobertura dessas casinhas com folhas de palmeiras, que são muitas na região. Os mais afortunados hospedam-se na pensão que tem no largo da Matriz. E é ali, no salão de entrada, que os viajantes vindouros costumam deixar jornais, que leram durante a viagem de vinda. Cadernos e folhas são separados e passam de mão em mão para a leitura de todos, ávidos de novidades e de assuntos para as conversas naquele ermo: um povoado pequeno que, menos de dez anos atrás, ganhou foro de município.

 

Ponte São Bento (sobre o rio Corumbá,
entre Caldas Novas e Ipameri, em 1920).
 


Gostei das ações, das agitações e das reuniões que anteciparam e coincidiram com a outorga legal que fez do arraial de Caldas Novas um município autônomo, em 1911. Fiz zumbidos oportunos e saudáveis nos ouvidos internos do coronel Bento, de seu sobrinho José Teófilo, do coronel Orcalino Lopes de Morais e outros notáveis da pequenina comunidade chamada, na época, de caldense; com o tempo, fez-se necessário aplicar-se o gentílico apropriado, diferenciado de outras localidades que se valiam do mesmo termo, por isso a mudança foi necessária e oportuna, corrigido para caldas-novense.

 

E nestes tempos, seu prefeito é um engenheiro civil, sobrinho do coronel Bento, nascido em Estrela do Sul, em Minas, e formado no Rio de Janeiro. Esse moço é filho de importante figura do Triângulo Mineiro, Teófilo de Godoy, o pioneiro que buscou na Índia uma raça exótica de bovinos, o zebu. O engenheiro José Teófilo só ostentava o nome civil em documentos, como seus autos e lados profissionais, além da papelada da Prefeitura, pois, para toda a cidade, e até sua morte, seria conhecido como Juca. Juca de Godoy, engenheiro e poeta.

Um ano depois dessa invernada de chuvas persistentes, deu-se a inauguração da ponte, no ponto em que o rio Corumbá se estreita e – dizem – torna-se mais profundo o seu leito; o local é chamado de Rochedo, referência óbvia às colunas de pedras escolhidas como alicerces para as cabeceiras da ponte pênsil. Seu nome, Ponte São Bento, é uma evocação ao santo de que o coronel Bento de Godoy é devoto.

 

1922 – A Semana de Arte Moderna e uma nova cidade na ponta da linha

 

Neste ano de 1922, no salão da Pensão Central, no largo da Matriz, diverti-me com os comentários entre sorrisos dos leitores de um exemplar do Correio Paulistano. Era uma reportagem interessante, falando numa tal “arte moderna” que um grupo de escritores, músicos e artistas da pintura e da escultura e outros promoveriam na Pauliceia. E seria no mês que vem, quero dizer, fevereiro. Eu não preciso de ler o jornal, pois basta que estejam próximos e já me informo de seu conteúdo; os leitores na pensão, porém, ficaram curiosos: o que é arte moderna? Se um quadro foi pintado hoje, ou se uma música foi composta ontem, é claro que é moderna. Sei não... – pensavam, intrigados, esses leitores.

Um dos recém-chegados, justo o portador do grande jornal paulistano, resolveu esclarecer o tema. O homem, aparentando 30 anos, apresentou-se como “advogado e beletrista”, e começou a discorrer sobre o que vinha a ser a tal arte moderna: nas letras, o escape das formas tradicionais – na poesia, por exemplo, caiu o rigor das métricas e acentuações tônicas, como também as rimas seriam ignoradas ou até mesmo abolidas. No conteúdo, uma drástica transformação na contística, nos romances e também nos versos; qualquer assunto passa a ser interessante e digno da arte das belas letras. No desenho e na pintura, como na escultura, as formas seriam mexidas de modo radical! A figuração perderia muito de sua importância, as cores viriam intensas nos tons e nas variedades, o artista passa a desfrutar de sua plena liberdade criadora etc. e tal, e na música muita novidade viria, também, pois o admirado maestro Heitor Villa-Lobos era um dos mais animados dentre os participantes do importante evento.

Não faltou quem questionasse: mas isso vai continuar se chamando arte? O beletrista, em defesa de sua adesão ao tema, afirmava que sim; e como advogado, evocava o direito às liberdades da criação, pelo fim dos rigores escravagistas que cerceiam os voos da imaginação e exaltava “o abuso dos sonhos em seus voos sem limites”.

 

Esse beletrista doutor em leis e processos foi meu escolhido nesse fim de tarde, comecinho de noite. Ele próprio surpreendeu-se por tão espontânea e eficaz inspiração, buscando palavras apropriadas e de modo a ser bem compreendido por aquele público, no qual, sem dúvida, haveria pessoas sem alcance acurado ante um discurso pomposo; era preciso falar claro, de modo a ser bem compreendido e, convenhamos, era esse um dos propósitos nos argumentos de Oswald de Andrade.

 

Na capital do Estado, a antiga Vila Boa que, agora, se chama Goiás (na escrita da época, Goyaz), uns poucos letrados destacam-se por seus feitos estampados em parcos jornais locais. Nos primeiros anos do século, por volta de 1905, circulava até mesmo um jornal feminino, A Rosa, no qual destacavam-se duas meninas-moças, Leodegária (de Jesus) e Aninha (Ana Lins dos Guimarães Peixoto), poetisas.


Em 1922, poucos letrados – quase sempre advogados e alguns farmacêuticos, que, por extensão e necessidade da sociedade, eram também professores – praticavam as letras. Poucos eram também os artistas plásticos em lides de escultura e pintura; um grau de artesanato marcava os afazeres de costureiras, alfaiates e finalizadores das construções civis.


Lá em São Paulo, capital de província – depois Estado – importante na política e na economia desde os tempos coloniais, a vida cultural se agitava sob ações dos escritores Oswald e Mário, ambos de Andrade (sem parentesco), Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida, entre outros. Também de realce era a participação de vários artistas plásticos, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret e Tarsila do Amaral. O maestro Heitor Villa-Lobos há de ter sido a maior referência entre os músicos.

 

1922 em Goiás: um poema diferente, fora dos prumos românticos e parnasianos

 

Contudo, o movimento não atingiu Goiás. Soube-se do acontecido, comentou-se a novidade. A mudança – como toda mudança – amedronta; e amedrontou. Tanto é que, seis anos depois, o juiz de Direito Cylleneo de Araújo, ao publicar seu único livro (em vida), Ontem, foi tido como o pioneiro do modernismo em Goiás. Cylleneo, em seu ofício de poeta, construiu um codinome com um anagrama de seu prenome: Leo Lynce.


Obelisco - marco de fundação de Pires do Rio, Goiás, 1922.


Nascido em Pouso Alto, recebeu o nome de Cylleneo Marques de Araújo Valle. No ano de completar o décimo aniversário é internado no Seminário de Ouro Fino, pequena e importante localidade bem próxima a Vila Boa, capital do Estado. Em breve o seminário era transferido para Uberaba, em Minas; o menino segue para Bela Vista de Goiás, nova residência de sua família após a morte do pai. O menino – ele diz isso em um poema – teria herdado da mãe os dons que o levaram à escrita literária.

 

Caldas Novas voltara a um estressante marasmo após a inauguração, em 31 de janeiro de 1921, da Ponte São Bento, que a aproximava da estação ferroviária de Ipameri. Alguns jovens como Oscar e Celso, liam notícias sobre os artistas modernistas de São Paulo, mas não tinham nada a fazer senão trocar ideias entre si. E o coronel Bento, por volta de 1925, procurou seu adversário político Luís José Pereira e propôs-lhe uma sociedade, uma empresa para construir uma usina hidrelétrica que, em 1927, iluminaria a pequenina cidade das termas. E eu, na existência etérea, troquei o foco; percebi a inquietação daquele Cylleneo e não o perdi em minhas observações.


Leo Lynce por Amaury Menezes




 

Aos 15 anos, publica seus primeiros versos. Nesse mesmo ano, 1900, o jornalzinho de sua estreia deixa de ser desenhado e entra na fase impressa; Cylleneo cria um Grêmio Instrutivo, com rapazes (como ele) ávidos de conhecimentos; e passa a ser publicado nos jornais AraguariGazeta de Uberaba e Lavoura e Comércio (também de Uberaba). Fez-se, ao fim da adolescência um peregrino sem receios, pronto a deslocar-se e adaptar-se a novos sítios e ares. Tais andanças por Goiás (ele gosta de escrever Goyaz) e outras terras, umas meio distantes, outras distantes demais, rendem-lhe um valoroso conhecimento – o que se tem por autodidatismo. E o natural, em tais casos, é um aprendizado espontâneo, processo que assegura, mais que a memorização, a fixação indelével do que se viu (e se assimilou). Antes dos 20 anos, é nomeado Juiz Municipal para a Comarca de Bela Vista – que cobria uma grande área no Sul de Goiás, um Estado cujo território supera os 700 mil quilômetros quadrados e uma extensão superior a dois mil km, de Norte a Sul. Funcionário hábil em questões de terras, assume direções de jornais aos 21 anos e abrevia seu nome para Cylleneo de Araújo. Ato contínuo, adota o nome literário pelo qual se faz conhecido – Leo Lynce (anagrama de seu nome). Envolve-se em política, é perseguido, muda-se para o Rio de Janeiro, depois para Uberaba, retorna a Goiás e vive em várias cidades (Jataí, Palmeiras de Goiás, Catalão; elege-se deputado e, na capital (Cidade de Goiás), começa o curso de Direito. Vive, por curto tempo, em Campos de Goitacazes, no Estado do Rio, retorna a Goiás.

Vida muito ativa, pois, com intensa atividade no jornalismo e na Instrução. Em 1922, empolga-se com as notícias acerca da Semana de Arte Moderna – é nesse mesmo ano que produz o poema Goyaz (que não pode ter seu título mudado para a grafia Goiás, pela exaltação do Y na terceira estrofe. O poema, com estrofes ora de seis versos, ora de cinco e, ainda, com sete versos, tem nítida integração com os propósitos dos literatos do movimento, em especial com as ideias dos Andrade – Mário e Oswald.


 

1945 – Resolvi nascer, que a vida
etérea impedia-me de praticar 
a escrita com grafite ou 
 tinta sobre o papel


Viriam outros tempos tediosos: um golpe político em 1930, uma efervescência em 1934, muito barulho em 1937 e. no final da década, uma guerra por demais sangrenta na Europa, com reflexos inevitáveis no Novo Mundo. O conflito teve reflexos amplos, chegando a perturbar a paz dos pachorrentos sertões de Goiás. Por tantas assim, decidi por outra coisa – materializar-me por estes cerrados e veredas, com prioridade para as tépidas águas das Caldas – as Velhas, as Novas e as de Pirapitinga.

Nasci, então.

 

Alguns estudiosos entendem como marco da modernidade literária em Goiás com sendo 1928, ano da publicação do único livro, em vida, pelo autor: Ontem. O poema Goyaz, porém, foi escrito em 1922, nas proximidades de 9 de novembro – data de fundação da cidade de Pires do Rio, nascida em torno da nova estação “no fim da linha” da Estrada de Ferro Goiás.

Aqueles seis anos de intervalo entre A Semana e a publicação de Ontem foram ignorados pelos poetas locais, ainda fixados nas marcas do Romantismo e do Parnasianismo.

 

Apenas 41 anos...

 

E a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, refletiu-se em 1922 na pena sensível de Leo Lynce, quando um pequeno grupo se reunia em torno de um obelisco para marcar o surgimento de uma nova cidade em ponta de linha férrea, nestes confins de Goiás; críticos e pesquisadores precisaram de um livro em 1928 para saber dessa estreia, que só encontra eco, de vez, a partir de 1963, com a surpreendente revoada de versos livres por um bando de jovens impertinentes que se identificavam como Grupo de Escritores Novos.


Leo Lynce em livros, ad imortalitatem!

Ainda assim, e ainda desde 1963, não são raros os prosadores que insistem num linguajar anacrônico, com palavras em desuso desde os antecessores de Machado e Lima Barreto. Também ainda surgem poetas que elaboram uma narrativa curta o bastante para não passar de cinco linhas de prosa que, a esmo, são cortadas em supostos versos e espalhados na página – muitos deles, em nome de uma modernidade personalíssima que nada tem a ver com modernismo, sem pontuação e sequer com o uso de maiúsculas.

E a estes, surpreendentemente, retornam comentários e críticas feito alvíssaras em tons de retardos, expondo críticos sem lastro intelectual nem apego à arte das letras. Menos ainda a princípios os mais comezinhos da Última Flor do Lácio, conceito que tais beletristas podem bem atribuir a Bandeira – ou a Neruda, sabe-se lá!

 

*    *    *

Retrato por Rosy Cardoso, 2021


Luiz de Aquinoda Academia Goiana de Letras. 


quinta-feira, fevereiro 17, 2022

Semana de 40 anos

 

Para comemorar o centenário da Semana de Arte
Moderna (13 a 18 de fevereiro de 1922), a União
Brasileira de Escritores de Goiás convidou 22
associados a escrever contos sobre o evento na
Pauliceia Desvairada (epíteto de Mário de Andrade 
para a capital paulista).
Este é o meu:


A Semana de 40 anos!


 

O moço Cylleneo em 1914. É o nosso
primeiro poeta modernista.


  

 

De um ponto favorável, ou seja, não sendo visto nem sentido com clareza pelas pessoas, acompanho a vida de um pacato lugarejo no Sul de Goiás. Isso faz de mim um espectador privilegiado e, ao meu modo, sei como e quando interferir em favor de melhores condições nesse povoado.

Contarei, a seguir, aspectos de seu cotidiano, numa realidade carente de recursos e iniciativas – daí os meus palpites, cada um como mola a ativar algum movimento.

 

1920 – Caldas Novas e a ponte São Bento

 

Manhã cinzenta, esta, de céu fechado e chão lamacento. Faz frio e o chão é mole, baboso, escorregadio. As ruas cheias de poças, algumas alongadas pela trilha das carroças com roda de madeira. Tem também os caminhões e dois automóveis, que têm rodas de borracha chamadas de pneus, mas esses carros com máquinas não levam vantagem sobre as carroças e charretes, as máquinas atolam mais – porém, os caminhões que passam às vezes por aqui não ficam presos na lama, porque nos tempos de chuva colocam correntes nas rodas e assim escapam do grude dos atoleiros. Os caminhões levam sacas da produção de arroz, feijão, mandioca e milho para Ipameri, onde tem a estação do trem e de lá essa carga segue para Minas e São Paulo. Na volta, os caminhões trazem produtos das fábricas de São Paulo ou dos portos do Rio de Janeiro e de Santos para as lojas daqui e de Morrinhos.

 

Minha presença é pouco notada. Aliás, ninguém me olha, ninguém me vê. A bem de ser justo e sincero, sou quase imperceptível: alguns me ouvem, não em som aberto e nítido, claro, límpido: costumo soprar sugestões e conselhos, ou apenas palpites ocasionais e determinantes ao ouvido dos seres, em especial dos capazes de impor decisões por novos atos e feitos que venham em favor da melhoria de vida da comunidade.

 

O coronel Bento de Godoy pediu ao governo que fizesse uma ponte no Corumbá, na divisa de Caldas Novas com Ipameri, mas o presidente do Estado disse que não tem recurso para a ponte, por isso o coronel mudou o pedido e trouxe de lá a concessão para construir e aplicar pedágio para recuperar o investimento. A ponte está em construção, estão fazendo as cabeceiras dos dois lados, em alvenaria forte para aguentar o peso. Um engenheiro estrangeiro falou numa ponte pênsil, que vai levar madeira de lei e cabos de aço. Ele explica que não vai ter colunas dentro d´água porque a garganta onde se constrói a ponte é muito estreita e de grande profundidade, por isso a tal de ponte pênsil – que será sustentada por fortes cabos de aço. Por enquanto, os caminhões e carroças grandes levam a produção das roças até a beira do rio e passam para o outro lado na balsa; quando a ponte estiver pronta, vão passar direto, vai ser só pagar o pedágio e seguir viagem.

 

Incomoda-me tanta chuva. Mas, dirão as senhoras e os senhores leitores, se não me molho nem sinto frio, porque me incomodo com a chuva? Simples: muitos são os entraves, os incidentes e mesmo os acidentes em que minha presença, minha quase imperceptível presença, se faz necessária e, não raro, decisiva. Estimulo a criatividade dos que acodem, inspiro força física aos que dela necessitam para solucionar determinados impasses – como uma carroça atolada, alguém ferido que necessite de remoção e não tem condição individual para isso et cetera.

 

O dia está terrível! Ninguém aguenta tanta chuva! Os caminhões que vêm de Ipameri trazem também doentes e viajantes curiosos para tratar ou apenas conhecer as águas. Chegam cheios de dúvidas, não acreditam que há minas d’água quente no leito e nas margens do córrego das Lavras. Este nome é por causa da mineração. Quando chegaram aqui, os bandeirantes batiam bateias pelo aluvião do córrego procurando ouro. Acharam um pouco, pouco mesmo; a riqueza da terra é a temperatura das águas.

 

Cheguei a vê-los, naqueles primórdios, no afã de bamburrar, colhendo muito de ouro em pó ou, eventualmente, uma expressiva pepita. Deliciavam-se, mesmo, no prazer do banho quente à margem, relaxando a musculatura cansada e sentindo aumentar o desejo sexual, para saciá-lo com a parceira costumeira, com um rapazola que ainda não tivesse sua definição e preferência ou, ainda, dando vazão solitária ao imaginário.

 

Gosto de ver a chegada dos caminhões e carroças trazendo produtos da indústria e viajantes para os banhos. Como disse, uns vêm pela saúde, outros pela curiosidade. Os primeiros são chamados de pacientes, os outros de turistas que, dizem, é algo que vai acontecer muito no futuro. Sei não... Fosse para receber tanta gente aqui e se isso fosse render dinheiro para a cidadezinha, o trem teria vindo p’ra cá, mas preferiram manter a rota e levar a linha para os rumos do Roncador. Estão fazendo lá a estação e já surge por lá um povoado, uma cidade nova. Por isso o coronel Bento teima com a tal ponte; afinal, Ipameri está a umas dez ou doze léguas, nem é tão longe – o problema é o Corumbá.

Viajantes que vêm de Minas e de São Paulo costumam trazer jornais. Ipameri também tem jornal. E todos são interessantes, como o Lavoura e Comércio, de Uberaba, além dos que chegam da capital de São Paulo e da capital federal, o Rio de Janeiro. Comerciantes gostam dos jornais para, depois de lidos por eles e clientes que frequentam suas lojas para os dedos de prosa de todas as manhã, servirem de papel de embrulho.

Em Caldas Novas, os doentes pobres acomodam-se em ranchos simples num alinhamento novo chamado de Rua da Palha, por causa da cobertura dessas casinhas com folhas de palmeiras, que são muitas na região. Os mais afortunados hospedam-se na pensão que tem no largo da Matriz. E é ali, no salão de entrada, que os viajantes vindouros costumam deixar jornais, que leram durante a viagem de vinda. Cadernos e folhas são separados e passam de mão em mão para a leitura de todos, ávidos de novidades e de assuntos para as conversas naquele ermo: um povoado pequeno que, menos de dez anos atrás, ganhou foro de município.

 

Ponte São Bento (sobre o rio Corumbá,
entre Caldas Novas e Ipameri, em 1920).
 


Gostei das ações, das agitações e das reuniões que anteciparam e coincidiram com a outorga legal que fez do arraial de Caldas Novas um município autônomo, em 1911. Fiz zumbidos oportunos e saudáveis nos ouvidos internos do coronel Bento, de seu sobrinho José Teófilo, do coronel Orcalino Lopes de Morais e outros notáveis da pequenina comunidade chamada, na época, de caldense; com o tempo, fez-se necessário aplicar-se o gentílico apropriado, diferenciado de outras localidades que se valiam do mesmo termo, por isso a mudança foi necessária e oportuna, corrigido para caldas-novense.

 

E nestes tempos, seu prefeito é um engenheiro civil, sobrinho do coronel Bento, nascido em Estrela do Sul, em Minas, e formado no Rio de Janeiro. Esse moço é filho de importante figura do Triângulo Mineiro, Teófilo de Godoy, o pioneiro que buscou na Índia uma raça exótica de bovinos, o zebu. O engenheiro José Teófilo só ostentava o nome civil em documentos, como seus autos e lados profissionais, além da papelada da Prefeitura, pois, para toda a cidade, e até sua morte, seria conhecido como Juca. Juca de Godoy, engenheiro e poeta.

Um ano depois dessa invernada de chuvas persistentes, deu-se a inauguração da ponte, no ponto em que o rio Corumbá se estreita e – dizem – torna-se mais profundo o seu leito; o local é chamado de Rochedo, referência óbvia às colunas de pedras escolhidas como alicerces para as cabeceiras da ponte pênsil. Seu nome, Ponte São Bento, é uma evocação ao santo de que o coronel Bento de Godoy é devoto.

 

1922 – A Semana de Arte Moderna e uma nova cidade na ponta da linha

 

Neste ano de 1922, no salão da Pensão Central, no largo da Matriz, diverti-me com os comentários entre sorrisos dos leitores de um exemplar do Correio Paulistano. Era uma reportagem interessante, falando numa tal “arte moderna” que um grupo de escritores, músicos e artistas da pintura e da escultura e outros promoveriam na Pauliceia. E seria no mês que vem, quero dizer, fevereiro. Eu não preciso de ler o jornal, pois basta que estejam próximos e já me informo de seu conteúdo; os leitores na pensão, porém, ficaram curiosos: o que é arte moderna? Se um quadro foi pintado hoje, ou se uma música foi composta ontem, é claro que é moderna. Sei não... – pensavam, intrigados, esses leitores.

Um dos recém-chegados, justo o portador do grande jornal paulistano, resolveu esclarecer o tema. O homem, aparentando 30 anos, apresentou-se como “advogado e beletrista”, e começou a discorrer sobre o que vinha a ser a tal arte moderna: nas letras, o escape das formas tradicionais – na poesia, por exemplo, caiu o rigor das métricas e acentuações tônicas, como também as rimas seriam ignoradas ou até mesmo abolidas. No conteúdo, uma drástica transformação na contística, nos romances e também nos versos; qualquer assunto passa a ser interessante e digno da arte das belas letras. No desenho e na pintura, como na escultura, as formas seriam mexidas de modo radical! A figuração perderia muito de sua importância, as cores viriam intensas nos tons e nas variedades, o artista passa a desfrutar de sua plena liberdade criadora etc. e tal, e na música muita novidade viria, também, pois o admirado maestro Heitor Villa-Lobos era um dos mais animados dentre os participantes do importante evento.

Não faltou quem questionasse: mas isso vai continuar se chamando arte? O beletrista, em defesa de sua adesão ao tema, afirmava que sim; e como advogado, evocava o direito às liberdades da criação, pelo fim dos rigores escravagistas que cerceiam os voos da imaginação e exaltava “o abuso dos sonhos em seus voos sem limites”.

 

Esse beletrista doutor em leis e processos foi meu escolhido nesse fim de tarde, comecinho de noite. Ele próprio surpreendeu-se por tão espontânea e eficaz inspiração, buscando palavras apropriadas e de modo a ser bem compreendido por aquele público, no qual, sem dúvida, haveria pessoas sem alcance acurado ante um discurso pomposo; era preciso falar claro, de modo a ser bem compreendido e, convenhamos, era esse um dos propósitos nos argumentos de Oswald de Andrade.

 

Na capital do Estado, a antiga Vila Boa que, agora, se chama Goiás (na escrita da época, Goyaz), uns poucos letrados destacam-se por seus feitos estampados em parcos jornais locais. Nos primeiros anos do século, por volta de 1905, circulava até mesmo um jornal feminino, A Rosa, no qual destacavam-se duas meninas-moças, Leodegária (de Jesus) e Aninha (Ana Lins dos Guimarães Peixoto), poetisas.


Em 1922, poucos letrados – quase sempre advogados e alguns farmacêuticos, que, por extensão e necessidade da sociedade, eram também professores – praticavam as letras. Poucos eram também os artistas plásticos em lides de escultura e pintura; um grau de artesanato marcava os afazeres de costureiras, alfaiates e finalizadores das construções civis.


Lá em São Paulo, capital de província – depois Estado – importante na política e na economia desde os tempos coloniais, a vida cultural se agitava sob ações dos escritores Oswald e Mário, ambos de Andrade (sem parentesco), Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida, entre outros. Também de realce era a participação de vários artistas plásticos, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret e Tarsila do Amaral. O maestro Heitor Villa-Lobos há de ter sido a maior referência entre os músicos.

 

1922 em Goiás: um poema diferente, fora dos prumos românticos e parnasianos

 

Contudo, o movimento não atingiu Goiás. Soube-se do acontecido, comentou-se a novidade. A mudança – como toda mudança – amedronta; e amedrontou. Tanto é que, seis anos depois, o juiz de Direito Cylleneo de Araújo, ao publicar seu único livro (em vida), Ontem, foi tido como o pioneiro do modernismo em Goiás. Cylleneo, em seu ofício de poeta, construiu um codinome com um diagrama de seu prenome: Leo Lynce.


Obelisco - marco de fundação de Pires do Rio, Goiás, 1922.


Nascido em Pouso Alto, recebeu o nome de Cylleneo Marques de Araújo Valle. No ano de completar o décimo aniversário é internado no Seminário de Ouro Fino, pequena e importante localidade bem próxima a Vila Boa, capital do Estado. Em breve o seminário era transferido para Uberaba, em Minas; o menino segue para Bela Vista de Goiás, nova residência de sua família após a morte do pai. O menino – ele diz isso em um poema – teria herdado da mãe os dons que o levaram à escrita literária.

 

Caldas Novas voltara a um estressante marasmo após a inauguração, em 31 de janeiro de 1921, da Ponte São Bento, que a aproximava da estação ferroviária de Ipameri. Alguns jovens como Oscar e Celso, liam notícias sobre os artistas modernistas de São Paulo, mas não tinham nada a fazer senão trocar ideias entre si. E o coronel Bento, por volta de 1925, procurou seu adversário político Luís José Pereira e propôs-lhe uma sociedade, uma empresa para construir uma usina hidrelétrica que, em 1927, iluminaria a pequenina cidade das termas. E eu, na existência etérea, troquei o foco; percebi a inquietação daquele Cylleneo e não o perdi em minhas observações.


Leo Lynce por Amaury Menezes




 

Aos 15 anos, publica seus primeiros versos. Nesse mesmo ano, 1900, o jornalzinho de sua estreia deixa de ser desenhado e entra na fase impressa; Cylleneo cria um Grêmio Instrutivo, com rapazes (como ele) ávidos de conhecimentos; e passa a ser publicado nos jornais Araguari, Gazeta de Uberaba e Lavoura e Comércio (também de Uberaba). Fez-se, ao fim da adolescência um peregrino sem receios, pronto a deslocar-se e adaptar-se a novos sítios e ares. Tais andanças por Goiás (ele gosta de escrever Goyaz) e outras terras, umas meio distantes, outras distantes demais, rendem-lhe um valoroso conhecimento – o que se tem por autodidatismo. E o natural, em tais casos, é um aprendizado espontâneo, processo que assegura, mais que a memorização, a fixação indelével do que se viu (e se assimilou). Antes dos 20 anos, é nomeado Juiz Municipal para a Comarca de Bela Vista – que cobria uma grande área no Sul de Goiás, um Estado cujo território supera os 700 mil quilômetros quadrados e uma extensão superior a dois mil km, de Norte a Sul. Funcionário hábil em questões de terras, assume direções de jornais aos 21 anos e abrevia seu nome para Cylleneo de Araújo. Ato contínuo, adota o nome literário pelo qual se faz conhecido – Leo Lynce (anagrama de seu nome). Envolve-se em política, é perseguido, muda-se para o Rio de Janeiro, depois para Uberaba, retorna a Goiás e vive em várias cidades (Jataí, Palmeiras de Goiás, Catalão; elege-se deputado e, na capital (Cidade de Goiás), começa o curso de Direito. Vive, por curto tempo, em Campos de Goitacazes, no Estado do Rio, retorna a Goiás.

Vida muito ativa, pois, com intensa atividade no jornalismo e na Instrução. Em 1922, empolga-se com as notícias acerca da Semana de Arte Moderna – é nesse mesmo ano que produz o poema Goyaz (que não pode ter seu título mudado para a grafia Goiás, pela exaltação do Y na terceira estrofe. O poema, com estrofes ora de seis versos, ora de cinco e, ainda, com sete versos, tem nítida integração com os propósitos dos literatos do movimento, em especial com as ideias dos Andrade – Mário e Oswald.


 

1945 – Resolvi nascer, que a vida
etérea impedia-me de praticar 
a escrita com grafite ou 
 tinta sobre o papel


Viriam outros tempos tediosos: um golpe político em 1930, uma efervescência em 1934, muito barulho em 1937 e. no final da década, uma guerra por demais sangrenta na Europa, com reflexos inevitáveis no Novo Mundo. O conflito teve reflexos amplos, chegando a perturbar a paz dos pachorrentos sertões de Goiás. Por tantas assim, decidi por outra coisa – materializar-me por estes cerrados e veredas, com prioridade para as tépidas águas das Caldas – as Velhas, as Novas e as de Pirapitinga.

Nasci, então.

 

Alguns estudiosos entendem como marco da modernidade literária em Goiás com sendo 1928, ano da publicação do único livro, em vida, pelo autor: Ontem. O poema Goyaz, porém, foi escrito em 1922, nas proximidades de 9 de novembro – data de fundação da cidade de Pires do Rio, nascida em torno da nova estação “no fim da linha” da Estrada de Ferro Goiás.

Aqueles seis anos de intervalo entre A Semana e a publicação de Ontem foram ignorados pelos poetas locais, ainda fixados nas marcas do Romantismo e do Parnasianismo.

 

Apenas 41 anos...

 

E a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, refletiu-se em 1922 na pena sensível de Leo Lynce, quando um pequeno grupo se reunia em torno de um obelisco para marcar o surgimento de uma nova cidade em ponta de linha férrea, nestes confins de Goiás; críticos e pesquisadores precisaram de um livro em 1928 para saber dessa estreia, que só encontra eco, de vez, a partir de 1963, com a surpreendente revoada de versos livres por um bando de jovens impertinentes que se identificavam como Grupo de Escritores Novos.


Leo Lynce em livros, ad imortalitatem!

Ainda assim, e ainda desde 1963, não são raros os prosadores que insistem num linguajar anacrônico, com palavras em desuso desde os antecessores de Machado e Lima Barreto. Também ainda surgem poetas que elaboram uma narrativa curta o bastante para não passar de cinco linhas de prosa que, a esmo, são cortadas em supostos versos e espalhados na página – muitos deles, em nome de uma modernidade personalíssima que nada tem a ver com modernismo, sem pontuação e sequer com o uso de maiúsculas.

E a estes, surpreendentemente, retornam comentários e críticas feito alvíssaras em tons de retardos, expondo críticos sem lastro intelectual nem apego à arte das letras. Menos ainda a princípios os mais comezinhos da Última Flor do Lácio, conceito que tais beletristas podem bem atribuir a Bandeira – ou a Neruda, sabe-se lá!

 

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Retrato por Rosy Cardoso, 2021


Luiz de Aquino

da Academia Goiana de Letras.