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segunda-feira, novembro 28, 2016

A História e Fidel

A História e Fidel


Em Cuba ou na Mesopotâmia, na Gália ou no norte da África (depois, em todo o continente), nas lutas de independência e nos golpes sazonais (a Bolívia, por exemplo, tinha, até poucas décadas atrás, média de um golpe a cada ano-e-meio), nenhuma mudança se fez, na História da Humanidade, sem muitas perdas, muito derramamento de sangue. Até mesmo o símbolo maior do pacifismo Mahatma Gandhi encerrou seus dias de luta pacífica morto por um tiro.

Fidel Castro foi duro e cruel, sim, como soem ser todos os ditadores, mas sob a égide da democracia e "em defesa dela" muito se matou nestes tempos contemporâneos. Além do Vietnam, os líderes do Tio Sam inventam guerras onde as não houver, pois têm de assegurar os negócios de sua indústria bélica. Curiosamente, e até onde alcanço, sei de duas oligarquias que se anunciaram mas não se consolidaram na América – os Kennedy, da década de 60 dos século XX, e os Bush, belicosos da última década do século anterior e da primeira deste milênio.

Circula uma piadinha (inevitável, o ser humano tem várias reações ante qualquer fato) em que se diz que Fidel viveu suas nove décadas combatendo o capitalismo e morreu justo numa "black friday".

Circula também - e não a título de piada – que Bush (o filho, que prefiro chamar de Bushinho), por ter sido eleito com minoria de votos (fato que se repete com o atual maluco da vez, o Trump), teria negociado com Bin Laden aquele terrível atentado de 11 de setembro, em 2001, pois ele não tinha base popular para manter-se no governo e precisava fomentar os negócios de guerra. Ora, são muitas as contradições sobre aqueles atentados, o que se falou sobre o avião que foi lançado contra o Pentágono, só para citar uma das contradições, parecia não ter asas, pois o ponto atingido foi bem menor que a envergadura da aeronave (como se um caminhão carregado de bombas fosse a causa real).

Por outro lado, quantas mortes cuja conclusão policial mostra uma causa simples e fútil – mas que atendem a interesses fundamentais dos adversários (ou mesmo inimigos) dos mortos? O fato é que muitas perguntas sempre ficam sem respostas no andar da História. A proximidade geográfica, mais o elevado poderio financeiro, militar e de espionagem da América foram tolerantes com Fidel por quase 60 anos – por quê? Lembremo-nos de que, no momento em que o sistema de espias dos irmãos-do-norte se cansou de brincar de gato e rato, Bin Laden e Muamar Al-Kadafi foram mortos – como também Saddan Houssein.

Ou seja: não era interessante, para a América (o país dos Estados Unidos), a morte ensaiada de Fidel Castro; melhor seria esperar a morte natural. Os motivos de bastidores, ah! – desses eu não busco sequer imaginar! Apenas lembro que o Brasil destes anos se incomoda com as mortes misteriosas de petistas que contestaram diretrizes da cúpula partidária – mas nós, brasileiros, omitimo-nos diante de mortes "do outro lado" que também deixam no ar mistérios irrespondíveis.


Ou não?

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

Acadêmicos de Pirenópolis

Acadêmicos de Pirenópolis



Era uma vez, mas asseguro-lhes que não é fantasia, nem ficção. Era uma vez, nos primeiros meses de 1994, tempo feliz em que, entre nós, agiam – e eram muito ativos – notáveis como Maria Eunice Pereira e Pina, Wilno Pompeu de Pina e seu irmão Cristóvão Pompeu (o popular Pompeu, famoso por sua incansável atuação em defesa das artes e do folclore da cidade), Arnaldo Setti e outras pessoas especiais, como Nazian, Isócrates de Oliveira, José Sisenando Jayme, o casal Ita e Alaor Siqueira, José Mendonça Teles, Natália Siqueira... Ah, éramos muitos, mais de vinte, imbuídos numa tarefa advinda de um sonho: criar em Pirenópolis uma Academia.

A 16 de abril daquele ano, numa noite de muita alegria e música, festejamos, no restaurante do Hotel Quinta Santa Bárbara, o início de nossas atividades, cada qual já de posse de sua cadeira numerada (em algarismos romanos) e com seu respectivo patrono. A mim, coube-me por patrono, inevitavelmente, o maestro Luiz de Aquino Alves, meu avô paterno.

Faltava a posse, que se deu com outra festa, em meses do finalzinho do ano. Lamentavelmente, os professores Joaquim Gomes Filho e José Sizenando Jayme já não estavam mais entre nós (faleceram em intervalo de 12 horas, respectivamente, às 23h30min de 3 de outubro e 7h30min de 4 de outubro). Quando começamos, éramos 28 membros efetivos da Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música. Nestes 22 anos, muitos faleceram e poucos foram empossados. Num trabalho dedicado, o presidente atual, escritor Adriano Curado, cuidou de ocupar as Cadeiras vazias e, neste novembro de 2016, contamos com 38 membros empossados, ou seja, há duas vagas a serem ainda ocupadas, o que se dará sob a publicação de edital, aceitação de candidaturas, votação em Assembleia Extraordinária e a subsequente posse.

Um feito brilhante, sob a liderança de Adriano Curado, sem dúvida, com a valiosa colaboração da diretoria, com ênfase para a acadêmica Aline Santana Lobo, diretora-secretária. Como é da tradição local – e não seria diferente em sua Academia de Letras, Artes e Música – à posse solene (com entrega do Diploma Acadêmico), seguiu-se um belíssimo sarau musical, com acadêmicos antigos e novos, acompanhados de grupos musicais da cidade, apresentando-se com o vigor que marca a vida cultural pirenopolina.

Os novos imortais da tradicional Meia Ponte / Pirenópolis, empossados em duas ocasiões a seguir, são (com suas Cadeiras e Patronos):

Posse em 27/08/2016 - João Guilherme da Trindade Curado - Cadeira XXXVII Patrono: Joaquim Pereira Valle; Laurita Vitoriano da Veiga - Cadeira XL Patrono: Marlene Fleury; Nilson Gomes Jaime - Cadeira IX Patrono: Silvino Odorico de Siqueira; Ramir Curado - Cadeira XXII Patrono: José Luiz de Campos Curado; Sérgio Pompêo de Pina - Cadeira XXXIX Patrono: Cloves Roberto Gomes.

Posse em 19/11/2016 - Celina de Pina Fleury - Cadeira XXVIII Patrono: Joaquim Xavier Curado; Débora de Sá - Cadeira XXXV Patrono: Sebastião Pereira; Demétrio Pompeu de Pina - Cadeira XI Patrono: Sebastião Pompêo de Pina; Jerônimo Romerito Ribeiro Forzani - Cadeira V Patrono: Antônio da Costa Nascimento; Ronypeterson Morais Miranda - Cadeira XXIX Patrono: Agesilau de Siqueira; Telma Lopes Machado - Cadeira XIII Patrono: Antônio José de Sá; Thaís Valle Brito Curado - Cadeira XXXVIII Patrono: José Abadia de Pina; Waldetes Aparecida Rezende - Cadeira XVIII Patrono: José Assuero de Siqueira.

E agora, a casa cheia como era o propósito, com uma excelente troupe de escritores de vários gêneros, artistas plásticos e artesãos, e ainda musicistas de vários instrumentos e ilimitada inspiração, os ânimos e a autoestima encontram-se elevados. Estamos prontos para oferecer à cidade o préstimo das nossas artes.


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Luiz de Aquino é escritor, membro da AGL e da APLAM, dentre outras academias.

segunda-feira, novembro 14, 2016

Rompante desnecessário

Rompante desnecessário


A sociedade anda mal: omissa, alheia, depressiva, arrogante, desinteressada, rude, pagã, mal-educada... E esse é o resultado do mal-estar que assola os indivíduos da espécie – insegurança, medo, desconfiança, avareza, egoísmo, mesquinhez... Obviamente que há grupos organizados com grandeza de propósitos, grupos esses em que, felizmente, predomina o afã pelo bem-fazer, pelo desejo de interação e a força da solidariedade – princípios esses que norteiam a caridade (não a caridade soberba de quem apenas oferece esmolas, mas de quem quer ver a melhoria latente em cada semelhante).

O ser humano, aqui e alhures, perdeu o discernimento, não se constrange por ser medíocre e não se peja por ser apanhado em mentiras, haja vista o tom dominante nos meios em que o dinheiro e a política – as mais expressivas faces de poder – regem os destinos de quase todos.

Tem sido assim nas campanhas políticas dos três níveis de governos, no Brasil, nas relações interpartidárias da velha Europa, nos comitês esportivos que “fazem chover” nas Copas do Mundo e nos Jogos Olímpicos. E foi assim nas mais recentes campanhas políticas em quase seis mil municípios brasileiros, mas nada como se soube, se viu e se leu quanto à sucessão de Barack Obama, nos “isteites”.

A América (o país) parece bastante familiarizada com as falsetas praticadas por Republicanos e Democratas. Suas campanhas lembram grandes encenações, eventos do faz-de-conta holyoodiano (engraçado isso de se produzir uma palavra com a raiz da língua inglesa finalizada por sufixos do nosso bom e familiar português). – Uma pantomima!

Volto aos nossos cenários o ambiente brasilis, com os flagrantes das falsetas da campanha presidencial de 2014. Aprendemos naquelas várias séries de fatos, de ambos os pretendentes ao Palácio do Planalto, que não se constrange mais quando se é flagrado em mentiras que não convencem sequer uma folha de papel em branco, onde nós, escribas, forjamos emoções, criamos personagens e fatos, inventamos verdades (sim, porque criar verdades é ofício de autores literários, roteiristas e teatrólogos, mas os políticos têm nos suplantado nisso).

E surgem Cunhas, Renans, Jucás e Falcões a lançar na mídia – essa mesma que eles dizem odiar e culpam-na pelas mazelas que deles somente noticiamos – suas bravatas inaceitáveis pelos ouvidos que formam a opinião pública, mas que se unem às más intenções de seus pares e essas safadezas acabam se tornando leis, que o Judiciário se vê obrigado a aplicar.

Talvez estimulado pelos maus exemplos do presidente do Senado, o alagoano Renam, o secretário goiano da Segurança Pública insurge contra ações da Polícia Federal que quis ouvir policiais suspeitos de formar e integrar grupos de extermínio o que o dr. José Eliton desmente com firmeza e fervor. Tudo bem, pode não haver grupos – mas há pessoas exterminando pessoas, mas as polícias estaduais não sabem quem são as que exterminam (sabem, sim, quem são os mortos).

Reação como aquela de veemente defesa de um oficial sob suspeita constrange-nos – a nós, goianos, que nos empenhamos por demais em melhorar esta terra, esta sociedade e a nossa imagem, tão avacalhada lá-fora. Recordo-me do ministro Henrique Hargreaves, da Casa Civil do presidente Itamar Franco, que se desligou espontaneamente do cargo para permitir a livre investigação.

O coronel comandante do Policiamento da Capital, pelo que se sabe, foi absolvido em alguns processos, mas outros há em andamento. Imagino que seja do interesse dele responder – e livrar-se – das demais suspeitas, sim! Mas a defesa ostensiva, com tom de mero corporativismo, isso não cai bem na opinião pública, sobretudo quando a nação em peso deposita esperanças na Polícia Federal com uma das principais ferramentas para se limpar as instituições públicas.

Torço, como bom goiano e bom brasileiro, para que os nossos policiais militares indiciados pela Federal provem inocência e reassumam seus postos, precisamos muito deles. Mas gostaria de ver as autoridades de nosso Estado contribuindo para essa tão sonhada depuração. Ainda que haja, em todo grupamento humano – e as instituições policiais não estão isentas – uma faixa de 5% de profissionais incorretos, tais instituições merecem nosso respeito, sim, e espero que não se detectem mesmo grupos de extermínio em nossas polícias.

A defesa prévia, ao meu ver, não é um procedimento que vem engrandecer nossas autoridades.

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Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

domingo, novembro 06, 2016

Carta ao tempo

Carta ao tempo

(Crônica escrita em 30/01/2009, mas que se despertou feito nova na minha lembrança. Saudade, sem dúvida).

Leitores amigos, já notaram como as pessoas se dividem pelo modo como olham as coisas e a vida? Sim, há os que veem passado em tudo, enquanto outros enxergam o futuro até mesmo nos desenhos rupestres. Alguém, mais bem-dotado que os comuns, disse que o fundamental é vivermos o presente, mas quase todos agem apenas em função do passado e (ou) do futuro; assim, deixam de se ocupar do presente, de viver o momento.

Conhecemos, ainda, muitas senhoras que, enviuvadas ainda nos verdes anos, enclausuraram-se em vestes escuras e sóbrias e escolheram envelhecer antes que lhe chegasse sequer a idade adulta em sua plenitude. Vejam aí, entre as amigas e parentes de suas mães e avós, e verão que não exagero. E mesmo entre os moços e adolescentes ainda vemos os que cobram de pais e mães viúvos uma castidade desumana.

Convenhamos: viver o presente nos dá mais chances de felicidade, e esta não é um ponto de chegada, mas uma viagem (mais coisas ditas por algum outro pensador, talvez anônimo; mas conheço bem uns dois ou três escribas famosos que não têm escrúpulos em se apoderar das falas alheias). Sofremos muito pelas dores do passado ou pela ansiedade ante o futuro. Enquanto isso, a vida passa, a fila anda e o dia amanhece outra vez, e outra, e outra...

Ao contrário dos que se vem nos jovens, olho-os e enxergo o futuro. Não quereria, para mim, a viagem de volta, pois sei que cometeria os mesmos erros, sofreria as mesmas dores e as angústias se repetiriam. O mesmo se dá em mim quando perambulo nas ruas de ontem, como as do centro de Goiânia, que aos poucos vai se tornando História. Aquelas ruas de comércio pouco e variado e moradias várias tornaram-se um bazar oriental, com as calçadas entupidas de produtos e transeuntes anônimos.

O centro, hoje, é ponto essencial de passeio para os que já atingiram os cinquent’anos. Nada de criticar a mudança dos hábitos, mas de curtir saudade com a convicção de que, para os moços, as lembranças se formam agora. Na Rua 4, a poucos passos da Avenida Goiás, encontrei Martônio, velho amigo dos nossos tempos moços nas Ruas 96 e 97, quando até o quintal do Palácio das Esmeraldas parecia-nos vulnerável, especialmente em tempo de jabuticaba. Vinha de par com o pai, Antônio Pereira, a quem fiz uma cobrança sincera: “Siô Antônio, que desaforo! O senhor não vai envelhecer?”. Não, não vai... Ele prefere transformar as lembranças em escritos que, brevemente, vão virar livro.

Cinco minutos de prosa boa, saudade e esperanças renovadas. Dá-me vontade de falar ao tempo, escrevo, então, esta carta ao tempo... Ou melhor, um poema à mulher de amanhã, escrito num tempo que também já vai longe. Só que, de novo, faço o passado viajar ao futuro, num jogo de ir-e-vir como passos de dança. Algo assim:

Se eu voltar a viver nos teus sonhos

Se eu voltar a viver nos teus sonhos,
é certo que chegarei sem pedir licença.
Será um chegar na noite,
sem silêncio e sem luar
porque nada mais senão nós dois
deve existir.

Será um sonho em que a dor
há de valer
na suprema intensidade
do calor que brotar dos corações.

E será um sonho
que nos fará acordar suarentos,
porque estaremos juntos
antes que o galo anuncie a madrugada.

Se eu voltar a viver nos teus sonhos
vou sentir a mudança no cheiro das manhãs,
lembrando o tempo das flores
nas mãos que me afagavam.

Será o tempo de rever noites
tão nossas / e recordar teu cheiro em mim
 — o cheiro único
da única mulher em minha cama.

(A mulher na minha cama,
de cheiro exclusivo
e carinhos só dela,
não trazia o feitio
das noites vazias: era a essência
da minha carência
e promete outra vez
renascer
quando eu voltar a viver nos teus sonhos).

Meus amigos, pai e filho, se vão, mas não nos despedimos. A tarde, sim, despediu-se no tempo, porque ela, a tarde, é única. A cada fagulha do sol ou cintilar de estrelas infinitas renovamos nossos passos, nossos olhares. Sinto que tudo virá outra vez, mas da mesma maneira como Heráclito definiu o rio e o homem.

Tudo se faz novo.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.