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sábado, janeiro 30, 2010

Meia-Ponte do Rosário, Pirenópolis (Carta de Ana Maria Taveira)



Carta da escritora Ana Maria Taveira
sobre o meu livro Meia-Ponte do Rosário, Pirenópolis





Goiânia, 20 de janeiro de 2010


Prezado amigo, escritor Luiz de Aquino:


Ler um livro é como manter uma agradável conversa com o escritor. Embora não haja interação verbal, visto tratar-se de um monólogo, aquele que lê se apraz em percorrer, com o autor, por caminhos variados e às vezes desconhecidos em mágicas viagens; viver com ele acontecimentos, passeios, recordações da infaância e juventude e tudo mais que ele queira nos contar.

Quem lê vê pelos olhos do autor “campos vestidos de verde, antes castanhos” com “pastos fazendo fundo, como tela de pintor”, ouve com ele “o sussurro dos rios” e, ao longe, o som romântico de um trombone chorando saudades, dedilhado suavemente em braille, pelo avô-seresteiro, que desliza seus dedos nas teclas, com a “ternura de quem acaricia a mulher amada”.

Li tudo com atenção, voltando a ler, muitas vezes, as páginas ou trechos de maior agrado.

Na crônica “Goiás, Comida e Poesia”, a poesia flui como cristalina e abundante água da fonte: “amor é poesia, amar é divino e poético”. Permita-me acrescentar que “sem amor a vida perde o sentido”.


Comovi-me com seu desejo e pureza quase infantis de “ser garçom,e colocar na bandeja os onhos solicitados e entregá-los de graça, feito anjo”. Assim, quando afirma que “quem me conhece ou me ama ou me odeia”, julgo a assertiva primeira a correta. E estou entre eles, admirando sua pessoa gentil e seu trabalho sério, inteligente, mordaz vez por outra, que tanto prende e encanta o leitor.


Foi muito bom conhecer sua queridinha Pirenópolis, a

Meia Ponte do Rosário. Acompanhei sua devoção à obra e à pessoa de José J. Veiga, seu ídolo. O empenho obstinado em manter viva sua memória “para que não se perca na brancura das lembranças”.



Enfim, foi uma “viagem”, muito proveitosa, bastante agradável “ouvi-lo” contando casos e histórias, suas críticas às vezes picantes, e em outras, aprovações generosas.

Recomende-me a Mary Anne e Lucas. Parabéns pelo ótimo livro.

A amiga, colega de ofício,

Ana Maria Taveira





Fotos: Luiz de Aquino, Dalva J. Pereira, Internet e arquivo pessoal de Ana Maria Taveira


sexta-feira, janeiro 29, 2010

Com a mão na massa


Com a mão na massa

O artista plástico Malaquias orienta-me


Luiz de Aquino



Alguns animais, dizem, têm os olhos sob coordenação independente, ou seja, podem focar, ao mesmo tempo, direções diferentes (convenhamos, esse seria um atributo maravilhoso, não é?). No mundo de hoje, este das últimas décadas, suprimos essa vontade com as câmeras de vídeo, comumente usadas em segurança (ou espionagem).

O bicho sapiens, sempre que carente de algum dom que percebe noutros animais, cuida de inventar. O homem, pois, cerca-se de instrumentos que lhes suprem quase todas as carências: o homem desloca-se sobre rodas, navega, mergulha, voa, vai ao espaço além da atmosfera, comunica-se à distancia, corrige distorções de visão e audição, corrige o metabolismo e a função de seus órgãos...

O momento de escrever é assim, de muitas ideias e sugestões. É do homem isso de inventar coisas, e a mais perfeita das invenções, para mim, é a escrita –artifício mágico de se desenhar sons, de derivar os desenhos em letras, sinais que se juntam para expressar sons e formar palavras. Com isso, vem a comunicação, mágica de juntar palavras a exprimir ideias complexas. A ideia ora vira som, ora escrita; mas sempre é possível transmudar as formas. Assim chegamos à literatura, o traje elegante da escrita.

Ideias, palavras sonoras e escritas, frases e períodos, página, livros; leitura, interpretação, interação... O processo é longo e sofisticado, jamais limitado. Com isso fazemos história, e nós, que constituímos a sociedade ocidental, não concebemos um povo sem história. Mas, há poucos dias, achei essa observação de ninguém menos que Jorge Luís Borges, cidadão argentino e poeta da Humanidade:


“...se nos inclinarmos sobre a história, acho que talvez possamos supor que chegará o dia em que os homens não terão mais ciência da história como nós. Chegará o dia em que os homens cuidarão muito pouco dos acidentes e circunstâncias da beleza; cuidarão da beleza em si mesma. Talvez nem cuidem sequer dos nomes ou das biografias dos poetas”. (Esse Ofício do Verso, pág. 80 e 81, Companhia das Letras, 2000).


Isso, de certa forma, já acontece. E, contraditoriamente (e felizmente), isso não acontece. Quero dizer que existe, sim, um grande desinteresse pela poesia e pelos poetas, bem como pela filosofia e pelos filósofos, mas um também imenso segmento das sociedades (falo dos povos ocidentais, porque dos orientais muito pouco sabemos nós) cultiva as bases da história. Como se viu na noite de quinta-feira passada, 28 de janeiro deste novíssimo 2010, quando, a convite da Construtora EBM, um grupo de pessoas com (dizem eles) papéis importantes no contexto da cidade, foram chamadas para gravar suas palmas em placas de cimento.


Iuri Rincón Godinho foi quem me comunicou, e lá fui eu imprimir a mão na massa de construção. Ao meu lado, o poeta Delermando Vieira, o mais recente empossado na Academia Goiana de Letras (dos “imortais” goianos, também Bariani Ortêncio e César Baiocchi foram homenageados). Muitos outros intelectuais e artistas, gente que faz História com seu trabalho, foram lembrados nessa galeria, que, contaram-me, reúne setenta e sete figuras goianienses, em referência aos 77 anos de lançamento da Pedra Fundamental da cidade (24 de outubro de 1933).

Colhi ligeiras informações, o possível a se fazer durante uma festa: o projeto é de PX Silveira e tem a organização da Contato, a empresa da Adriana e do Iúri Godinho. E senti-me mais feliz ao saber que também Delermando plantaria sua mão no concreto, ele que enaltece nossa terrinha natal, Caldas Novas, pelo elevado valor de seus escritos em prosa e verso (vem aí um livro de 600 páginas de poesia).

Resumo, porque o espaço já se acaba: a festa da EBM corrobora a observação de Borges e insurge-se contra o vaticínio de que as sociedades esquecerão sua história e as de seus poetas (e musicistas, e folcloristas, e artista plásticos, como Malaquias e Papas Stefanos).

Agradeço, com humildade, a distinção. E agradeço aos amigos Luiz Ungarelli, Wanda Cherubino, Vanessa, Maria Luiza e Roseli, que me acompanharam (afinal, e ainda que nao creiam, ainda tenho algo de timidez; se não houvesse os amigos, as pernas bambeariam).


Luiz de Aquino - poetaluizdeaquino@gmail.com - é escritor, membro da Academia Goiana de Letras. (Fotos: Lucas Leão Alves e Wanda Cherubino).

terça-feira, janeiro 26, 2010

Majestade


Poema do meu livro "As uvas, teus mamilos tenros", de 2005.



O vídeo é um carinho da Maria Luiza Carvalho, amiga poetisa e psicóloga (os créditos estão ao final).

Veja também no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=hLqzerQdmos


Luiz de Aquino

domingo, janeiro 24, 2010

Reviver o Centro et cetera


Reviver o Centro et cetera


Luiz de Aquino


Saudade das noites de sexta-feira banhadas a chorinho na calçada do Grande Hotel. Isso é saudade nova, mas já dói. Saudade do iluminado e colorido Centro de Goiânia, ao tempo em que as lojas mantinham à mostra suas vitrinas de tantas coisas, antes do advento dos xópins. Saudade de muita gente e até saudade de mim naqueles anos verdes de esperança e felizes ante tanta inocência.

De repente, o Brasil das maiores cidades começou a falar coisas comuns. Muitas coisas comum a todas, mas, para mim, a mais expressiva delas é a “revitalização do centro”. Isso vale para quase todas as capitais brasileiras e para um grande número de cidades de maior porte. É que os tais centros, núcleos pioneiros da formação urbana, esvaziaram para dar lugar à expansão dos comércios e serviços. As famílias foram morar longe.

Parênteses: alguns leitores virão dizer que, nestas linhas, exerço minha inegável nostalgia. Pode ser. Mas em lugar de massagear as lembranças como alguns atletas estimulam adrenalina, pretendo mesmo é propor soluções. Ou, ao menos, remendos duráveis (e, creio eu, saudáveis).

No meio desta semana, curti umas horas poucas em conversa solta com o amigo Luiz Ungarelli, goianiense nativo, dos tempos em que o Ateneu Dom Bosco ficava fora do asfalto. O bar, no Setor Oeste, é daqueles em que lamentamos apenas não haver um mar para completar a paisagem. E por sobre os telhados despontava, a uma distância de três minutos a pé, a solenidade de um edifício da Rua 85. Todo vazio, o prédio. Vazio de se pagar o IPTU à toa... E assim está há alguns anos.

Lembrei-lhe que no Centro da cidade, o nosso carinhoso Centro Histórico, muitas são as casas e até mesmo alguns grandes edifícios totalmente vazios. Vou citar apenas dois: a velha

sede do Banco do Estado de Goiás que, desde a aquisição do BEG pelo Banto Itaú, é ocupado apenas no espaço térreo, talvez a sobreloja e o subsolo. O outro, na Avenida Goiás com a Rua Dois, já foi a sede regional da Caixa Econômica Federal e encontra-se, há mais de dez anos, totalmente desocupado.

No meu entender, revitalizar o Centro equivale a reocupar espaços com moradias. E as noites, com atrações artísticas, trariam de volta o glamour de outras épocas. Se novas moradias houver no Centro, virão também lojas de subsistência. E havendo arte e entretenimento, as noites retomarão suas luzes e cores. E, havendo mais pessoas de bem, obviamente haverá mais segurança etc. e tal...

Ungarelli lembra que o poder público comete um equívoco ao buscar assentar famílias em locais remotos. Isso implica vias de acesso, rede de ônibus, de energia, de água e esgoto, escolas e postos de saúde e segurança. Sairia mais barato desapropriar alguns quarteirões centrais, estrategicamente escolhidos, e criar a ocupação familiar novamente em zona já estruturada.

Concordo: os colégios estaduais da região Central da cidade estão à míngua e com poucos alunos – até mesmo o tradicional e secular Lyceu tem pequena população estudantil e o Colégio Rui Brasil, no Setor Oeste, já foi fechado. Edifícios como os dois citados – o do antigo BEG e o da CEF – são perfeitamente adaptáveis para moradia de estudantes ou de casais sem filhos, por exemplo.

Uma coisa puxa outra e vem-nos à lembrança a Avenida T-8, ou melhor, a passagem sobre o Córrego Vaca Brava. Naquele ponto, que une o Setor Bueno ao Jardim América, as pistas se estreitam e a avenida se torna perigosa e feia. As propriedades junto à passagem bem podem ser desapropriadas parcialmente, apenas na medida do alargamento das pistas sobre o córrego, abrigando também a calçada para pedestres. Isso se faz sem desembolso, negociando-se o gabarito de construção (a administração municipal tem toda informação e poder necessários para isso), sem prejuízo para os proprietários. O resultado será a valorização dos referidos imóveis.

Nestes tempos em que a frota de veículos aumentou assustadoramente, nesta cidade em que o sistema de transporte público deixa muito a desejar (até porque, parece-nos, escapa em grande parte da competência da municipalidade, com o envolvimento do poder estadual e as decisões da iniciativa privada), muito há que se fazer para se evitar o deslocamento de pessoas, e viver no centro facilitaria muito esse esforço. E não nos esqueçamos de que alguns dos nossos córregos, como o Botafogo (além dele, expande-se muito rapidamente o Jardim Goiás), o Capim Puba, Cascavel e o Vaca Brava, como exemplos, exigem mais pontes.

Espero eu, e comigo não só os goianienses, mas toda a comunidade da região metropolitana, que possamos, brevemente, voltar a curtir o chorinho, o samba, a bossa-nova e riquíssima MPB goianiense nas calçadas e casas de xous do Centro (viva o Goiânia Ouro!). E o futuro agradecerá, certamente!



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras (http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com).

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Glossário de goiano

“Só goiano entende”…


Luiz de Aquino










Recebi pela Internet, obviamente enviado por forasteiro que finge nos admirar, mas divulga isso aí com um indisfarçável tom de deboche. Transcreverei apenas alguns tópicos, porque o glossário é variado. Os conceitos, para mim, soam suspeitos.

“Os verbetes abaixo servem para todo o estado de Goiás.
Arvre - Árvore (isso me lembra 'As arvres somos nozes') Arvrinha - Árvore pequena. Arvrona - Árvore grande. Madurar - Amadurecer. Corguim - Lê-se córrr-guim. Diminutivo de corgo. Corgo - Lê-se córrr-go. Córrego. Quando é fé - Algo como “de repente” ou “até que”. Ex.: 'Estava no consultório do dentista, ouvindo aquele barulhinho de broca, e quando é fé sai um meninin chorando de lá.' Deixa eu te falar - Com a variação “Ow, deixa eu te falar”. Introdução goiana para um assunto sério. Nunca, mas nunca mesmo, chegue para um Goiano falando diretamente o que você tem que falar. Primeiro você tem que dizer “ow, deixa eu te falar”, para prepará-lo para o assunto. Em Goiás você precisa seguir o ritual de uma conversação. Ex.: 'E aí, bão? E o Goiás, hein? Perdeu! Tem base? É por isso que eu torço pro Vila. Oww, deixa eu te falar, lembra aquele negócio que eu te pedi...' A forma abreviada é “te falar”.



Fiz um grande salto. Vejam essa jóia:

“Barriga-verde - como já ouvi aqui em Goiás, 'pra baixo de São Paulo todo mundo é gaúcho'; portanto o termo barriga-verde nada tem a ver com o usado no sul, que significa 'catarinense'. Barriga-verde aqui é um novato, alguém que ainda está 'cru' numa determinada coisa.” Nota-se (pelo menos, eu desconfio) que a coisa foi registrada por um sulista, talvez catarinense. Nunca ouvi, de goianos legítimos, a expressão barriga-verde para significar o que o autor anônimo conceitua aí.

“Disco - Um tipo de salgado frito”. - Desatento, o autor. Disco é um bolinho de carne achatado. Como se amassássemos uma almôndega. Do modo como definiu o autor, ficou muito vago.

“Voadeira - Voadora (o golpe, agressão)”. - Errou de novo. Se a palavra foi usada nesse sentido, vale como analogia, pois “voadeira”, tal como na Amazônia, é canoa com motor.

“Final de tarde - Sabe aquela mania chata das propagandas de uma marca de cerveja de tentar mudar a quarta-feira para Zeca-Feira e o Happy Hour para Zeca-Hora? Pois é, ao menos o Happy Hour já foi aportuguesado por aqui. Chama-se 'Final de tarde', e na prática é o happy hour: você sai do trabalho e vai tomar uma com os amigos. Acompanha espetinho e feijão tropeiro, é claro!”. - Não posso asseverar que se trata de uma expressão legitimamente goiana, mas já tivemos, e certamente ainda temos, bares chamados “Fim de tarde”. A intenção é prevenir os fregueses de que a casa não se estende aberta madrugada adentro. Ou afora.

Fi - Creio que vem de 'Filho', é usado no fim da frase, como se fosse um 'tchê' gaúcho ou um 'meu' paulista. Ex.: 'Esse é o melhor, fi!', 'Nossinhora, fi! Bão demais da conta!” – Vem, sim, de “filho” e a escrita deve ser Fii, com duplo i, pois a letra ganha, na pronúncia, dois sons, o primeiro mais agudo que o final.

Coca Média - Refrigerante médio é o de garrafinha de 290ml. Ou seja, o menor que costuma ser vendido em restaurantes. Nota do Gump: Na última vez em que estive em Curitiba pedi uma coca média, por costume adquirido em Goiânia, e a mulher ficou me olhando sem entender. :)”- Esse conceito é bobinho. No Rio Grande do Sul, chamam pão francês de pão-dágua, nem por isso os demais brasileiros ficam ridicularizando gaúchos.

Pronto! Creio que com esse pequeno glossário, você já pode ir no Goiás, comer no Pit Dog sem dar rata e, quando é fé, sentar à sombra de uma arvrona na beira do corguim!”. Finalizando, a gota d’água: “você já pode ir NO GOIÁS”. Duplo erro. Goiás, o Estado, não leva artigo. Talvez o pretenso humorista se refira ao glorioso Verdão da Leda Selma.

Meu espaço, aqui, é exíguo. No blog http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com/, amplio o meu comentário, citando expressões de outros estados brasileiros que costumamos ouvir e respeitar.

Não vejo a razão por nos olharem como bichos de zoológico.


* * *


Nota do Autor: Por conta do espaço em jornal, o texto acima seguiu resumido. Meu comentário completo sobre o “glossário de goiano” deveria ser este:


Do modo como os forasteiros analisam nossos glossário e sotaque, parece até que todos os modos de falar lá-fora, seja Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Rio de Janeiro (a cidade), Amazonas ou São Paulo são corretíssimos e nós, goianos, falamos errado. Em Santa Catarina, antes dos cartões telefônicos, a ficha se chamava moeda-de-poste. Também é de catarinenses a expressão jacaré-de-parede para lagartixa.

Em Pernambuco, jamelão é chamado de azeitona.

O que aqui chamamos de ata chama-se fruta-do-conde no Rio de Janeiro e pinha no sul e no nordeste.

O Brasil inteiro acha bonito gaúcho chamar mexerica (tangerina) de bergamota.

Carioca fala galhardete e o nome, para os pequenos cartazes alongados no sentido vertical, é totalmente desconhecido no restante do Brasil.

Quitanda, em Minas e Goiás, é biscoito e seus assemelhados. No Rio, eram as lojinhas de frutas e verduras (desaparecidas com o surgimento da rede Hortifruti).

Escapamento de automóvel (Goiás) chama-se silencioso no Rio e surdina no Rio Grande do Sul.

Lanternagem (Goiás) é funilaria (RJ).

Essas diferenças, para mim, são o que mais me encanta no processo linguístico brasileiro. Não fosse o Brasil, a Língua Portuguesa já teria se tornado mais um dialeto espanhol. E é bom notar que somos cerca de 200 milhões de falantes da banda de cá do Atlântico, enquanto a nação-mãe não chega a 10% da população do Brasil. E temos muito, muito mais vocábulos do que eles, porque acrescentamos, através da História, palavras indígenas (de várias linguagens) e africanas (ainda mais rica), sem contar a influência dos imigrantes.

Enfim, somos mesmo maravilhosos. E se assim me sinto como brasileiro ante as nações lusófonas, sinto-me também muito orgulhoso como goiano ante o Brasil. Apesar de sermos, na média, 4% do Brasil (essa média se faz do PIB, da população e mesmo do território), temos o nosso peso e a nossa força. Infelizmente, paulistanos e cariocas (não falo de paulistas e fluminenses) são fomentadores de um odioso preconceito geográfico, tentando ridicularizar tudo o que não lhes é pertinente.

Por isso, e para que sejam coerentes, defendo um ponto de vista: cariocas e paulistanos não deviam, jamais, sair do Rio e de São Paulo, respectivamente. Assim, não morderiam a própria língua ao criticar, sem um bom senso crítico, os que se lhe diferem.

Obrigado pelo envio, estou pensando seriamente em aumentar esse glossário. As cidades históricas de Goiás têm expressões muito apropriadas, além de um sotaque sui generis que nos remonta a Goiás de muitas décadas passadas.


Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

terça-feira, janeiro 12, 2010

O blog da Maria Luiza de Carvalho

Minha amiga Maria Luiza de Carvalho, poetisa e psicóloga, fã incondicional da escultora francesa Camille Claudel, está de blog novo. E pediu-me para escrever uma apresentação.
Bem, como dizia Anatole Ramos, quem pede um prefácio ou orelha para o livro, pensa enriquecer seu trabalho com o texto do convidado. Mas é este quem ganha uma carona solene na obra. Assim, eis que entro, ainda que convidado, feito um penetra solene no blog da Malu Carvalho.


Ah, para registrar também aqui o que lá escrevi, copiei... Mas o que interessa mesmo, gente, é conhecer o blog da Malu. (L.deA.)



Palavra: ideia, desenho e som


Ainda não percebi, no universo das invenções e das descobertas humanas, nenhum objeto ou ideia mais forte, mais importante ou mais representativa do que a palavra.

Imagino... Os sons que o corpo emite devia incomodar e (ou) intrigar, despertar mesmo, o homem dos primórdios, aquele homo pré-sapiens. O nosso ancestral dos primórdios devia divertir-se ao constatar que, mexendo a musculatura do que se pode chamar aparelho fonador, os sons emitidos pela saída superior podiam modificar-se de modo a ser dominados.

Com o tempo, os sons e tons começaram a significar coisas e, principalmente, os outros “sapiens” compreendiam o que pretendia o emissor.

Sim: descobriu-se, também, que um era o emissor e os demais, receptores, isso que a mídia eletrônica chamou de ouvintes.

Depois de alguns milênios de encantamento com as palavras sonoras, o homem inventou o desenho. Ou seja: primeiro, ele sonorizou as ideias; depois, fez imagens dos sons. E, por fim, transformou os desenhos em sinais (letras) e, ainda mais por fim, os desenhos e garatujas em sons outra vez.

Estava inventada a escrita e, com ela, a leitura.

Já ando a quase meio da sétima década vivida. Se viver outras três, ou melhor, seja lá quando eu morrer, sei que morrerei sob o encantamento dessa invenção ou descoberta do bicho sapiens: a palavra, a oração, o texto, o poema e o romance, nos seus três reinos: o das ideias, o da escrita e o da sonoridade.

E é sob esse alumbramento que apresento ao leitor cibernético a doçura dos textos e dos sentimentos de Maria Luiza de Carvalho, poetisa e psicóloga (e minha amiga!).


Luiz de Aquino, goiano e
escritor
(membro da Academia Goiana de Letras).




sábado, janeiro 09, 2010


De césares e de aviões


Luiz de Aquino

Tem dias que a gente se sente / como quem partiu ou morreu...

Era 1967, o histórico Festival da Record. Chico escreveu e compôs, e o MPB-4 cantou para o enleio de quem pôde ouvir. Eram os primeiros meses do marechal Costa e Silva na cadeira de presidente da República, num período interrompido por uma suposta doença... A truculência de Costa e Silva ensejou (eta! Essa é antiga...) uma revisão dos conceitos sobre o primeiro marechal, Castello Branco. Chegou-se a tê-lo em conta de “um democrata”, no contraponto aos empurrões e trombadas de Costa e Silva. O terceiro, general Médici, fez de Costa e Silva um ingênuo... o regime endureceu pra valer.

Pois bem, os versos do pós adolescente Chico, naquele festival de 1967 (o irmão de Miúcha tinha 23 anos) davam bem a pista. O moço poeta escreveria muitas canções de síndrome romântica e conteúdo político, na linha da resistência ao arbítrio. Ele e mais um punhado de bons compositores, quase todos nascidos na década de 1940. Claro, havia exceções; alguns preferiam o suingue à ginga e bem-conviver com os quartéis; outros faziam a linha bom-mocinho, simpáticos às mamães e vovós, a decantar “uma jóia pendurada num cordão”.

Felizmente havia Chico e Sidney Muller, Vandré e Gonzaguinha e Henfil e Millor e um montão de pensantes conscientes. Aos que cantavam sem ser molestados, restou a alegria do enriquecimento, mas a História sabe bem em que estante arquivá-los.

“Acorda, amor / eu tive um pesadelo agora / sonhei que tinha gente lá fora...” – era Chico outra vez, noutro libelo denunciador. Outros cantavam uma “velha calça desbotada ou coisa assim”. A ditadura seguia seu destino, atingia o ápice, perseguindo e prendendo, arrebentando e matando. Logicamente, a resistência também deixou seu rastro de violência. Afinal, ninguém respondia a tiros recitando um pai-nosso (certa vez, um grupo de estudantes cantou o Hino Nacional enquanto a tropa fardada e montada partia para o ataque; o Hino foi silenciado a porradas e, a partir daí, surgiram as bolas de gude para desequilibrar os cavalos).

Lembro isso enquanto ouço no automóvel a notícia, Zé Ramalho... O presidente Lula, decidiu ignorar o parecer do pessoal da Aeronáutica sobre os aviões de caça a serem comprados para modernizar a frota de defesa aérea, prefere agir politicamente e fazer sorrir o companheiro Sarcozy. O ministro civil da Defesa, Jobim, faz coro. Estranhamente, o mesmo Jobim, uma semana antes, afrontou o Presidente da República que pretendia, de modo inédito, investigar a tortura no tempo do regime militar.

Claro: ele mordeu, agora sopra.

Mas Lula precisa mostrar que tem juízo e acatar o parecer dos oficiais da FAB. Não se faz agrado numa situação dessas. Quem somos nós, leigos, para contestar laudos técnicos?

Mas o ministro Jobim, ao alinhar-se com os comandantes militares, pisou no tomate. Poxa! E com esse nome!... Vemos que há Jobim genial e o chupim... Será que o escrivão errou ao registrar o ministro, hem? O governo precisa mesmo revisar a tortura. E revisar também as pensões a anistiados. Nem todo herói da resistência faz jus ao nome. Nem todo oficial militar com 60 a 100 anos foi torturador. Muitos foram os militares vitimados pela perseguição dos quartéis. E são muitos os civis que deram um jeitinho de se listar como perseguido político para ganhar indenização ou pensão.

A César o que é de César; e a Santos-Dumont o que lhe é de ofício. Quando a Jobim... Prefiro esse nome no cancioneiro nacional (aí, é gênio!).


Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.



sexta-feira, janeiro 01, 2010

Uma crônica e um poema

Uma crônica, um poema

Encerro 2009 e inauguro 2010 com esta crônica, que busco enriquecer com um belíssimo poema de Lílian Maial, poetamiga.
Lílian e eu, 2009.


Visão do tempo

Luiz de Aquino

Antes eram os cartões, e abarrotávamos os correios de envelopes. “Boas Festas, Feliz Natal”, era o dístico dominante, com desenhos de sinos e guirlandas de ramos de pinheiro. Ou as figuras óbvias de um velho que saía e um bebê que entrava, ostentando faixas do ano que se findava e do período vindouro. Havia o hábito das saudações pessoais, como hoje, nos encontros eventuais de ruas, praças e comércio. E havia, também, as queixas: “Abandonou os amigos? Não recebi seu cartão de Natal”.

Nos meados da década de 1970, desisti de enviar cartões. O custo não era tão pequeno para um assalariado. Bancário recebia em dia, mas era mal remunerado (era?). Sobre isso, vale a frase do Edivaldo, comentando minha crônica da semana passada: “Éramos felizes e não sabíamos”. Era assim, sim. (Na crônica anterior, memorei, como agora, tempos de trinta e poucos anos atrás, dos natais bucólicos. Era antes dos xópins e dos computadores.

Em tempo de Internet, ainda há quem use os correios para comunicação tão prosaica, de modo poético. Ao computador, realizamos pelo menos 90% das relações de amizade e até mesmo profissional. Sair de casa, hoje, só por poucas razões, pois a máquina serve para baratear o custo de muitas ações corriqueiras. O telefone, aos poucos, vai desaparecendo. São muitas as mensagens datadas, especialmente nesta semana alongada que engloba Natal e Ano-Novo (ainda tem hífen?). Alguns amigos chegam a repetir até cinco ou seis vezes as saudações de fim de ano. Claro, tudo é muito bem-vindo!

E aí, vejo que predomina o velho hábito de se avaliar o ano findo e listar projetos e sonhos para os doze meses a vir. Muito prática, Rosana, minha amiga fazendeira, resume: “Fim de ano, para mim, é como fim de mês”. Certíssima, ela! O “reveion” há de ser uma grande festa, com fogos e bebida espumante, roupa nova e muita alegria. Gostamos de tudo isso – festa, fatiota (essa é antiga, hem?), cores, músicas, abraços e, se for o caso, um novo amor (ninguém é de ferro; ou: não nascemos para a solidão).

Preocupa-me a saúde da Haydée – minha sogra luta pela vida, a menos de um mês de seus setenta e oito aninhos. Festejo o verde dos campos e dos jardins, namoro as cores das flores. Curto a boca do poço a lembrar ilustrações de contos de fadas. Não escrevi novos poemas em dezembro, não parei para o cinema, apenas curti canções já ouvidas e revivo, na memória, amores idos, porque a vida se faz de sonhos, mas sem desmerecer as lembranças. O presente é presente de Natal, de aniversário... Ou por alguma coisa realizada que justifique o merecimento.

Festejo novas amizades, e alegro-me também ante as que se acabaram porque não valeram. Faço orações pelos vivos e envio energias aos que se foram. Mando sorrisos ao catador de papel que enfeita de cores seu carro de coleta; à distância, para não haver confronto, xingo o (a) motorista que abusa no trânsito, sonho acordado com a volta à paz nas ruas e com a inalcançável, ainda, justiça social em que ninguém precisará roubar para comer e, assim, não pôr sob ameaça a dignidade do próximo.

Prometo-me não mais ver telejornais: não gosto da têmpera que norteou a guerra judicial pelo menino Sean (dizem Xã e até mesmo Xon), e muito menos da omissão nacional ante o conflito brasileiro-surinamês da noite do Natal, com muitas tentativas e um assassinato, muitos estupros e facadas. Notem que, nos dois casos, envolvendo ambientes sociais tão díspares, a causa é a mesma: migração internacional, invasão de espaços, choques culturais... Tudo por conta de se obter dinheiro pelo que parece ser a via mais fácil, segundo cada um.

Acho que é esse o meu único plano: evitar más notícias. Aliás, evitar saber delas, já que continuarão acontecendo amanhã como ontem, aqui como acolá. Que Maria Luiza continue poetizando em texto e atos, que Wanda continue sorrindo, que os meus continuem felizes, como felizes quero que estejam todos, principalmente os meus desafetos: se estes estiverem alegres, não terão motivos para desejar-me o mal. Amém!

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

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Nasce 2010
Lílian Maial *


O dia esboça as primeiras contrações.
Em trabalho de parto
rompe a manhã
desce a água
chove.

Pelo estreito espaço
canal do tempo
avança o fruto do encontro
do ontem com o amanhã.

A saudade aperta.
Dói.
O peito agüenta
num hercúleo esforço
para recebê-lo bem.

Mais perto
os olhos se voltam em alegria
e, então, sob grande expectativa,
nasce o novo ano
a plenos pulmões
gritando ao mundo seu destino
sorrindo para os homens
de boa vontade.
* * *

* Lílian Maial é médica e poetisa carioca: www.lilianmaial.com

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