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quarta-feira, dezembro 31, 2008

Mudando a escrita





                 
Mudando a escrita


Luiz de Aquino

Amigos leitores, não estou gostando nada de ter que me readaptar à nova escrita da nossa língua. Não me alenta nem mesmo o argumento de que apenas 0,5% (é isso mesmo, meio por cento) das nossas palavras serão graficamente modificadas, enquanto que, para os portugueses, o choque será de 1,6%, ou algo próximo. Basta lembrar que o vocabulário brasileiro é muito, muito maior que o dos irmãos lusos. O Português do Brasil contém os vocábulos indígenas, os africanos e ainda os neologismos naturalmente criados na junção das culturas, sem nos esquecermos dos inúmeros povos (e línguas) de imigrantes vários.

A minha revolta maior fica por conta do trema. Adoro saber que nos conjuntos qui, que, gui e gue a gente sabe que o u se pronuncia quando há trema. Antigamente, inseria-se um h entre duas vogais para indicar ditongo (ahi, em lugar de aí; sahude, em vez de saúde etc.). Em 1943, um acordo entre o Brasil e Portugal definiu regras para a língua e a escrita, acordo esse que foi violado ininterruptamente, até mesmo (no que se refere ao Brasil) pelo poder público, que aceita inserções espúrias como o y, o w e o k, e ainda jogamos a culpa nos cartorários, que erravam por não saber ou por pretender descumprir as regras. Mas os juízes foram coniventes, convenhamos.  Vai daí, temos Karlas e Weslleys em profusão por todos estes brasis de muitos sotaques e (quase) dialetos.

Descumprir as regras da língua é um passo decisivo na formação do não-cidadão. Seja qual for a profissão do sujeito (e muito especialmente se a profissão for de nível superior), ele tem que saber a língua. Tem que saber falar e escrever. Claro, não precisa ser literato, mas não pode dar vexame. A nós, jornalistas e professores, então, não é permitido cometer erros mínimos, alguns até piegas. Professor que escreve “trousse” e teima em afirmar que o plural de lápis é “lápises” devia ser preso e só recuperaria a liberdade após dar provas incontestáveis de que acumulou conhecimentos para fazer jus ao título que ostentou indevidamente.

Jornalistas não precisam ser poetas, nem contistas, mas têm que saber construir textos claros, inteligíveis, com acertos nas concordâncias e regências. Coisas como a ortografia pode ser conferida como o sofisticado auxílio dos dicionários eletrônicos (afinal, todos escrevemos com computador) e a regra dos hífens... Ah!, essa regra! Ela vem toda modificada e já estou pensando seriamente num curso de atualização, com urgência!

Mas a língua não é o único fantasma para os profissionais do terceiro grau, não... Muitos profissionais desconhecem a essência fundamental de suas formações universitárias, como a bióloga da Agencia Municipal do Meio Ambiente que defende a derrubada de trinta e tantas árvores sob a alegação de que algumas estavam doentes (ainda bem que ela não atua na Vigilância Sanitária de Aparecida de Goiânia). A grande imprensa noticiou, recentemente, que em São Paulo, a maior cidade da América Latina, algumas faculdades formavam médicos que não davam conta de fazer diagnósticos simples. Policiais militares têm assassinado suspeitos e inocentes por total despreparo para a função (ou por medo).

Nada disso é privilégio desta ou daquele região brasileira: é o trivial, infelizmente. E atribuo boa parte desse desmazelo ao total descaso para com a Educação, o que permitiu reformas no ensino no começo da década de 1940, de novo em 1961, outra vez em 1971, em 1996 mais uma vez e, fala-se, é preciso reformar novamente.

Citei que houve um acordo ortográfico em 1943. Depois, em 1971, aconteceu a reforma que acabou com os acentos diferenciais, permitindo surgir pronúncias como “éstra”(em lugar de extra, com o som de ê) e “poça” (substituindo poça, que tem som aberto). Agora, vem mais essa preciosidade, sob o argumento de que é preciso padronizar a língua portuguesa em todo o mundo.

Tudo bem. Vai ser difícil comer “linguissa” em vez de lingüiça. Mas ninguém vai convencer um brasileiro a injetar medicamento nas nádegas de um menino com o linguajar de Portugal (lá, diriam que se vai aplicar “uma pica no cu do puto”).

 

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

sábado, dezembro 27, 2008

E chove outra vez!

E chove outra vez!

Luiz de Aquino

 Consta que foi na década de 1950 que um economista, assessor ou conselheiro do presidente Dwight Eisenhower, dos Estados Unidos, bolou a economia do desperdício. A tática é produzir algo que se desgaste em pouco tempo, não possibilite conserto, e sim, a sua imediata substituição. Com isso, ocupa-se a linha de produção, que depende do extrativismo, da transformação primária, da nova manufatura, da distribuição e do comércio, com tudo o que se faz de ligação entre essas etapas da tal linha de produção.

Estava instituído o consumismo. Afinal, era um após-guerra e uma tal de conquista espacial estava a caminho, com uma tal de guerra-fria já instalada. Reconstruía-se a Alemanha, refazia-se Londres e reinventava-se o Japão. Havia o roquenrou, novas danças entravam na moda com a velocidade dos novos modelos de roupas e calçados, a indústria de “bens de consumo duráveis” era algo que crescia a olhos vistos e até mesmo o Brasil, que mesmo naquele tempo já era ridicularizado pelos próprios brasileiros, que o chamavam de “gigante

 adormecido”, trazia novidades: construía-se a nova Capital, no

 coração do país, e nascia a bossa-nova.

Há quem diga que, há pouco mais de cinqüenta anos, o meio-ambiente não exigia tanta preocupação. Ledo engano: para mim, menino estudante naquela época, é bastante viva a memória das pregações dos professores em salas de aula. Falavam sobre os cuidados a se ter com os cursos d’água e com os lençóis subterrâneos; falava-se da necessidade de se preservar a vegetação e de se evitar a extinção dos animais. Mas, estranhamente, hoje, mesmo algumas pessoas na oitava e nona décadas de vida ainda teimam em dizer que “há trinta anos, ninguém se preocupava com ecologia”.

Ah, sim! Entendi... naquele tempo, não se usava a palavra ecologia (ao que sei, foi o jornalista Millôr Fernandes quem a introduziu no nosso quotidiano; era o tempo da ditadura e do jornal O Pasquim). Preservação ambiental é coisa de saúde pública, de sobrevivência da espécie humana e do planeta. E é preocupação não apenas de ambientalistas, mas de qualquer cidadão, profissional de qualquer área, que mereça ser chamado de profissional. Quem se opõe a isso deve ser chamado de bandido, antes mesmo que a Justiça o condene por qualquer coisa.

Um bom economista é, por natureza, ambientalista. Se Eisenhower não fosse um general, veterano da sangrenta II Guerra Mundial, talvez tivesse em sua equipe um economista voltado não apenas para o lucro imediato ou para uma vitória na tal da guerra-fria, aquela em que os EUA disputavam o domínio do mundo com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a temida URSS. Mas aquele era um imediatista, um caçador de resultados financeiros a qualquer custo. E o tal de ideal americano é um canto de sereia que seduz pessoas nos quatro cantos do mundo, haja vista a resistência que os tais “irmãos do norte” têm para com os esforços de melhoria da qualidade de vida sobre a Terra. Para atingir e preservar seus sonhos, violentam todo o planeta, e que se danem os nativos bobinhos dos outros cantos da Terra, principalmente se forem do que eles mesmos chamam de “terceiro mundo”

Então, fica assim: eles consomem, eles gastam, nós produzimos a um custo impagável, pois destruímos as fontes dos nossos recursos naturais, sujeitos a salários irrisórios, sem cobertura das mínimas garantias de vida digna, expondo-nos a contaminações irreversíveis. E eles, que manobram a economia, conseguem, milagrosamente, deter uma moeda forte sem lastro no seu tesouro nacional, com emissões monetárias de tal nível que, em qualquer país, equivaleria a uma inflação insustentável.

E aí, geram uma crise econômica sem precedentes e sacodem o mundo. E não precisava, pois os recursos não renováveis já estão comprometidos, enquanto a produção agrícola também está ameaçada porque as mudanças ambientais (a ênfase maior é por conta do aquecimento global) já comprometem o ciclo natural da água e, com ele, o complexo climático sofre transformações drásticas.

E aí...

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

quarta-feira, dezembro 24, 2008

Feliz Natal, Clarismino!

Luiz de Aquino


Na segunda-feira, 22/12, Lucas e eu acompanhamos os um grupo de moradores e ambientalistas ao trecho da Avenida 85 onde foram ceifadas, a golpes decididos de moto-serra, cerca de 30 ipês que, há cerca de 20 anos, ornavam o lugar. Ali, fincamos umas vinte e cinco cruzes brancas, em ato devidamente testemunhado pelos jornais diários.

Na edição do DM do dia seguinte, li que Clarismino Júnior, presidente da Agencia Municipal do Meio-Ambiente, continua alegando “motivos técnicos” para remover as árvores que, segundo ele, foram replantadas nas proximidades do aterro sanitário. Como escrevi neste mesmo espaço, na quarta-feira passada, a dúvida é permitida. Até porque vimos, e fotografamos, o que restou da tal “remoção”: os tocos das árvores com o corte certeiro das serras mecânicas.

Não conheço pessoalmente o presidente da AMMA, mas sou um dos admiradores de seu trabalho. Dezenas de parques e centenas de praças foram obras da administração de Iris Rezende Machado pela equipe chefiada por Clarismino, e disso sabemos todos nós. Aliás, sabemos e nos orgulhamos desse feito. Mas esse feito, sr. presidente, não lhe dá o direito de cometer um erro tão ingênuo quanto o de remover os ipês da Avenida 85.

Vejamos: serão necessários uns quinze a vinte anos para que as palmeiras imperiais atinjam a majestade de que temos certeza, chegando à meta que é a padronização do arvoredo na avenida. Entendo também que o procedimento precisa ser estendido ao segmento antes denominado Rua S-1 e que hoje, no conceito popular, é a extensão da Avenida 85 no trecho T-63/Serrinha. Mas o presidente da AMMA deve ter pensado duas vezes antes de fazer o que fez com os ipês (ou o que fez o coronel Sanches na Alameda Couto de Magalhães, há quase quatro anos, sob o pretexto de alargar uma das vias da alameda, ou seja, remover solenes paineiras barrigudas).

A AMMA bem podia ter plantado as mudas de palmeiras sem remover os ipês; como os removeu, permitiu às pessoas comuns (eu entre elas) a interpretação de que o propósito é, apenas, permitir a visualização do monumental monumento que, aos nossos olhos, parece ter sofrido um breve erro de cálculo, pois o encontro das duas torres em forma de obelisco teve de ser forçado.

 Ah, quero fazer um comentário quanto à cor da luz nos mesmos. Li no DM que o Goiás Esporte Clube “vetou” a cor vermelha, originalmente concebida,  e ante isso a Prefeitura definiu-se pelo azul. Não sabia que um clube de futebol tinha poder de veto no poder público. Prefiro acreditar que o bom senso falou alto e que a diretoria do verdão mostrou a inconveniência de uma imensa marca vermelha em suas cercanias. Nenhum vila-novense ficaria feliz com um monumento verde à sua porta, é claro. Bem-vindo,pois, esse azul!

Na semana passada, e buscando justificar o gesto (para mim e grande parcela da população, um gesto indevido) da remoção das árvores, Clarismino Júnior evocou o registro do plantio de um milhão de mudas de árvores. De novo, mando-lhe um abraço de saudação e de agradecimento. Goiânia merece!

Mas, Clarismino, faça um pouco mais. Será muito bonito de sua parte, será um marco fortíssimo na qualidade da atual administração (e justamente nos dias em que se renova o mandato de Iris) e razão para o nosso aplauso e o nosso agradecimento: mande replantar os trinta ipês. Ou mais: mande plantar ipês de muitas cores ao longo de toda a Avenida 85, do Ratinho à Serrinha, espalhando flores entre as palmeiras. Imagine só que beleza de paisagem você vai proporcionar ao goianiense. E imagine também os abraços e sorrisos que você, como gestor em uma administração assim feliz, vai receber dos conterrâneos. Imagine mais, sr. Presidente: imagine as orações de graças que serão formuladas em seu favor!

Viver é crescer e aprender; crescimento e aprendizado implicam mudanças. E mudar de idéia, tal como mudar de atitude, é demonstração de raciocínio. Agora,  sr. presidente da AMMA, trazer de volta os ipês será, ainda mais, uma atitude de humildade. Humildade não servil, é bom que se diga, em favor de toda a Grande Goiânia. Isso quer dizer mais de dois milhões a aplaudir sua atitude – o que não me surpreenderia, porque sou testemunha, como todo goiano destas plagas, de sua competência na administração do meio-ambiente.

Feliz Natal, Clarismino!


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

sábado, dezembro 20, 2008

Luiz de Aquino, José J. Veiga e o Sesc

Giuglio Cysneiros, Antônio Olinto (da ABL), Luiz de Aquino 
e, ao fundo, Lucas Leão Alves


Luiz de Aquino, José J. Veiga e o Sesc




Ubirajara Galli


Um dos melhores poemas de Luiz de Aquino – meu afilhado de casamento e companheiro de geração literária – não está em nenhum dos seus bons livros ou simplesmente entre seus guardados à espera de publicação. Encontra-se, sim, na sua atitude. Quando da morte do Veiga ocorrida, na cidade do Rio de Janeiro, em setembro de 1999, Aquino convenceu seus familiares a doarem ao Estado de Goiás o acervo memorial do escritor, revestido de livros, e sua máquina de datilografia, com a qual ele materializou belíssimas obras e outros objetos que faziam parte da latitude e longitude da sua produção intelectual.

Filho da cidade de Corumbá, nascida das costelas de Meia Ponte (Pirenópolis, onde Aquino é membro fundador da Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música e tem assentada parte da sua genealogia), Veiga é sem dúvida, da sua geração de ficcionistas goianos, o nome mais importante das nossas letras. Só não entrou na Academia Brasileira de Letras porque nunca manifestou interesse em assentar lugar na Casa de Machado de Assis e nem alcançou um reconhecimento literário internacional igual ou maior ao do nosso irmão latino Gabriel García Márquez porque era totalmente despreocupado em vender seu próprio peixe.

Com o apoio do governo de Goiás, Aquino trouxe para Goiânia o acervo do Veiga, que ficou provisoriamente depositado na Casa de Cultura Altamiro de Moura Pacheco, sob a guarda da Academia Goiana de Letras. Depois de muito esforço, Aquino conseguiu finalizar de forma brilhante o seu poema “José J. Veiga”. Encontrou nas pessoas do presidente da Federação do Comércio do Estado de Goiás, José Evaristo do Santos, e do diretor regional do Sesc, Giuglio Settimi Cysneiros, a sensibilidade para carimbar o passaporte da dignidade memorial de José J. Veiga.


No mesmo local, onde em 1984, no Sesc da Rua 19, Centro, lancei meu terceiro livro, Poemas Balzaquianos, encontra-se aberto, de forma caprichada, à visitação pública o Memorial José J. Veiga, solenemente inaugurado no ano passado. 

Hoje, às 20h, estarei novamente no Sesc, desta feita, no Setor Faiçalville, testemunhando mais um ato cultural da Federação do Comércio do Estado de Goiás, quando serão revelados os vencedores do concurso de monografias sobre a história do comércio varejista no Estado de Goiás, patrocinado pela entidade, cuja comissão julgadora integrei, representando a Academia Goiana de Letras.


Ubirajara Galli é escritor, membro do Conselho de Cultura do Município de Goiânia, do Conselho Editorial da Universidade Católica de Goiás, da UBE-GO, da Academia Goiana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás

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Esse artigo foi publicado na edição de sexta-feira, 19/12/08 no Diário da Manhã (Goiânia). Apesar dos sentimentos que nos ligam, confesso que me emocionei. L.deA.


sexta-feira, dezembro 19, 2008

De arbítrio e de liberdade

De arbítrio e de liberdade

Luiz de Aquino

Gostei muito de ler o artigo de Fernando Cunha “Civis, piores que militares”, na edição do dia 18 do DM. Aquele período medieval da história recente do Brasil não pode nem deve ser creditado às Forças Armadas em seu todo. Primeiro, porque o militarismo é calcado na disciplina como quesito basilar; segundo, porque, sabe-se muito bem, todo golpe é fruto de conspirações, algo praticado por membros insatisfeitos (e, por isso, indisciplinados) da cúpula. Quantos generais não foram punidos, cassados, perseguidos e alijados de qualquer chance de manifestação após a tal “revolução”?

Dito isso, há que se lembrar que os comandantes, isto é, os coronéis, também se dividiram. Uns contestaram a nova ordem, e foram encostados, afastados, reformados, perseguidos e presos; outros, alinharam-se aos conspiradores e fizeram continência, reordenando a hierarquia e facilitando a ação dos generais conspiradores.

Se até coronéis escolheram puxar sacos, imagine-se o que se deu nas hostes civis. Em seu brilhante artigo, Fernando Cunha nos dá conta da exacerbação da máxima “mais realista que o rei”. Sim: boa parte dos civis passou a agir de modo mais militar que qualquer fruto integral das casernas. Interessante é que muita gente dentre aqueles civis de cascos duros ainda reina por aí.

Recentemente, e no meio literário, alguns deles afloraram. Pessoas que se alistam como servidores públicos, ou seja, empregados do Estado, mas que não atentam para o conceito mais simples. Servidor público, ou seja, aquele que deve servir o povo. Preferiram ser servidores da ditadura e não tiveram pejo em segurar com firmeza o cabo do chicote. Desses a quem me refiro, e resguardo nomes porque não quero me expor a processos desgastantes, é sabido que seguravam o diploma denominado Decreto 477, o que restringia um dos mais nobres e belos direitos do cidadão: o direito à educação e ao ensino. Curiosamente, estou falando de dois membros acessórios da ditadura, um educador e um profissional do direito. Contraditório, não?

Meu abraço, pois, de leitor e admirador constante, há mais de quatro décadas, ao dinâmico e coerente Fernando Cunha.

Digressões à parte, olho as ruas e o calendário, olho para dentro de mim e para o entorno dos meus sentimentos. Fico triste com a derrubada dos ipês na Avenida 85, mas regozijo-me ao ler a notícia o advogado Marcelo Castro Dias (especialista em Planejamento Urbano e Ambiental) denunciou a derrubada ao Ministério Público. Esperemos, pois, que vingue o bom-senso e os ipês reapareçam entre as mudas das palmeiras.

Um outro fato, porém, me entristece: Delermando Vieira, um dos poucos poetas que tenho como ídolo, desistiu de disputar a Cadeira 35 da Academia Goiana de Letras, vaga com o passamento de José Juiz Bittencourt. Delermando, poeta de sensibilidade e emoção raríssimas, não se enquadra em atitudes que exigem rigidez de guerreiro e maleabilidade política. Pressionado por dois ou três cujos interesses escapam à minha imaginação (sem, contudo, escapar da minha índole maliciosa e, quase sempre, certeira), decidiu dar tempo ao tempo.

Se isso seria um conforto ao outro concorrente, o ilustre advogado Licínio Leal Barbosa, o aparecimento de Iúri Rincon Godinho deve incomodar.  Jornalista, poeta e pesquisador com cinco livros publicados: “Uma Luz no Fim do Mundo”, poemas (1989); “Médicos e Medicina em Goiás”, história dos 250 anos de medicina no Estado (2004), “História da Propaganda em Goiás” (2006), “Colunistas Sociais Goianos – volume 1” (2007) e “História da TV em Goiás” (2008).

Aos 44 anos, goianiense, ex-presidente da União Brasileira de Escriores-seção Goiás, escritor e editor há 22 anos, Iúri é diretor da Contato Comunicação. Já editou mais de 200 obras e integra, com sua empresa, a Superpedidos, a maior distribuidora de livros do Brasil, que distribui com sucesso obras goianas por todo o território nacional, além de manter convênio com cem grandes bibliotecas do mundo. Seu trabalho como editor de livros e revistas já o levou a publicar autores como José Mendonça Teles, Ubirajara Galli, José Asmar, Hélio Rocha, Chico Buarque, Joelmir Betting, Max Gehringer, dentre tantos outros.  

Por juntar as atividades de editor e escritor, Iúri atende ao que exigem os estatutos e ao anseio de muitos acadêmicos, eu entre esses: o de preferir escritores na Academia de Letras. Ele próprio questiona: "A Academia Goiana de Letras nunca teve um acadêmico que tivesse por profissão a publicação de livros?".

Meu voto é dele.

 

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academmia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Adeus, ipês da Avenida 85!


Adeus, ipês da Avenida 85!

Luiz de Aquino

A ciência confirma: a alegria é contagiosa, mas a tristeza, não. E as coisas que nos dão alegria são tantas quanto as que nos causam tristeza, não é mesmo? Gosto muito de festas. Quem não gosta? Festa é alegria, é regozijo, é oportunidade de espalhar, por contágio, a alegria, e a alegria social é indício de esperança. Festejamos uma boa notícia, ainda que ela só interesse a um grupo pequenino, como a família ou a minúscula lista de amigos. E festejamos as realizações comunitárias.

Não fosse a chuva, a festa de inauguração da complexa obra no cruzamento da Avenida T-63 com a Avenida 85, no encontro dos setores Bueno e Bela Vista, teria sido muito mais bonita. Da minha sacada, a pequena distância, limitei-me a ver as nesgas de luz de dois holofotes e os clarões dos fogos, já que o bairro ganhou, nestes quatorze anos em que nos tornamos íntimos, uma infinidade de altos edifícios, fazendo monótona a paisagem das nossas janelas.

Na manhã seguinte, a de sábado, perambulei de carro pelas vias próximas. As passagens pelo viaduto e pela trincheira continuavam impedidas, era preciso ainda finalizar detalhes, o que se explicava até mesmo pelas chuvas fortes. Afinal, milhares de toneladas de nuvens pairam sobre nossas cabeças e a natureza as transforme em precipitações às vezes violentas.

Havia, e há, um grande alívio nos corações dos moradores e usuários das vias adjacentes. Foram muitos meses de trânsito desviado e congestionamento no tráfego de veículos e pessoas, o comércio ressentiu-se gravemente e todos ansiávamos pela volta à normalidade. A administração municipal prometeu, repetidamente, com uma frase piegas, espalhada em cartazes mal colocados e de gosto discutível: “Os transtornos passam, os benefícios ficam”.

Mas o meu passeio após a inauguração trouxe-me, mais que a alegria pela constatação dos benefícios prometidos, a perplexidade ante o desaparecimento de mais de trinta árvores. Os ipês rosas (eram todas elas da mesma espécie) desapareceram porque as autoridades ambientais decidiram trocá-las por palmeiras imperiais.

A imprensa reclamou. E as autoridades chegaram com a resposta, que nos soa como ensaiada: os ipês estavam doentes. Um assessor do Paço Municipal assegura que o presidente da AMMA, a Agência Municipal do Meio Ambiente, mandou fotografar as marcas das doenças. Mas, perguntam os jornalistas, estavam todas doentes? Não, apenas nove delas. Ou seja, perto de trinta por cento. E acrescenta que, “além do mais”, era preciso dar continuidade, pois, desde a Praça do Ratinho, a Avenida 85 é ornamentada com as palmeiras, mas após o cruzamento com as avenidas Ricardo Paranhos e Mutirão apareciam os ipês.

Continuo não entendo (e não aceitando). As palmeiras imperiais podiam ter sido plantadas entre os ipês, sem que fosse necessário eliminá-los da paisagem. As minúsculas mudas plantadas levarão anos até começarem a marcar a paisagem. Mas as flores de todos os anos nunca mais alegrarão nossas vistas. Daqui a trinta anos, as palmeiras terão suas presenças definitivamente firmadas no cenário, mas isso não exigiria, de modo algum, a remoção dos ipês.

Sabe-se que as prefeituras brasileiras, no geral, resistem muito aos pedidos de remoção de árvores. O zelo da autoridade da AMMA para com as árvores é estranho e condicionado. As mongubas que, a cada período chuvoso, caem sobre casas e automóveis e deixam pessoas sob risco de vida

continuam existindo sem que a autoridade ambiental se manifeste. A Prefeitura exige, em todo processo de instalação industrial, por exemplo, um relatório de impacto, o que custa um bom dinheiro aos empreendedores. E derruba mais de trinta árvores sob a alegação de que nove delas estavam doentes.

Estavam mesmo? O “modus operandi” permite-nos a dúvida. E as árvores que o mesmo poder público manda (ou permite) abater, cujos tocos de caule e as inevitáveis raízes continuam como obstáculos aos pedestres? E as calçadas das cercanias da nova obra, isto é, no Bela Vista e no Bueno, que registram inclinações exageradas, em flagrante desrespeito aos códigos do município? O mais grave é que o próprio poder público fez isso, quando duplicou a Avenida T-63 usando terra removida das vias públicas próximas. Nesses bairros, é praticamente impossível ao pedestre transitar pelas calçadas.

Quero dizer ainda que, ao longo dos meses da obra, Dermu/Compav e SMT cometeram inúmeras ações inconvenientes, em total desrespeito ao cidadão, e tudo isso a imprensa noticiou, mas as autoridades continuaram infensas aos reclames. Para finalizar, a Agência Municipal do Meio Ambiente remove, sem qualquer satisfação à sociedade, os ipês que alegravam nosso cálido inverno.

Felizmente (não há mal que não nos mostre algum bem), resta-me algo a festejar: o titular da AMMA não é o chefe de órgãos que cuidam da defesa sanitária. Já imaginaram? Se por nove árvores, que ele disse estarem doentes, condenou todo o conjunto, certamente mandaria exterminar a população porque uma parcela expressiva das pessoas contraiu dengue.


Luiz de Aquino é jornalista e escritor. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com


sábado, dezembro 13, 2008

Truculência, overdose e alienação

Truculência, overdose e alienação

Luiz de Aquino 

 

Morreu no Rio de Janeiro o ex-marido da atriz Suzana Vieira, possivelmente vítima de overdose de cocaína. Morreu em Brasília o torcedor são-paulino Nilton César de Jesus, que levou uma coronhada do  sargento da PM  José Luiz Carvalho Barreto. Morreu também a fada Sininho,  que povoou a infância de tantas gerações até uns poucos meses atrás.

A história do ex-policial militar carioca Marcelo Silva, de 38 anos, que foi casado com Suzana Vieira, 66, é cheia de glamour. E, estranhamente, “glamour” é uma palavra que se reveste, muitas das vezes, na lama que se forma na mistura de álcool e pó (no caso, cocaína). Não fosse sua história de vida com a famosa artista, o caso com a estudante goiana de 24 anos e sua morte não alcançariam o noticiário. Mas, a gente sabe, notícia se faz de vários ingredientes.

A cena em que o sargento policial perseguiu Nilton César e desferiu-lhe uma coronhada, seguida de um disparo, deixa claro uma breve (mas, nem por isso, desprezível) série de erros. Primeiro, o torcedor apenas estava na cena do tumulto, ou seja, deu para se notar que ele não oferecia qualquer problema aos policiais incumbidos de manter (?) a ordem. Segundo erro: o sargento usou a pistola como instrumento de ataque, quando o certo seria (seria; não era propriamente o caso) um cassetete. Terceiro, a arma estava engatilhada, ou não teria disparado.

O que se sabe, desde a manhã de quinta-feira, é que a pancada (coronhada) foi determinante para a morte do moço de 26 anos, isto é, não foi o tiro que lhe foi fatal. E o agressor é um policial graduado, e não um soldado recém recrutado ou aluno de academia. Entende-se que, por ser sargento, ele tem condições de comandar um pelotão ou uma guarnição, uma patrulha, uma viatura... Mas quem confia num comandante desses?

Em 22 de fevereiro de 1999, em Caldas Novas, o advogado Reginaldo da Cunha Ríspoli foi assassinado com onze tiros, numa tocaia em que agiram dois pistoleiros. Um deles era sargento da Policia Militar do Distrito Federal. No decorrer das investigações, soube-se que o tal sargento, que continuou “trabalhando” regularmente, tinha outras referências como pistoleiro de encomenda. “En passant”, devo dizer que a Polícia Civil de Goiás finalizou, e de modo muito bem feito, o inquérito, mas o processo continua sem solução porque envolve pessoas de poder (não nas instituições policiais de Goiás, mas... Bem, não é este o tema de hoje).

A partir de agora, e estimulado pela ocorrência de quase dez anos passados, passo a ter medo dos sargentos da PM do Distrito Federal. Parece-me que a farda e as divisas dão a esses policiais uma sensação de poder acima de todas as leis e do bom senso.

E assim, com essa polícia, Brasília quer sediar a Copa do Mundo de futebol em 2014.  Dir-me-ão os incautos que isso acontece em todas as policias do Brasil, e elas são cinqüenta e quatro corporações estaduais em todo o pais. Mas comenta-se que a tal de “banda podre” nas polícias não chega a 5% de seus contingentes. O triste é que os policiais despreparados, tal como os de má índole tornam-se referenciais. Isso é muito ruim. Marcelo Silva, o glamoroso ex-marido de Suzana Vieira, foi expulso da PM, mas Ele não é um caso isolado. Pelo que contou a atual namorada dele, dois soldados da própria PM que o expulsou foram os fornecedores do pó que lhe teria causado a morte.

O cabo e o soldado que mataram Pedro Henrique, aqui em Goiânia, há menos de três  meses, estão em liberdade. O órgão de trânsito municipal de Goiânia tem um coronel como diretor, e ele preferiu montar um batalhão de soldados da PM, pagos pelo Estado de Goiás, para agirem nas funções que deveriam ser dos agentes municipais. Os que mataram Pedro Henrique estão nesse batalhão que, suponho eu, existe à margem das leis e regulamentos da PM de Goiás.

Enquanto tudo isso acontece, a mídia anuncia um filme da Disney que tem no título o nome Tinker Bell. Consultei o Lucas, meu filho de 13 anos, que me esclareceu: “Lembra da Sininho? Pois é! Tinker Bell é o nome americano dela”.

Recorro a 1970, mais precisamente do jornal O Pasquim, guardião da liberdade, e grito “Putz!”, para não gritar “putamerda!”.



A raça da tragédia

Por Raul Longo

A RAÇA DA TRAGÉDIA

                                               Raul Longo

(Poucos dias depois de contar de como me deparei com o Olho da Tragédia, descubro que no Brasil ela também tem raça)

 

Apesar de todos os envolvimentos espúrios dos tucanos e seus apoiadores em negociatas como as do caso Alston... Apesar da decadência dos serviços públicos dos governos de São Paulo, como na educação... Apesar da espoliação à população daquele estado, como nas exorbitantes tarifas de pedágio... Apesar do desmascaramento de manobras como a do Gilmar Mendes a mobilizar tempo e recursos públicos de organismos policiais para investigação de grampeamentos inventados... Apesar do desenvolvimento do crime organizado nas gestões tucanas de São Paulo... Apesar dos escândalos de corrupção e da truculência policial contra os movimentos sociais do Rio Grande do Sul... Apesar do desrespeito à liberdade de imprensa em Minas Gerais... Apesar de cassado por impropriedade administrativa o governo da Paraíba... Apesar da guerra campal da polícia paulista... Apesar de tantos e tão amiúdes pesares, corremos sérios riscos de, em 2010, regredirmos à mesma vergonhosa e alarmante situação em que o país se encontrava até 2002.

 

Espantaremos o mundo, incompreensivelmente retrocedendo após tantas evoluções nunca experimentadas em nossa história sócio/econômica e política. Mas mesmo sendo resgatados de uma das maiores dívidas internacionais... Mesmo contendo efetivamente uma histórica inflação crônica... Mesmo sendo alçados da situação de um dos maiores riscos de mercado do mundo, para uma posição de economia promissora e liderança política no hemisfério... Mesmo tendo promovido exemplares programas de inclusões sociais... Mesmo desenvolvendo obras de infra-estrutura por todo o país... Mesmo nos destacando como uma das economias menos afetadas pela crise mundial... Mesmo com todo o reconhecimento internacional ao atual governo e com aprovação popular jamais igualada por qualquer outra liderança política da história do país; nos expomos seriamente a possibilidade de, em 2010, devolvermos o país àquelas elites que ao longo de 5 séculos representaram exatamente o contrário disso tudo.

 

E que não se venha, depois, culpar a mídia. Não se venha dizer que o brasileiro foi condicionado pela mídia. Resultados das últimas pesquisas de antemão comprovam que a desculpa é esfarrapada, e se destaca no desespero de uma Cristina Lobo indignada e gritando pela Globo News seu espanto perante o fato de a crise não ter colado no Lula apesar dos ingentes esforços de seus colegas e dela própria.

 

Passaremos pela vergonha de não eleger o sucessor do Lula com Lula tendo o maior recorde de aprovação de governo da história, como passamos pela vergonha de não eleger Marta Suplicy com o Kassab detendo o recorde de desaprovação em administração municipal em São Paulo, no início do ano em que se reelegeu.

 

Erros crassos na campanha de Marta houve, mas o que de fato explica o fenômeno da inversão de tendência de voto é que nada ainda se inverteu na sociedade brasileira. Somos a mesma sociedade racista, preconceituosa, estúpida, e antidemocrática que elegia arquétipos da corrupção, da truculência, da falta de civilidade e espírito público como Fernando Collor, ACM, Bornhausen ou Maluf.

 

Não mudamos em nada, porque nada foi feito para nos mudar. A comprovação disto está em que apesar do Presidente Lula ter afirmado com toda clareza que não faz o que quer, mas sim o que a sociedade manifeste como desejo de que faça; não fomos capazes de mobilizar a sociedade brasileira para manifestação alguma.

 

Tudo o que o governo Lula tem obtido de avanço e benefícios sociais para o brasileiro, resulta de esforços do próprio governo. Esforços muitas vezes confrontados não apenas pela mídia, mas pelos demais poderes; o legislativo, o judiciário e o das forças armadas, como no caso do General Heleno e a reserva Raposa do Sol.

 

Os índios de Roraima se organizaram e estiveram presentes na luta por seus interesses, mas quando fomos capazes de mobilizar manifestações contra legisladores que votam em apoio às matérias contrárias aos interesses populares? Quando nos mobilizamos contra os julgamentos em favor de interesses exclusivos de minorias da elite?

 

É-nos impossível mobilizar a sociedade brasileira porque somos incapazes, ou não sabemos, ou não queremos, ou não temos consciência da oportunidade única de mudança do processo histórico sócio/político, ocorrido com a eleição de um emigrante operário à presidência da república.

 

A eleição de um operário emigrante à presidência de um país que concentra uma das mais racistas, preconceituosas e retrógradas sociedades do mundo, sem dúvida é fato extremamente progressista. Mas afora a eleição de Lula, continuamos sendo a mesma sociedade com aspirações mesquinhas e pequeno-burguesas.

 

E isso inclusive entre os segmentos políticos de uma esquerda que se pretende revolucionária, mas não consegue transpor cortinas teóricas e meramente discursivas. Não consegue sequer atravessar a rua para, abandonando o conforto e a elegância de seus acentos, acocorar-se ao lado daquele trabalhador que no acúmulo de urgências pela sobrevivência não tem condições de adquirir informações e conhecimentos para uma compreensão democrática de seu próprio meio e realidade.

 

E assim corremos o sério risco de em 2010 ajudarmos a eleger um inapto ou um crápula, apenas pelo fato de ser homem. Ou de não eleger uma das principais responsáveis por todas as situações positivas que hoje ocorrem no país, apenas porque é uma mulher.

 

Claro que assim como na campanha de Marta Suplicy, lá por meados de 2010 levantaremos bandeiras, vestiremos camisetas vermelhas, penduraremos faixas nas portas de nossas casas pequeno-burguesas e como bons pequeno-burgueses defenderemos nossas convicções pretensamente libertárias em confortáveis conversas de família e bate-papos de botecos. Daremos nossa contribuição à causa pelos teclados e écran dos monitores da internet, mantendo nossas performances revolucionárias.

 

O problema é que uma sociedade não se democratiza por eleições, e muito menos em vésperas de eleições. O processo de democratização de uma sociedade se desenvolve através de relações verdadeiramente democráticas e cotidianas, onde não cabem malabarismos e exibições intelectualeiras.

 

Se para uma sociedade tão atrasada e antidemocrática quanto à brasileira, a experiência de eleger um emigrante operário foi um enorme avanço obtido pela profunda decepção com os produtos da mídia e falsas sabedorias de mascates de placebos milagreiros; eleger uma mulher (uma dona!) para dirigir o país, será tão difícil quanto aceitar que a maioria dos acidentes automobilísticos seja provocada por motoristas homens. Apesar dessa evidência corriqueira, quantos machos brasileiros concordam com tal realidade? Apesar de que os dados demonstram que a maioria dos arrimos de família é do sexo feminino, qual homem se sujeita à orientação feminina, ou a se considerar dependente de sua companheira?

 

Alguma dúvida de que ainda somos pequenos e mesquinhos para nos afetarmos por tão primários preconceitos? Alguma dúvida de que ainda não nos democratizamos um milímetro a mais do que o que não éramos desde a colonização do país?

 

Vejam esses dois parágrafos comentando as imagens dos trágicos acontecimentos de Sta. Catarina , transmitidas pela TV, orgulhosamente divulgados pela destinatária da missiva:

 

“... vi também os pobres mais bonitos do Brasil, gente que tem uma formação diferente, uma cultura de trabalho e de respeito aos vizinhos, pessoas que se ajudam como podem”

“... é um povo, uma raça que infelizmente não é a predominante neste país e em outra reportagem da Record se mostrou as pessoas nas praças jogando cartas, batendo papo, por que tinham o bolsa família e não precisavam mais trabalhar!!!, este é o nosso país”

 

Apenas corrigi alguns erros ortográficos, mas não mudei uma palavra do que aí está expresso e dispensa qualquer comentário. Apenas me permito cogitar se o conteúdo da matéria da Record seria o mesmo caso, ao invés da exigência de filhos na escola, a condição para o benefício fosse o desconto do dízimo para a igreja do Edir Macedo. Ou será que ainda assim o divino olho eletrônico da classe média -- tão complacente com as Bolsas Riquezas concedidas pelo Proer aos fraudulentos, aos especuladores, e a agiotagem recompensada com luxuriosos lazeres -- estaria atento aos imperdoáveis momentos de relaxamento em praças públicas, numa clara incontinência aos cento e pouco reais de cobertura do Bolsa Família? 

 

Afora ter se revelado paulista, não tenho qualquer outra informação do severo fiscal do ócio das raças inferiores, mas a correspondente conheci como militante do PT.

 

Também me isento de comentar o parágrafo seguinte de um manifesto divulgado pela internet e assinado comoidéia de Caio Alexandre Wolff, Advogado blumenauense”:

 

Enterrados os mortos, temos que cuidar dos vivos. 
A economia do vale foi atingida de forma duríssima e os prejuízos certamente serão agravados pelo desemprego e a pobreza vindouras nos próximos meses. A solução é fazer a economia girar, para que as empresas mantenham os empregos e cada um possa reconstruir sua vida a partir de seu próprio trabalho. Sugestão: comprem roupas da Hering, cervejas da Eisenbahn, fraldas da Cremer, camisas da Dudalina, condimentos da Hemmer, toalhas da Teka, Karsten, Artex, refrigerantes Thon e tantos outros produtos ligados à nossa região.”

 

Cada qual que conclua por si as motivações desse "tragic-marketing". A mim apenas ecoa nas paredes do labirinto da memória um antigo poema musical: “nos joelhos uma criança sorridente, feia e morta estende a mão... Enquanto os urubus passeiam a tarde inteira entre os girassóis”. Ao mesmo tempo, uma voz tenta me convencer serem casos isolados, perdidos entre os 10% dos insatisfeitos com o governo LulaMas há uma pergunta insistente, qual era o índice de aprovação ao Kassab ainda no começo deste ano?

 

E uma certeza me cala: a de que no país dos coronéis da indústria da seca ou das enchentes e desmoronamentos, não será um governo ou um presidente que promoverá a democratização da sociedade. Muito menos bandeiras, bonés e camisetas de vésperas de eleições. Sequer os discursos de botecos, ou as filosofices de internet.

 

Nem sei porque tudo me parece tão relacionado... um pouco por concordar com as decepções do meu amigo Castor com o burocratismo da militância da esquerda pequeno-burguesa, outro pouco pela tristeza de minha amiga Urda Klueger, desabrigada de Blumenau, e também pelas vítimas do Césio em Goiás, de 1987, lembradas em crônica de meu amigo Luiz Aquino. Mas como o próprio Luiz conclui: ali, como na seca do nordeste, não eram loirinhos de olhos azuis. É tragédia também, mas de outra raça.

 

Qual a diferença? Algo como o comovente seqüestro daquele jovem soldado judeu, e os revoltantes moleques palestinos a jogar pedras nos tanques israelenses. 

 

Somos todos cristãos, é verdade! Mas se até Cristo tinha olhos azuis, como haveremos de nos comover com os negrinhos esquálidos da África, se somos a sociedade das diferenças? E isso de mulher, só fica bem como rainha da Inglaterra. Afinal, the Queen, she's the queen. 

Raul Longo
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