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sábado, junho 25, 2016

A vida bem escolhida do dr. Ciro Ricardo

Dr. Ciro Ricardo 



Dr. Ciro Ricardo Pires de Castro: toda a vida dedicada à saúde e muitas histórias a servir de bons exemplos.


A vida bem escolhida (*)

Há pouco menos de dois anos, entrevistei um bom amigo, médico, com a sua admirável história de vida:

O que é uma vida profissional toda voltada para salvar vidas, prevenindo e atuando na correção de casos? Como V. se interessou pela medicina?

– Para mim, uma vida de aventura; diria que meu aprendizado, além da Faculdade e da Residência, na Santa Casa de São Paulo, continuou quando servi na construção da Rodovia Transamazônica, no período de trabalho na Ilha do Bananal e nos tempos de São Miguel do Araguaia. Ah, essa vocação esvai-se na memória. Acho que sempre quis ser médico, sim; não me lembro de imaginar-me outro profissional.

Em tempos de escândalos e decepções, com o desmascaramento de notáveis e até respeitáveis senhores (e senhoras também) por práticas condenáveis, revolvo os mais profundos arquivos da memória em busca de pessoas “do bem”. Guardo lembranças de personalidades que viveram suas vidas em prol do bem social. Neste quesito, conheci profissionais vários, como professores, médicos, advogados e mesmo empresários que não objetivam apenas o lucro.
Assim é que resumi tais predicados na figura de um homem da minha geração, goianiense, menino levado e aventureiro. Das tardes à beira do Córrego Botafogo (bem próximo à sua casa, na “Rua 10, 47, telefone 4574”, especifica ele, lembrando que a primeira morada foi no conjunto do IAPC, na Rua dos Comerciários).
Estou falando sobre o Dr. Ciro Ricardo Pires de Castro, diretor geral do Hospital de Urgência de Goiânia (HUGO).
Provoco-o a discorrer sobre a sua formação...

– Formei-me na Federal de Curitiba, Paraná; antes, havia cursado o Liceu, em Goiânia. A residência médica, eu a fiz na Santa Casa de São Paulo. Concursado na Prefeitura de São Paulo, desisti da vaga e viajei a Altamira, no Pará; eram as obras da Rodovia Transamazônica e eu me deslocava até a região dos rios Xingu e Tapajós, no município de Itaituba.  A missão era dar assistência, primeiro, aos topógrafos e suas equipes, que tiravam a picada da decantada rodovia. E assim permaneceu por lá, até que soube, por um viajante comercial de laboratório farmacêutico, de que a cidade goiana de São Miguel do Araguaia, logo ao sul da Ilha do Bananal, precisava de um médico generalista. O espírito aventureiro falou alto. E ao deslocar-me para São Miguel do Araguaia, pude conhecer o sertanejo – o homem rude e sábio. Aquela gente, simples e honesta, via no médico uma referência mais ampla – o médico era pastor, padre, delegado etc.

Como é a sua relação em família, já que um médico em hospital como os da nossa rede atua como um sacerdote da medicina?

– Sem empecilhos! Minha mulher é também profissional de saúde e ainda trabalha; nosso convívio é excelente e harmonioso e com meus filhos também sempre foi assim...

Como vislumbra o seu trabalho nos próximos meses ou anos? A ciência médica, que tantos passos tem dado em descobertas e procedimentos, é mesmo surpreendente a cada dia?

Sim, muito surpreendente. Avança a ciência médica, avançam os procedimentos. Os profissionais da medicina acompanham as súbitas mudanças e, agora, grandes medidas e mudanças são tomadas pelos gestores no sentido de pragmatizar o atendimento, aperfeiçoar a logísticas. Antevejo grandes progressos na nossa área!

A relação médico-paciente mudou muito?

Mudou! Houve aquele tempo do médico de família, os médicos dos tempos de nossos avós (e hoje somos nós os avós), que viajavam a cavalo ou em charretes para atender pacientes em locais distantes, muitas vezes na zona rural, a qualquer dia e hora. Depois, veio a fase de alguma distância, algo que parecia ser indiferença – o paciente era apenas “um caso”. Hoje, volta-se à humanização do atendimento e eu sinto, há décadas, que o paciente confia mais no seu médico.

Cite um fato marcante de sua história profissional na Saúde Pública.

Era 1972. Chegou a São Miguel do Araguaia uma equipe de estudantes do Projeto Rondon; entre eles, uma linda gauchinha, estudante de enfermagem. Paixão instantânea e recíproca, em uma semana ficamos informalmente noivos, numa festa da Paróquia. O passo seguinte e imediato foi pegar uma carona num avião  monomotor, o mais frequente e eficaz meio de se chegar a Goiânia, onde, na casa do tio de Ciro, o coronel Hélio Teixeira. O coronel se espantou: O que vocês aprontaram? - Ciro o tranquilizou, “Não, tio, não aprontamos nada”, e expôs o que pensava.

Precisavam telefonar ao pai de Núbia, em Porto Alegre; e aquele pai, também militar, certamente tinha rígidos conceitos de família, sofreria um choque ao saber das novas – ninguém melhor que o também rígido militar e convincente advogado Hélio Teixeira para intermediar as notícias, os propósitos do rapaz e o pedido.

Resumindo: a família da noiva deslocou-se a Goiás, para o casamento relâmpago. Temos três filhos e seis netos.

Quer dizer algo mais? Uma mensagem, uma opinião ou um conselho aos profissionais da Saúde Pública...

Em 1983, frequentei novo curso em São Paulo, retornando, enfim, a Goiânia. Empreguei-me na Prefeitura e no Estado. Em 1991, fui contratado para o Hospital de Urgências de Goiânia, o HUGO. Em qualquer profissão, não é o sucesso financeiro que deve nortear nossos propósitos. Esta é a terceira vez que sou diretor geral do HUGO. A primeira vez, pela Organização das Voluntárias de Goiás; a segunda, pela Secretaria de Estado da Saúde; e, agora, pela Organização Social de Saúde que administra aquela unidade.

Ciro Ricardo, diretor-geral do HUGO (pela terceira, diretor do
 nosso principal pronto-socorro.
As organizações sociais, como gestoras nas unidades de Saúde, têm, em Goiás, inspiração do médico Fernando Cupertino, secretário de Estado da Saúde nos dois primeiros governos de Marconi Perillo. O Conselho Regional de Medicina aprovou a ideia e a GERIR alcançou respaldo social, por proporcionar melhorias gerais no atendimento, na eficiência e nos resultados, atuando pela melhoria em todos os setores da atividade hospitalar. Esses resultados são o que me enchem os olhos e o coração de felicidade! Aqui no HUGO, vivi três momentos distintos e a cada dia, ainda que com tantos desafios, sinto-me melhor que antes.

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(*)Matéria veiculada no Diário da Manhã, 21/6/16:


Luiz de Aquino, jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, junho 18, 2016

Clube do afago

Clube do afago




O Brasil assiste, com indisfarçável e inevitável perplexidade, as várias falas e transcrições das delações premiadas – expressão e prática tão em moda nestes tempos pós-mensalão, pós-Lula e no foco central do terremoto que racha todo o Planalto Central, as Gerais, a imensa Planície Costeira, a Amazônia, o Agreste e os sertões de Caatinga e Cerrado, de Pantanal e Pampas, sem descuidar das regiões montanhosas.

Poderíamos perguntar aos juristas em que consistem tais delações, e ouviríamos (ou teríamos de ler) enfadonhos textos eivados de termos técnicos que soam bem aos ouvidos e olhos dos profissionais do Direito, mas tornam-se ladainhas soníferas para nós-outros, os marginais de tais práticas e predicados.

E caímos, pois, no conceito genérico de que se trata de entregar quem mandou o inquirido cometer esses atos de apropriação de dinheiro alheio (e muito alheio! É dinheiro do povo brasileiro) e de posar de árbitros para distribuir tais fortunas, com o zelo de reservar para si próprio, suas famílias e outras pessoas estimadas, como amigos e amantes.

Essa Operação Lava Jato não poupou gêneros nem formosuras – há mulheres entre os meliantes, algumas de apreciável beleza! E muitos homens poderosos, desses sobre os quais jamais supomos que ocuparão os bancos dos réus nem as celas das prisões. Mas, gente, que inocentes somos nós, hem?

No limiar da minha sétima década, recordo muitos momentos e cenas vividas desde a infância. São ocasiões em que pessoas humildes, fossem pessoas do povo anônimo ou trabalhadores identificados como “os mais humildes”, assim chamados por terem de aceitar a humilhação vinda dos engravatados porque emprego sempre foi coisa muito difícil de se preservar – ou mesmo conseguir.

Uma vez empregado, o cidadão cuida de oferecer o melhor de si. Para isso, aceita ordens esdrúxulas e opiniões descabidas; estuda e procura aprender sempre mais; e oferece o melhor de si, em atos, postura e resultados. Bem, sou do tempo em que se esperava dos subalternos (neste meio estava eu) não só bons resultados, como também um certo espírito de iniciativa – coisa que hoje apelidam de “pró-atividade”. Com o passar dos anos, ficávamos experientes – hoje, empregados nesse nível têm “expertises”.

E um funcionário assim, em grandes empresas ou no serviço público, eram usados e abusados. Conheci pessoas que redigiam ofícios, relatórios, memorandos, bilhetes para a amante do chefe, pedidos de clemência por várias razões, petições, artigos científicos de várias naturezas e eram recompensados com sorrisos e tapinhas nas costas; quando este competente e esquecido empregado precisava de algo, os tapinhas nas costas eram substituídos por pé-na-bunda, e em seu lugar empregam-se esguias silhuetas de faces maquiadas e sapatos de grifes, com salários nababescos e pouca produtividade (aparente).

E vejo o escarcéu que esse Sr. Sérgio Machado anda fazendo no Ministério Público, na Justiça e. por consequência, nas mídias! E imagino quantas vezes os que se valeram de seus préstimos para obter recursos para suas campanhas políticas e seus caprichos não lhe deram pés-na-bunda!

E agora... Hem?

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

terça-feira, junho 14, 2016

Enquanto arrumo a estante...




Enquanto arrumo a estante




Lira Neto, o autor.
Ganhei de meu sobrinho Israel, professor de História, a obra (em três volumes) Getúlio, do jornalista Lira Neto. Já venci as cerca de 600 páginas do primeiro volume e prossigo no segundo com a mesma vontade, esta sede inexplicável de absorver o máximo! Já lera eu, nalgum momento desta vida que se alonga, sobre as mudanças de opinião do velho caudilho (ele é de um tempo em que um homem de 40 era tido por velho), mas nem por isso há que se perder a admiração pela coerência, caracterizada não propriamente pelas opiniões conservadas (e, neste caso, quase sempre conservadoras). A coerência, em Getúlio Dorneles Vargas, estava na meta, não no caminho.

Na madrugada desta sexta-feira, li sobre a relação do ditador com a filha Alzira, ao tempo em que a menina contava 17 anos e as pessoas, na capital federal, já sabiam ser ela a única pessoa a conhecer os segredos de estado daquele regime de arbítrio, pelo papel que desempenhava ao lado do poderoso pai.

A mudança, do Sul para o Rio de Janeiro, implicou na reordenação dos livros (e eram muitos) nas estantes, mas o funcionário encarregado de fazê-lo cometeu o mesmo deslize que incomoda todos os que mantêm bibliotecas e confiam a outrem a missão de arrumá-los. O zeloso profissional do Catete (o Palácio do Governo) ordenou os livros nas prateleiras obedecendo a uma estranha ordem – o tamanho dos títulos e uma certa harmonia com as cores das lombadas...

Getúlio Vargas com a filha Alzira - inseparáveis!

Sem se abalar, o presidente recorreu à filha (adolescente, mas devoradora de livros) que, sem muita dificuldade corrigiu o feito do zeloso funcionário. O gosto da menina Alzira Vargas pela leitura e pelos estudos envaidecia o pai. Ele declarara, anos antes, que a mulher foi feita para a casa, portanto não precisava estudar, bastava saber cuidar de filhos, cozinhar e tocar piano. Mas o hábito de ler livros todas as noites para os filhos resultou no desenvolvimento de tal gosto em Alzira que, aos 17 anos, concluindo o estudo de Humanidades, disse a Getúlio que pretendia cursar Direito, tal como ele. E o pai, demonstrando ter mudado de opinião, prometeu-lhe que, caso fosse aprovada nos exames, ele lhe doaria toda a biblioteca.

Gosto muito dessas histórias de vida, de família, de ensinar e aprender. Coisa de pai, coisa de velho professor, sei lá! Mas gosto de biografias, em especial quando bem escritas e produto de pesquisa profunda e bem cuidada – é este o caso do livro em três volumes sobre a vida e a obra de Getúlio.

Estes dias, estou, enfim, tentando organizar meus livros nas prateleiras. Constato que disponho de muitos títulos em dobro, alguns com autógrafos dos autores em mais de um exemplar da mesma obra. Hei de doá-los a alguma biblioteca, de preferência escolar, ou a algum professor (certamente, de Língua e Literatura), esperando que possam ser bem aproveitados.

Empoleirado na escada de sete degraus, subindo e descendo ao longo de todo o dia transportando pilhas de livros para lá e para cá, alcanço a noite com os braços sentindo o peso dos exercícios repetidos, os olhos cansados e o corpo pedindo cama. E vou me deitar feliz, com um sono justo e, pretendo sempre, restaurador das forças. Em breve, estarei mais feliz, pois saberei bem onde localizar a obra necessária em cada momento, para consulta ou releitura – e também por pelo menos uma centena de títulos que ainda não li.

Mas, sem constrangimentos, sinto falta de uma “Alzira” que, com prazer e juventude, fizesse por mim a tarefa braçal – mas bem planejada – de organizar meus parcos livros.



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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.