Páginas

sexta-feira, dezembro 27, 2019

Escolas Militares - um tema para se pensar - e discutir.




“A escola militarizada é aquela onde não 

se discute, se obedece”.



5 pontos que colocam em xeque a militarização das escolas


Educadores rebatem as narrativas do governo de que as escolas militares resolverão a violência e que estudantes precisam de mais rigidez

Cinquenta e quatro escolas iniciarão 2020 no modelo cívico-militar. No dia 12 de dezembro, o ministro da educação, Abraham Weintraub, se reuniu com os diretores e coordenadores pedagógicos que atuarão nas unidades. “A escola cívico-militar será o grupo de escolas mais qualificado no Brasil. O objetivo é criar sim um grupo de brasileiros e brasileiras que na próxima geração vai comandar esse país, resgatando os valores e trazendo técnicas novas, trabalho novo para todos esses jovens”, declarou.

“Nasce uma referência na educação brasileira. Os senhores são parte desse time que vai desembarcar o ano que vem. Infelizmente, existe muita gente que quer que esse modelo dê errado. Eu vou defender esse modelo e vocês com unhas e dentes, e vou trazer os recursos que forem necessários para que vocês tenham sucesso”, emendou o ministro.

Estive com 170 diretores e coordenadores de educação, vindos de 22 estados e DF, para a capacitação/treinamento sobre modelo de escolas cívico-militares. Em 2020, já começam a funcionar 54. Governo Bolsonaro: devolvendo o Brasil aos brasileiros!”.

O programa se baseia em duas narrativas principais: a de que, sob gestão dos militares, as escolas conseguirão resolver a questão da violência – motivo pelo qual considera aplicar a militarização em territórios mais vulneráveis – e a de produzir melhores resultados educacionais, a partir de mais regras e disciplinas no ambiente escolar.

Especialistas ouvidos por CartaCapital refutam a tese e apontam fragilidades no modelo. Confira:

1.Escolas militares produzem melhores resultados do que as escolas regulares

Os pesquisadores Alesandra de Araújo Benevides e Ricardo Brito Soares, da Universidade Federal do Ceará, se debruçaram sobre os números das unidades existentes no estado e fizeram algumas ponderações. De fato, verificaram que, em testes de desempenho, os alunos de escolas militares alcançam melhores indicadores. “No Enem de 2014, a pontuação média em Matemática das escolas militares estaduais foi de 514,15 pontos contra 454,13 nas não militares”, aponta a pesquisa. A questão são as causas dessa diferença. Uma delas está no fato de que as unidades militares recebem mais investimentos do que as escolas regulares.
“As escolas do Ceará contam com alguma autonomia financeira, uma vez que recebem recursos não só da Secretaria da Educação Básica, mas também da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social”, explica Alesandra Benevides. Além disso, as famílias dos alunos são obrigadas a pagar uma taxa anual, o que amplia as receitas. Com mais recursos, as escolas não militarizadas não alcançariam índices semelhantes de aprendizado? Há ainda outro fator importante: o acesso às escolas militares não é tão fácil. Uma espécie de vestibular seleciona os melhores estudantes, processo inexistente nos demais estabelecimentos públicos.

2.Escolas militares resolverão a questão da violência nos territórios mais vulneráveis

Educadores atestam que o enfrentamento à violência tem que ser encarado a partir de uma ótica correta e não resumido aos contextos escolares. “A violência é estrutural e está ligada a diferentes demandas da sociedade que muitas vezes não são cumpridas. Precisamos discutir a segurança da população, da comunidade, do entorno onde estão não só as escolas, mas os centros de saúde, de cultura, lazer. A violência está em todos os lugares por ausência de políticas públicas. Discuti-la é avaliar o que se passa em uma sociedade refém da ausência do Estado e o que de fato são ações públicas qualificadas que cuidem do cidadão, o considere, pense na evolução de uma sociedade que reduza as desigualdades sociais”, problematiza a educadora e doutora em educação pela USP, Irandi Pereira.


3.Estudantes precisam de mais ordem e disciplina

O pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), André Lázaro, entende que as escolas não devem lidar com seus estudantes a partir de uma linguagem violenta. “A escola não é ambiente de obediência e hierarquia cega, mas de diálogo. A escola militarizada é aquela onde não se discute, se obedece. Não se constitui cidadania se as pessoas não pensam, se constitui ditadura”, sentencia.

Arroyo entende que o modelo pode impactar negativamente no desenvolvimento de crianças e adolescentes e de suas identidades. “Uma das formas das infâncias e adolescências se afirmarem é por meio de seus corpos. Eu costumo dizer que não temos corpos, somos corpos. Trazemos nele a marca do nosso tempo, o corpo é a marca de cada tempo, da identidade. O que eu quero dizer com isso é que quando o menino usa boné, ou quando meninos e meninas optam por usar adereços ou até por um tipo de corte de cabelo eles estão simbolizando suas identidades, os corpos passam a ser afirmação de identidade, entende? E aí vem a escola militar e diz: basta! Não existe cabelo, corpo, nada. Isso é terrível, porque não reconhece as mudanças e as lutas que se acumulam na infância, adolescência e juventude”, atesta. Ao que acrescenta: “Hoje a infância tem voz, a adolescência é o tempo da afirmação, da orientação sexual, das experiências que culminam, por exemplo, em tantos movimentos organizados pela juventude. E se estamos diante de novos tempos para esses indivíduos, a educação também deve ser outra. Ao tentar destruir identidades de corpos, raça, gênero, se destrói a identidade humana e isso não é pedagógico”, afirma.

4.As famílias querem as escolas militarizadas

Para Arroyo, a aceitação de algumas famílias ao modelo tem como pano de fundo o fortalecimento de uma política de estado de medo, exceção e ameaça que coloca em xeque a escola e a própria democracia. “Imagine só uma mãe que precisa trabalhar e deixar o filho na escola, claro que ela vai querer segurança. A questão é que se criou um clima de que a escola não dá conta de seu papel e isso é totalmente intencional e político, faz com que essas mulheres não confiem mais nas escolas e cedam à proposta da militarização. Veja, o caminho democrático é sempre melhor, mas quando se cria a ideia de que na democracia não há segurança, acabamos flertando com as regras, com as posturas ditatoriais e isso também chega às escolas.

5.Escolas militares trazem mais segurança aos estudantes e comunidade escolar

CartaCapital denunciou casos de violência cometidos por integrantes do corpo militar que atuam em escolas de Manaus. Foram pelo menos um caso de agressão contra um professor e três casos de assédio envolvendo uma estudante e duas professoras. Embora encaminhados ao Ministério Público do Amazonas no início de outubro para averiguação, o advogado das Associações de Pais, Mestres e Comunitários, Ricardo Gomes, que vem representou grande parte dos casos questionou a conduta da Secretaria de Educação e da PM.

“O que tem prevalecido até o momento é a omissão, prevaricação e o corporativismo que impedem que as situações sejam investigadas com imparcialidade. Como que um militar acusado de assédio pode continuar a frequentar uma escola e conviver com crianças e adolescentes?”, declarou, à época.


Leia também:
Arroyo critica a violência atribuída naturalmente aos estudantes. “Não são as infâncias que são violentas. Elas são sim violentadas pela sociedade, pela pobreza, pelas favelas, pelas desigualdades sociais, de raça, gênero e isso chega às escolas. Mas preferem ocultar isso, a olhar com seriedade. As infâncias são vítimas de violência e respondem da mesma maneira às violações que sofrem”, atesta.


segunda-feira, dezembro 23, 2019

Um pacote de sacanagens


Um pacote de sacanagens



As pessoas que temos em contato nas mídias sociais, essas que todos os dias nos enviam algumas imagens e até mesmo vídeos a título de bons-dias e boas-noites fazem a festa, literalmente, em ocasiões como a Páscoa, o Dia das Mães e o dos Pais e, sobretudo, no Natal. O efeito é que o tempo que gastávamos (antigamente) para enviar cartões de Boas-Festas (personalizados) é agora multiplicado para que limpemos os “caches” de computadores, tablets e celulares. Mas não nos queixemos: triste mesmo é sentir-se só.

A solidão malfazeja (sim, porque muitas vezes precisamos, nós próprios, de estarmos conosco, apenas) conduz à depressão, ao pânico e, claro, à baixa autoestima. Ou se tem habilidade para relacionar-se bem com os próximos ou se gasta muito – compra-se, é o termo – para angariar companhias sem os sentimentos de afeto, respeito ou amor-amizade.

Essa capacidade, hoje, é o que se tem por inteligência emocional, mas dizíamos jogo-de-cintura e os mais refinados exibiam-se com a expressão francesa savoir-faire.

O Brasil dos parvos assumidos elegeu a desqualificação. E o fato repetiu-se no varejo dos Estados. O presidente da República não tem nada de savoir-faire – nem de know-how. Curiosamente, as duas expressões se traduzem da mesma maneira, saber (como) fazer, mas sempre aplicávamos o francês para o modo civilizado de contornar situações, e o inglês para o conhecimento técnico.

Lembro-me do mise en scène de Fernando Collor ao final das tardes descendo a rampa. Ele fazia aquele forfait com certo glamour e criou-se um novo status em Brasília: “Fui convidado para descer a rampa com o presidente”. Mas as saídas de Jair para o trabalho, nas manhãs, quando ele faz que atende jornalistas sob a proteção de seguidores fanáticos (aqueles que cercam os poderosos como as moscas em torno do doce... ou das fezes) nada têm de glamour, mas sim de – agora é hora de uma expressão nacional nada chique – barraco. Muito barraco!

Na semana passada, sob o calor das acusações graves que ameaçam o seu filho Zero-Um, senador pelo Estado do Rio, ele perdeu as estribeiras. Não foi surpresa alguma. Surpresa foi a sua fala de arrependido (disse ele) no dia seguinte. Chamou esse jornalista de homossexual por ter indagado o presidente quanto às suspeitas sobre o senador Flávio, fez referências chulas aos pais de outro jornalista que lhe perguntou sobre o empréstimo de 40 mil reais ao famoso Fabrício Queiroz - inconveniente  para o clã dos Bolsonaro).

Em Goiás, a coisa vai muito mal, também. Não basta ao governador fazer coro às maldades e ignorâncias de seu líder, o presidente – ele comete também das suas. Por exemplo, uma de suas primeiras medidas foi mandar desligar os radares para acabar com a “indústria de multas” – a Justiça Federal suspendeu medida idêntica de Bolsonaro, mas a de Goiás se faz de mouca, já que é cega.

Emenda Constitucional para aniquilar com a verba vinculada da Educação teve apoio maciço dos deputados antipovo que, em maioria arrasadora, constitui a Assembleia Legislativa. Não bastasse isso, o presidente do Legislativo, atendendo à orientação do Palácio Pedro Ludovico, ajeitou o calendário legislativo para satisfazer o governador Caiado. Deputado eleito pela legenda que deveria representar a força da oposição não se satisfez em votar (como vem votando desde o começo) com a vontade do Executivo, mas teve o capricho de tecer loas ao discurso do emedebista que é o líder do governo (DEM) na Casa de Leis.

O pacote de maldades ainda não estava pronto. O ano legislativo só se encerraria com o fim das licenças-prêmios e dos quinquênios do funcionalismo. E, para fechar toda a sacanagem com lacre de chumbo, convidou os amigos deputados para um banquete em Palácio e retardou do dia 20 para o 23 (e quase ninguém confia) o pagamento do salário e da segunda parcela do 13° salário ao funcionalismo.

Mais, ainda: de imediato, lançou uma campanha publicitária para justificar os cortes, tentando jogar a população contra o funcionalismo estadual.

Quero encerrar sem mais adjetivos. Mas não consigo conter um grito, apenas:

– Essa culpa eu não carrego!


*******

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, dezembro 13, 2019

Opiniões sem lastro


Opiniões sem lastro



Recebi de O Globo (13/12/19): "O essencial da manhã: Governo federal socorre Crivella com R$ 150 milhões".


Leio aqui mesmo, no Facebook, opinião de pessoas das minhas relações acusando veementemente as Organizações Não Governamentais (genericamente) de atuarem contra os interesses nacionais, espionando e cometendo crimes na Amazônia. No "Bom dia, Brasil", notícias de que, ontem, a PF prendeu uma quadrilha que armava grileiros e garimpeiros no Amazonas e no Pará para agirem em terras públicas e reservas indígenas.

O ódio dessa direita mal pensante (a direita de décadas atrás era formada por pensadores respeitáveis... tsc tsc tc) é dirigido às ONG que atuam na Amazônia. Talvez até mesmo contra essas formadas por assistentes sociais e profissionais da saúde que prestam serviços notáveis em regiões carentes. Mas jamais vi essas pessoas discursando sobre o segmento mais perigoso das... ONG: igrejas evangélicas da linha instaurada no Brasil desde a década de 1980 – coincidentemente, o período em que teve início a redemocratização.

Antes, "crente" era o epíteto para os seguidores de igrejas protestantes altamente respeitáveis, dirigidas por pastores de formação e nivelados com os padres no que tange ao conhecimento religioso e, em decorrência, à respeitabilidade que inspiravam. A esse novo tipo de ONG, com fim específico de alienar as populações periféricas (refiro-me aos moradores das regiões lindeiras aos centros urbanos, mas também aos que não quiseram ou não conseguiram alcançar uma formação intelectual melhorada), concedendo-lhes privilégios materiais que "parecem" milagres para seduzi-los à fé. 

A epidemia contaminou grande parcela da população, como era colimado, e o resultado foi o surgimento de grandes "marcas" de "denominações religiosas", do enriquecimento súbito e não tributável de alguns pastores e da - esta, sim, a grande meta – a formação de um expressivo setor político: vereadores, deputados estaduais e federais e senadores, depois prefeitos e governadores e, agora, um presidente - fiel às linhagens neopentecostais.

Tenho visto que é acentuado o preconceito contra pretos e índios, além do ódio às ONG, entre essas pessoas, bem como a misoginia, a homofobia e a idolatria ao país-sede dessas armações políticas contra a América Latina em geral e o Brasil em especial - a terra do Tio Sam. Mormente agora, com Trump.

Gosto do conflito de ideias. Mas de ideias, e não se chavões, de dogmas ou falácias. E sabemos bem o que são ideias legítimas e respeitáveis e o que são as listas de "pode" e "não pode" que se "herda" não de uma linhagem famílias, mas de um grupo colonizador.

As maldades da Igreja Católica nos tempos da colonização da América Latina provocaram, especialmente no Brasil, o sincretismo religioso - hoje, um patrimônio cultural imaterial de nossa Pátria. Mas considero caro, muito caro, o preço pago pelos ancestrais indígenas e africanos que se integram à nossa formação genética e cultural, não me atrevo a dizer que isso valeu a pena.

Por outro lado, e vem da minha adolescência, apeguei-me a alguns jargões que, agora acredito, eram mal aplicados pelos doutrinadores políticos daqueles tempos: "Autodeterminação dos povos" (pregada por lideranças norte-americanas, falaciosamente, e apropriada pelos esquerdistas); "Culto a personalidades" - bandeira levantada por Nikita Khrushchov para apagar a idolatria aos que o antecederam no poder; "Deus, Pátria e Família", dístico aparentemente digno, mas adotado (ou criado, sei lá) pelos integralistas de Plínio Salgado, revivido na campanha política pela cúpula que elegeu Jair Messias Bolsonaro em 2018.

Acredito, sim, mas ao pé da letra, que cada povo tem o direito de determinar o regime que melhor se lhe aplica - não foi o que fizeram os líderes soviéticos ao longo de quase todo o século 20. Desconfio seriamente do dístico "América para americanos", que, diziam, era a máxima da Doutrina de Monroe – por todas as suas ações, não se trata de reservar o continente para seus povos de várias nuanças, mas de mobilizar todos esses povos para os interesses "americanos" (a população dos EUA). Afinal, esta trupe renega todos aqueles latinos nascidos em solo americano (chamados por eles de "bebês-âncora", como se tivessem sido feitos pelos pais somente para garantir a cidadania), priorizando apenas os que são de pele branca e cabelos claros.

Levo a sério isso de não cultuar personalidades; admiro muitos vultos históricos, mas só o faço quando posso avaliar também o seu lado que não me agrada e que, sopesando méritos e defeitos, concluo que o bem-feito supera as fraquezas (e por aí vou eu).

Por isso, abomino as pessoas que leem em cartilhas previamente escritas. A minha cartilha tem de conter muito da minha lavra, também, pois que aplico meu senso crítico ao que leio para, em seguida, tentar montar os meus conceitos.

Resumindo: ainda que eu tente, o Brasil ainda se divide (e nestes dias, mais ainda do que nos tempos da ditadura) em direita e esquerda (durante o regime militar, a esquerda era multifacetada e se estendia desde os pensadores pacifista até os radicais da luta armada) e a direita congregava seus respeitáveis pensadores, em torno dos quais gravitavam os "menos dotados" ávidos por cargos públicos em que se locupletavam e ainda os que preferiam a iniciativa privada, desde que a amizade com o poder lhes permitisse que também se locupletassem – ou seja, ambas praticando uma atuação cega, surda, muda e burra.

E, concluindo: a ajuda de Bolsonaro a Crivella é parte do pacto eleitoral do ano passado; ou é ordem da famosa agência de inteligência do "irmão do norte" – a qual pode sim, ser o centro criador da nova onda “religiosa” do Brasil de agora.

* * * * * *

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.