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sexta-feira, dezembro 19, 2008

De arbítrio e de liberdade

De arbítrio e de liberdade

Luiz de Aquino

Gostei muito de ler o artigo de Fernando Cunha “Civis, piores que militares”, na edição do dia 18 do DM. Aquele período medieval da história recente do Brasil não pode nem deve ser creditado às Forças Armadas em seu todo. Primeiro, porque o militarismo é calcado na disciplina como quesito basilar; segundo, porque, sabe-se muito bem, todo golpe é fruto de conspirações, algo praticado por membros insatisfeitos (e, por isso, indisciplinados) da cúpula. Quantos generais não foram punidos, cassados, perseguidos e alijados de qualquer chance de manifestação após a tal “revolução”?

Dito isso, há que se lembrar que os comandantes, isto é, os coronéis, também se dividiram. Uns contestaram a nova ordem, e foram encostados, afastados, reformados, perseguidos e presos; outros, alinharam-se aos conspiradores e fizeram continência, reordenando a hierarquia e facilitando a ação dos generais conspiradores.

Se até coronéis escolheram puxar sacos, imagine-se o que se deu nas hostes civis. Em seu brilhante artigo, Fernando Cunha nos dá conta da exacerbação da máxima “mais realista que o rei”. Sim: boa parte dos civis passou a agir de modo mais militar que qualquer fruto integral das casernas. Interessante é que muita gente dentre aqueles civis de cascos duros ainda reina por aí.

Recentemente, e no meio literário, alguns deles afloraram. Pessoas que se alistam como servidores públicos, ou seja, empregados do Estado, mas que não atentam para o conceito mais simples. Servidor público, ou seja, aquele que deve servir o povo. Preferiram ser servidores da ditadura e não tiveram pejo em segurar com firmeza o cabo do chicote. Desses a quem me refiro, e resguardo nomes porque não quero me expor a processos desgastantes, é sabido que seguravam o diploma denominado Decreto 477, o que restringia um dos mais nobres e belos direitos do cidadão: o direito à educação e ao ensino. Curiosamente, estou falando de dois membros acessórios da ditadura, um educador e um profissional do direito. Contraditório, não?

Meu abraço, pois, de leitor e admirador constante, há mais de quatro décadas, ao dinâmico e coerente Fernando Cunha.

Digressões à parte, olho as ruas e o calendário, olho para dentro de mim e para o entorno dos meus sentimentos. Fico triste com a derrubada dos ipês na Avenida 85, mas regozijo-me ao ler a notícia o advogado Marcelo Castro Dias (especialista em Planejamento Urbano e Ambiental) denunciou a derrubada ao Ministério Público. Esperemos, pois, que vingue o bom-senso e os ipês reapareçam entre as mudas das palmeiras.

Um outro fato, porém, me entristece: Delermando Vieira, um dos poucos poetas que tenho como ídolo, desistiu de disputar a Cadeira 35 da Academia Goiana de Letras, vaga com o passamento de José Juiz Bittencourt. Delermando, poeta de sensibilidade e emoção raríssimas, não se enquadra em atitudes que exigem rigidez de guerreiro e maleabilidade política. Pressionado por dois ou três cujos interesses escapam à minha imaginação (sem, contudo, escapar da minha índole maliciosa e, quase sempre, certeira), decidiu dar tempo ao tempo.

Se isso seria um conforto ao outro concorrente, o ilustre advogado Licínio Leal Barbosa, o aparecimento de Iúri Rincon Godinho deve incomodar.  Jornalista, poeta e pesquisador com cinco livros publicados: “Uma Luz no Fim do Mundo”, poemas (1989); “Médicos e Medicina em Goiás”, história dos 250 anos de medicina no Estado (2004), “História da Propaganda em Goiás” (2006), “Colunistas Sociais Goianos – volume 1” (2007) e “História da TV em Goiás” (2008).

Aos 44 anos, goianiense, ex-presidente da União Brasileira de Escriores-seção Goiás, escritor e editor há 22 anos, Iúri é diretor da Contato Comunicação. Já editou mais de 200 obras e integra, com sua empresa, a Superpedidos, a maior distribuidora de livros do Brasil, que distribui com sucesso obras goianas por todo o território nacional, além de manter convênio com cem grandes bibliotecas do mundo. Seu trabalho como editor de livros e revistas já o levou a publicar autores como José Mendonça Teles, Ubirajara Galli, José Asmar, Hélio Rocha, Chico Buarque, Joelmir Betting, Max Gehringer, dentre tantos outros.  

Por juntar as atividades de editor e escritor, Iúri atende ao que exigem os estatutos e ao anseio de muitos acadêmicos, eu entre esses: o de preferir escritores na Academia de Letras. Ele próprio questiona: "A Academia Goiana de Letras nunca teve um acadêmico que tivesse por profissão a publicação de livros?".

Meu voto é dele.

 

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academmia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

Um comentário:

Mara Narciso disse...

Luiz,

Entre militares, ipês e escritores, fico com você e a sua frase lapidar: " Pressionado por dois ou três cujos interesses escapam à minha imaginação (sem, contudo, escapar da minha índole maliciosa e, quase sempre, certeira), decidiu dar tempo ao tempo."

As suas letras são setas de ponta fina, inteligentes e ferinas.