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quarta-feira, setembro 30, 2020

ESPERA

 


Espera

 

Sou o que chegou mais cedo,

mas estou no teu tempo e guardo

forças e vigília

porque sei que vens.

Tu, chegante depois,

me ensinas a viver teus dias,

a tecnologia do há-de-vir.

 

Dou-te a Lua, os vultos da rua

e a alma nua

porque nasci primeiro

e me construo à tua espera.

 

 * * * * * *


Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.

CONSOLO

L.de.A, 1987. Retrato pelo saudoso Roos.

 

Consolo
(das lágrimas)

 

Sem que me esforce por isto
e sem querer que aconteça,
o pranto me sobe aos olhos
deixando conforto no poço do peito.


Arranco com os olhos
a mágoa e o medo,
a dor e o enfado
que crescem depressa
como os vergéis
sob as águas de setembro.

 

Estas lágrimas
temperam-me a voz e jogam pra fora
o gosto amargoso de tantos fracassos.
Estas lágrimas
passeiam na pele como o resquício
das sensações que me assustam.

 

         Decerto me fazem
         menos tristonho,
         aliviam tensões.

 

Sem que me esforce por isto
às vezes choro à mera menção
de uma frase
ou ao gesto de afeto —
que toca os cabelos e amacia-me os sonhos.

 

Vem daí uma paz e,
sem que eu queira,
nascem de novo
as lágrimas de sempre,
quando me sinto bem,
porque te sei próxima
e tão invadida
de mim.

 

* * * * * *


Luiz de Aquino, poeta, da Academia Goiana de Letras.


segunda-feira, setembro 28, 2020

Árvore de tarde e memória

 


Árvore de tarde e memória

 

 

Há um sentir, a começar de um sentimento fugaz
e comum, olhar:
é identidade, afinidade e...
Ah, algo assim como um caminho,
começa e prossegue...

 

Lembra-me uma tarde,
calor e muito encanto... Descobri coisas.

 

– Lembra? Havia uma árvore, solene e só,
como esquecida e sem dona, alheia ao tempo
e aos comuns, que não a notam nem quando,
sôfregos e cansados, confortam-se da sombra.

 

Ah, e me conta que está florida! Preciso vê-la;
lembro-me que a fiz presente
do aniversário de logo antes,
Sexta e treze e Santa.

 

Aquela tarde... Inesquecível, ela! Contou-me coisas
novidades... Quais?

 

– Ah!, que sou capaz de antevisões e sentidos e
de me multiplicar dos sonhos,
como aquilo de te amar tantas vezes quanto
as sardas do teu corpo e
sob a luz do teu olhar severo e doce;

 

e de me enfeitiçar de beijos, os teus e
os exóticos que te dei
em "mares nunca dantes navegados"
e de despertar vulcões ainda virgens
da minha curiosidade
e achar-me feliz porque o êxtase se fez
e eu queria mais, e quero mais...
e te amo demais; e mais; muito mais.

 

Ela chora outra vez; como antes e quando era novo.
Achei que tinha perdido essa mania de chorar
pelas palavras que lhe escolho
e toco.

 

– Chora comigo; quero beber tua lágrima
de mulher e feliz. Quero a música
ritmada do seu soluço feito como marcação
do meu samba emergente,
do meu tanto triste e ansioso e
da minha valsa de alegria e esperança;
e tua voz me soará bolero de voltas
e amor romance.

 

* * * * * *

 

Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.

 

 

domingo, setembro 27, 2020

RONDÓ DE MENINO POBRE

 




Rondó de menino pobre 




Era caldo de manga madura
correndo amarelo no peito pelado.
Era bola de meia no meio da rua
ou a tarde de sol na beira do córrego
– era assim que eu era criança.


Eram tardes inteiras fechado em casa,
a cara no meio da meia-janela,
vendo passar devagar pela tarde
boiadas inteiras de bois curraleiros
– era assim que eu era criança. 


Era um tal de acordar muito cedo,
beber leite quente e pedir a bênção à mãe,
correr para a escola e dar a lição todinha de cor
ante a brabeza de Dona Vanda professora
– era assim que eu era criança.


E quando chegava o tempo das chuvas,
as ruas desnudas perdiam o pó e tudo era barro.
Eu fazia barquinhos de jornal e construía pontes
sobre os rios miúdos e torrentosos
– era assim que eu era criança.


Não havia televisão nem brinquedos eletrônicos,
astronauta era mentira de livro de ficção. 
Nos tempos de mais calor, eu caçava vaga-lumes
na escuridão das noites de minha infância
– era assim que eu era criança.


Um dia, cresci depressa.
Criei barba, falei grosso, troquei as calças curtas
por roupas de gente grande.
A escolinha se acabou e aprendi contas maiores.
A língua mudou de jeito, diziam “rau ariú, um beijo,
ai loviú” – virei rapaz duma vez.


Não mais o cascalho das ruas, não mais.
Não mais a lama das chuvas,
futebol no meio da rua, coalhada antes de dormir.
Não mais brincadeira de pique, estilingue,
finca ou carrinho; não mais banhos de córrego
nem medo de chinelo velho – chantagem feito                                                                                         [ameaça
dos pés para as mãos de mamãe.


Hoje, a barba grisalha e os filhos não mais crianças,
dói fundo no fundo do peito
a saudade do menino magricela
– era assim que eu era criança.

* * * * * *

Luiz de Aquino, escritor de prosa e verso, da Academia Goiana de Letras.

sábado, setembro 26, 2020

ONDAS CURTAS

 

Ilustração: Rosângela Imolesi



Ondas curtas

 

Alva tez à luz

e olhos — luzes firmes,

janelas amendoadas —

sensível força. Me atrai,

insiste e esvai-se

implodindo em mim.


            Como pode a luz

            sustentar tanta beleza?


E ri, discreta, ante o espanto e desejo

de vate inútil e só.

 

            O que dizer desses cabelos
            em frequência de ondas curtas?

 


* * * * * *


Luiz de Aquino, prosador e poeta, da Academia Goiana de Letras.

QUANDO AMO

 


Quando amo

 

É meu este defeito
de me dar inteiro. Quando amo,
digo tudo (o que me passa)
ao ouvido da Amada: digo em forma
de poesia minha dor, minha alegria,
fatos simples e banais,
feito a pura fantasia
das crianças, dos quintais.

 

Penso nela (quando amo) o dia inteiro,
vejo flores e vitrinas, lingeries,
absorventes, analgésicos,
cosméticos. Lembro dela o tempo todo,
sonho estrelas e carinhos, mãos roçantes,
beijos longos, pés ingênuos se tocando.

 

            Quando amo dou-me tanto 
            que espanto a minha Amada.

 

* * * * * *


Luiz de Aquino, prosador e poeta, da Academia Goiana de Letras.

quinta-feira, setembro 24, 2020

DE VINHO E SOL

 

De vinho e sol



Altiva e serena, a mulher 
levita, não anda; e veio a mim 
como o sol que beija manhãs.


O sol, a construir o dia 
opera milagres de cor 
e amadurece o futuro.

 

A mulher altiva
falou-me de coisa simples
e felizes. E sorrimos.

 

Ao sorrir, era outra vez
o sol a corar areias de mar.
E vestia vinho.

Olhei-a tímido, sonhador,
ânsia de beijo que não veio.
Antevejo o sonho.

 

Amanheceu e o sol
levou de mim a mulher de encanto.
Triste, eu, na manhã, insone e só.






* * * * * *


Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.

 

quarta-feira, setembro 23, 2020

LEMBRANÇAS DE PORTO

 


Lembranças de porto


   

Beijo morno molhado, com marcas de mel
e pimenta: ambrosia e veneno
de nascer paixão.

 

Pele jambo; e terna, feito olho d’água
das Caldas, berço e infância
de dor e saudade.

 

Viajo teus olhos (cerrado na seca); penso
céu de planalto, extenso e fundo,
convite ao novo beijo:
fecho os olhos.

 

Na mente, um horizonte ativo, mutável.
Estrada, ao fim, feito o mundo
e princípio de amor
para a vida toda.

 

* * * * * *

 

 Luiz de Aquino, poeta e prosador.

 

terça-feira, setembro 22, 2020

Estação de esperar Natais

Pequizeiro em flor - 22/09/2020  


            Por volta das 7h30min desta manhã de 22 de setembro, um som que parecia ser de folhas ao vento surpreendeu-nos: começava uma leve, mas nada discreta, precipitação pluviométrica. Nada discreta porque, com mais de quatro meses de seca total e céu de anil teimoso, a Primavera se anunciava com quatro horas de antes de seu début oficial, anunciado pelos cientistas.

 





Estação de esperar Natais

 

A manhã ainda não aconteceu e
sofro um vento que vem trazer
chuva nova, abrindo estação.

É Primavera. Hoje é o vento
de desfazer as nuvens do pó do chão,
reverdecer campos e pastos.
Preparar os dias para o Verão,
que no Verão em começo acontece o Natal
em verde de vida plena e rubro carmim
de fazer contrastes enquanto as pessoas se enfeitam
e enfeitam as ruas, as casas, as árvores de luzes
e até suas almas de virtudes –
assim enfeitadas apenas por dias
de fim de ano.

Engalanam-se também os ouvidos
de músicas festivas porque é Natal
e existe no ar um desejo
surgido de qualquer lugar
a induzir o abraço, o beijo,
o ímpeto de gritar felicidade.

É Primavera e não sem outra razão
que preparar o Verão,
porque Verão começa com Natal
e é Natal de Jesus.

Jesus: o que falava de amor, multiplicava pães,
amava crianças, abençoava pobres,
salvava doentes e juntava gente.

Jesus, que hoje é palavra pregada
nos automóveis que atropelam, ferem, matam
e fogem porque seus donos não sabem do amor.

Ao Natal de Jesus, seremos felizes.

Compraremos presentes de agradar parentes,
falaremos palavras de alegrar amigos,
juraremos amor
ainda que incapazes de afagar menino de rua,
perdoar condenados, alentar dores.

Continuamos capazes de falar em Jesus
porque Ele aniversaria e todos nos sentimos
parte de suas chagas.

Mas não somos mais que pedaços de sua cruz.

* * * * * *


 






Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.

 

 

segunda-feira, setembro 21, 2020

EXATO: EXALTO

 


Exato: exalto 



Elejo-te: 
Pele, brilho, sal, 
sabor.
 


Luz: 
Olhos, voz e gestos 
lentos, suaves.


Calas-me: 
úmida, túrgida,
eriçada.




* * * * * *

Luiz de Aquino, prosador e poeta, da Academia Goiana de Letras.







domingo, setembro 20, 2020

SOU POETA

 


Sou poeta

 

Sou poeta porque
tenho sede dos sentimentos
e encontro no dom da palavra
o mistério da busca; 


        porque sou carne e espírito
        e me foi dado sentir, e saber
        dos sabores e das dores,
        das ânsias e dos bens.

Sou poeta como agente de Deus, porque
me compete sentir Suas forças
e cometer sobre a Terra o empenho da Paz,
dos Encontros,
do Silêncio tácito ante a Felicidade.


Sou poeta porque sei da Natureza
e da natureza dos homens, porque sei das fêmeas
dos homens e as venero
pelo que estimulam, provocam
e recebem.

Sou poeta para estar no ar
sob as árvores, na luxúria das alcovas ,
na consciência dos peixes e na esteira
das aves noturnas. 


Sou poeta por ser simples
e buscar essências nas mãos infantes,
na fome dos loucos, na ânsia dos mendigos
e na solidão dos religiosos.

 

            Não me é dada outra opção:        
            para não ser político, sou poeta. 



* * * * * * 


Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.

sábado, setembro 19, 2020

LUAU

 






Luau

 



Mostra a bundinha à lua,
amada minha, como quem se oferece
em místico e sagrado
ritual pagão de intimidade e volúpia,
atrevimento e vontade.


 

Nua: a janela aberta
para te banhar de mistérios,
e envio-te, na luz,
minha pele e beijos
a brindar-te a doçura
num feitiço de tesão:
sou súdito ao teu desejo.


 



* * * * * *


Luiz de Aquino, escritor de prosa e verso, da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, setembro 18, 2020

ROTAS


Rotas




Caminhos do teu corpo,
eu os conheço. Não têm o rigor de estradas,
mas a amplidão do planalto, o frescor das planícies
e a vista aprazível dos picos.
Mas, ah, como gosto!
Gosto mesmo
é de explorar teus vales...

 

Teu corpo...
Vontade de percorrê-lo todo
em carícias de mãos e lábios

com a demora devida
em calor ou volúpia.

 

Teu corpo
me conta coisas simples,
fatos banais, coisas de rir
e sentir. Fatos de andar por aí
ou de tentar medir o horizonte.

 

Ah, teu corpo!...



* * * * * *

 

 Luiz de Aquino, prosador e poeta, da Academia Goiana de Letras.

quinta-feira, setembro 17, 2020

Cálidas mineiras em termas Goiás

 

Cálidas mineiras em
termas Goiás







Morenas mineiras, 
serenas sereias 
de tetas pequenas 
e nádegas plenas 
(abundantes).

 

Sóbrias maneiras
de moças faceiras,
saudáveis mineiras
de além horizontes
(visitantes).



 Nos clubes, nas ruas,

nos lençóis, à lua,
vestidas ou nuas
— é comê-las cruas —
(são suas?).

 

Em termas piscinas
as vejo meninas;
mineiras maneiras,
morenas apenas,
sereias serenas
louras vindouras
(gatinhas. São minhas?).

 

Negras, castanhas,
castas, me assanham:
discretas, insinuantes
— prefiro as mineiras,
sereias morenas
de tetas parcas e nádegas fartas —
(abundantes). 



* * * * * *



quarta-feira, setembro 16, 2020

Loba. Nua. Sede.

Ilustração de Pollyanna Duarte para o livro "As uvas, teus memilos tenros".

 

Loba. Nua. Sede

 

 

Às luzes da noite, artificiais,
piscam fogos
de artifício; é festa
e é longe.

A memória guardou imagem:
um lobo da noite
inquieta-lhe a alma
e o sono.

 

Ah, mulher! Ser mulher.
Mulher solitária,

Bípede loba
e faminta.

 

Deita-se, não quer os fogos
coloridos. Prefere o que lhe nasce
em baixo, do sangue,
e ferve.

 

É nua, a mulher;
em lençóis de bons odores, 
macios e cálidos, cala-se 
e se acaricia. 


A mão esquerda afaga
seios sobre o fôlego arfante;
os dedos intumescem-lhe
ávidos mamilos.

 

A outra, destra, esperta,
afaga pentelhos, molda-lhe
o ventre, a vulva; e, ágil,
excita-lhe o grelo.

 

Do fundo, a fonte
regurgita a seiva quente
à espera do lobo
ainda ausente.

 

 * * * * * *


Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.

segunda-feira, setembro 14, 2020

É SETEMBRO, É DE MIM

 



Flor do pequizeiro - foto L.deA


É setembro, é de mim

 

Vou te lembrar que é setembro,
é Primavera e faço anos. 


Visto passos de estampado
e pardo, parvo, pavoneio-me
para festejar meus anos
e é Primavera outra vez.

Foi-se há dias o Dia da Pátria
e, logo após o Dia da Árvore,
vem o Dia dos Amantes,
dia de festa nacional a transpor
fronteiras – a do sacramento
do casamento, ao menos,
para os de menos geografia.

 

Vou te lembrar que é setembro
e teu amante faz anos
dias antes
do Dia dos Amantes.


Flores de pequi - foto L.deA. 


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 Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.




TRIVIAL

 Trivial







Cheiro bom de carne 

fumegante,

tempero, alho e sal 

e o vinho tinto.



Ross, 1990



Cheiro bom da fêmea

instigante,

a lua, a nuvem, a luz

e o absinto.





Cheiro bom de cama,

ofegante

espera, o frio, o sol

e o quanto sinto.

Ross, 1990











Noites, jantares, lugares 

lúcido ocultar-se 

(quem me dera!), paixões 

nascentes puras.



Não há mistérios, tudo é claro

e inaceito. Só as luzes, 

os licores, tudo em cores.

        Quotidiano a construir ternura.




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Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.


sábado, setembro 12, 2020

LUZ DOS OLHOS

 

            Luz dos olhos

 

Toda bonita e cheirosa
emana dos olhos luz intensa,
ora azul, ora rosa; às vezes violeta.

 

Luz que me chama
para o Sol, quando dia,
e para a Lua, quando feliz.

 

Se te olho em tempo maior
desnudo-me de defesas,
não penso em investidas...

 


Sou servo fiel, leal escudeiro
que se arma de sabres e pistolas
e acende avisos de alarma!

 

Quando encontro teus olhos
acolhendo os meus,
desnuda-se a moça. 

 

Encanta meus sonhos,
ilumina-me de força
e me chama ao amor.  




                            Olhar que me invade a retina,
                            expande-se em mim
                            e te cobre em louvores.






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Luiz de Aquino, poeta e prosador, da Academia Goiana de Letras.