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sábado, junho 29, 2013

O Brasil que nunca dormiu


Padre Reginaldo Veloso, em 26 de junho, na passeata promovida pelos estudantes no Recife, capital de Pernambuco. Foto: Priscilla Aguiar/Site Pernambuco de A-Z 
O Brasil que nunca dormiu


Quantos de nós, da geração de meninos que vimos o golpe em 1964, viemos às linhas de jornais contar de nossas vivências quando a grande mídia (jornais, revistas, rádios e tevês) sacudiram o Brasil e o mundo com as notícias dos movimentos de ruas, nas últimas semana? Quase todos! Exaltamos os moços que sacudiram-se do marasmo das digitações aos celulares, saboreamos suas coragens de vir à rua, de dizer o que pensam, de estabelecer seus critérios: “Sem partidos! Sem violência! Sem vandalismo!”). E, melhor ainda, não tentamos ensinar nada.

Na segunda metade da minha década de 60, recordei com saudade as bolinhas de gude lançadas nas ruas para derrubar os cavalos dos soldados; recordei as caminhadas de braços dados, estudantes e professores caminhando pela Rua 10 rumo à Catedral. Às primeiras bombas e tiros, refugiamo-nos na igreja; os soldados entraram montados em seus cavalos e atiraram, ferindo a bala o jornalista Telmo Faria e a estudante de Arquitetura Lúcia Jaime, um coronel careca chamado Pitanga comandava, feito moderno Átila (dos hunos), “corajosamente”, aquela horda armada contra jovens idealistas cheios de vontades e sonhos de dignidade e liberdade.

Como tantos outros da minha faixa – boa parte mais velhos; grande parte mais jovens – aceitei a metáfora do “Brasil que acorda”; e fui sacudido pela foto do Padre Reginaldo Veloso que, em passeata no Recife, na última quarta-feira (26 de junho), exigiu o cartaz: “O Brasil que nunca dormiu saúda o Brasil que acordou”.

Isso mesmo, Padre Reginaldo! O Brasil não dormia; os jovens, sim, despertaram. Como nós fomos despertados ao nosso tempo. Recordei que em 1958, antes de completar 13 anos, estudante do primeiro ano ginasial no glorioso Colégio Pedro II, passeatei pelas ruas do Centro, no Rio de Janeiro, contra o aumento das passagens de bonde. Naquele dia, era eu quem “acordava”, porque os meninos do colegial e os moços das faculdades estavam despertados desde o começo da década de 50; seu “despertador” foi, certamente, a campanha “O petróleo é nosso”.

Entre os goianos, jamais dormiram Carlos Alberto Santa Cruz, Batista Custódio, Telmo Faria, José Sizenando Jaime (pai da citada Lúcia) e seus filhos Bizé e Luiz, Marcantonio Dela Corte, Paulo Silva de Jesus e seu irmão Ismael (assassinado aos 18 anos num quartel do Exército), Fausto Jaime, Renato e Mirinho Dias Batista e seu irmão Marco Antônio (“deEntre os goianos, iraram, publicou no Facebook e que traduz muito,m uito bem este momento histt do primeiro ano ginasial no glorsaparecido” aos 15 anos; os militares que o prenderam e deviam temer  aquele menino), James Allen,  os irmãos Olga e Allan Pimentel e muitas dezenas de outros – entre estes, Nelson Guzzo (há quatro décadas vivendo em Goiânia, foi líder estudantil no CPII dos meus tempos), parceiro de inúmeras passeatas.

Chega! Já se falou muito sobre isso. Só quero mesmo, hoje, divulgar mais ainda a foto que Marcos Cirano, de Recife, publicou no Facebook e que traduz muito bem este momento histórico.


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sábado, junho 22, 2013

Coerência ou consciência


Coerência ou consciência



Nascer e morrer com a mesma opinião não indica coerência, mas falta de raciocínio.

A frase ocorreu-me num diálogo no Facebook. Creio que o cidadão comum brasileiro, como me situo, cansou-se de ser técnico da Seleção e tornou-se, de súbito, analista de questões sociais. No caso, esse protesto nacional por tudo, que começou ante os aumentos das passagens de ônibus e logo surgiram vários outros temas, levando às ruas pessoas insatisfeitas com a vida nacional e a farra com o Erário, em suas várias versões. Uma garota, com talvez 18 anos, tinha um cartaz nas mãos, assim: “É tanta coisa errada que não cabe num só cartaz”.

Nesta quinta-feira, 20 de junho, vesti camiseta branca e fui pra rua! A minha última passeata fora em 1992 (poxa. lá se vão 21 anos!). Vestia camisa preta; desfilei ao lado de estudantes jovens de caras pintadas – era o movimento que tirou “de lá o presidente Collor. Desta vez, saí sem a raiva daquele 7 de setembro que ligou o alarma do impeachment. Agora, neste 2013, não me senti como na canção de Zé Ramalho – Admirável Gado Novo: não havia um líder ao microfone a dizer-nos o que fazer ou gritar. Bem: havia, sim, alguns carros de som, com locutores chatos que, sem se dar conta da potência do equipamento, gritam. Mas neste evento que parou Goiânia, com mais de 60 mil pessoas nas ruas, ninguém os seguia, alem de uns gatos pingados. Todo mundo se manifestava guiado apenas pelo propósito de dizer aos políticos: “não estamos satisfeitos”. E, para tanto, ostentavam cartazes os mais variados.

Nada de bandeiras; assim que chegamos lá, Lucas (meu filho) e eu, encontramos Orfeu Maranhão, velho amigo e colega jornalista. E logo de cara unimo-nos com os jovens ao lado (a grande maioria na era nascida em 1992), gritamos “Sem partido!” em coro, muitas vezes,  contra as bandeiras e as faixas de um conjunto de siglas que se diziam “esquerda socialista”. Comentei: “No nosso tempo, isso seria redundância; hoje, já não me atrevo a tentar entender”.

Juventude corajosa! As moças, muito determinadas, chamavam os rapazes à ação: gritar, gesticular e responder com firmeza às ameaças dos portadores de faixas dos partidos, que nos olhavam com ódio, dois deles vociferaram ameaças e xingamentos. Respondemos à altura. Em minutos, o grupo tirou de lá o carro de som e as bandeiras e faixas: ficou-se mesmo “sem partido”.

Os cartazes eram de bom humor: “Que vergonha! A passagem está mais cara que a maconha”. Ou: “Feliciano, me cura: quero pegar sua mulher”. E gritos de guerra igualmente pitorescos, além dos severos “Sem violência! Sem vandalismo”. Um grupo, seis garotas e dois rapazes, gritava: “Não jogue pedra! Jogue a calcinha”.

Mas, humor à parte, quero dizer que me senti muito orgulhoso dessa juventude de agora – aliás, são adolescentes e os mal-entrados na  juventude, nem todos podem se dizer adultos. Quando eu e Orfeu cantávamos com eles suas cantigas e gritos de guerra, olhavam-nos divertidos e felizes. E este tiozinho aqui, aos 67 aninhos de pura rebeldia, mais de meio século de passeatas e protestos, felicita a geração que conseguiu postar-se na rua com firmeza, dignidade e autoridade bastante para expurgar as bandeiras dos partidos oportunistas e pôr a correr, com palavras de ordem e vaias, os que tentavam conturbar a marcha.

Viva a juventude de Goiás!

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sexta-feira, junho 14, 2013

O do Zé Estêvão

(Charge colhida na Internet)

O do Zé Estêvão


Esta crônica foi escrita em 30 de agosto de 2005 e publicada logo em seguida – dois ou três dias após. Relendo meus arquivos, gostei de recordá-la e de recordas o ambiente em que a mesma se criou. Republico-a como uma homenagem aos amigos aqui citados e com quem não tenho estado há algum tempo (vale dizer: é a segunda vez que ela é republicada - a primeira reedição foi em fevereiro de 2009; mas há sempre quem não a tenha lido).  


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Tenho momentos de vazio e saudade. Quem não os tem? Aí, saio como quem anda sem rumo, mas sei aonde ir e ver. Ver pessoas especiais. Andei aí, sorri boas-noites e me sentei prosista de falar e rir. Ouvi Valdemar a contar de coisas que confessei um não-saber comum: quem será Zé Estevo, de quem falei crônicas passadas, este ano mesmo? Ele me contou, justificando o bordão goiano, sul-goiano de longa data que repercute na memória do menino que eu era: “Tá no cu do zé-estevo!”.

Para os de longe − os do norte de Goiás e os de além-rios de Goiás Sul − explico que é um falar comum das gentes da minha terra: se alguém está mal, diz-se aqui que “tá no cu do zé-estevo”, e Valdemar me explica o causo, sucedido em Jataí, lá pelo começo da quadra de 50, quer dizer que há mais de cinqüent’anos. E eram dois os irmãos Estevão: um Jerônimo, outro José. Jerônimo, um dia, apareceu de médium, pregando coisas e prometendo curas, distribuindo bênçãos e raizadas, para a alegria e a felicidade de um sei-lá-quantos de tristes.

A vida corria bem e nada havia que se questionar, que os que Jerônimo salvava nem precisavam, vai ver, se salvar de nada mesmo. Uma espinhela caída nem sempre é causa de dor; e um amor desfeito não mata ninguém, basta que um novo amor se anuncie e o mal de antes está curado. Foi então que Jerônimo entendeu de salvar o mano José − o que vem a ser esse mesmo, o Zé Estevo, no modo mais goiano de falar fácil, o que antecede o modo tacão de moços escribas nos bites da Internet.

Um punhado de ervas aromáticas cujos odores nem eram lá do agrado do possível doente, a infusão em água insuspeita, raizada curtida de véspera em álcool de fazenda (quase cachaça), e pronto! No dizer de Jerônimo, o mano Zé estava curado. Mas, há que se perguntar, curado de quê? Sabe-se lá! O Zé estava apenas magro, mas de nada se queixava. E como não era de contrariar o mano Jerônimo, deixou-se medicar.

Vai daí que, desde então, siô, a vida do Zé virou uma merda! Zé emagrecia ainda mais, apareceu com olheiras quase pretas, de tão roxas, e o corpo manchado de muitas pintas grandes. Fosse só isso, estava tudo quase bem: Zé Estevo se apanhou de uma caganeira que nada segurava. Por isso, então, e de imaginar o quanto sofria o anel terminal do tubo digestivo do pobre do Zé, o povo logo inventou de apelidar qualquer situação de aperto com a famosa frase: “No cu do Zé Estevo”.

Dei-me por feliz − não pelo suplício do esfíncter do diabo do Zé, mas pela explicação que me ofereceu o Valdemar. Pena que, ocupadíssimo com a missão de saborear aperitivos sofisticados, meu velho amigo Marcelinho Pão-e-Vinho, delegado de uma pequenina e pacata cidade do interior de Goiás, não tenha ouvido a história. Haverá ele, então, de saber dos fatos por estas linhas, que ele há de ler quando o correio entregar-lhe a cópia, já que Pão-e-Vinho, o delegado filósofo, não é de navegar nas ondas internáuticas.


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quarta-feira, junho 12, 2013

Hugo(*): Experiência aprovada

Foto: Ass. Imprensa do HUGO


Hugo(*): Experiência aprovada



O Estado de Goiás renovou contrato com o Gerir – Instituto de Gestão em Saúde. A organização social, nos últimos doze meses, revolucionou o sistema de atendimento no nosso maior hospital de urgências, o Hugo. O ato é um marco: significa o reconhecimento do poder público à eficácia da gestão terceirizada, modelo que, para o bem dos usuários do equipamento de serviço público –o de saúde em especial – há de se estender, passo a passo, a toda a rede estadual.

Essa experiência precisa ser avaliada e seguida, também, pelo sistema municipal, em Goiânia e nas maiores cidades de Goiás. Afinal, os municípios são os terminais preferenciais da gestão da saúde pública; grande parte dos municípios (e não são apenas os de menor população) tem como equipamento de saúde um discreto posto para atendimento imediato de pequenas ocorrências e... uma ou duas ambulâncias que, em fim, são seu instrumento principal.

Argumentação contrária existe, mas tem o contraponto maciço da satisfação dos usuários. Recentemente, um deputado oposicionista teceu severas críticas à ação das OS (detalhe: abreviaturas não recebem S para indicar plural; abreviaturas são abreviaturas). Essa visão é facilmente contestável por números e fatos. Ficam, tais contestações, no mesmo nível do torcedor que vê um pênalti em cada queda do atacante, mas o juiz e a torcida contrária viram uma jogada normal. A diferença é, indiscutivelmente, que no caso da saúde os resultados são notórios e indiscutíveis.

Vejamos: ainda que contestando seriamente a prática de terceirização de rodovias, fartamente aplicada pelo governo de São Paulo há mais de vinte anos e adotada no âmbito federal nos governos de Fernando Henrique, Lula a praticou também, adaptando-a a moldes de época e da filosofia dos trabalhistas; e a presidente Dilma Rousseff estende-a a aeroportos – o tempo demonstrará que a gestão privada é mais ágil e eficaz, de fato.

No tocante à saúde, o governo da Bahia, com o petista reeleito Jacques Wagner, também adotou a gestão terceirizada em contratos com organizações sociais – e os resultados também são altamente positivos. Portanto, acertam também aqui o governador Marconi Perillo e o secretário Antônio Faleiros, da Saúde.

Aqui em Goiás, o Hugo e o Hospital Alberto Rassi (o HGG, ou Hospital Geral de Goiânia) foram avaliados, recentemente, pela Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa – ambos mereceram aprovação pelos deputados, que conheceram as novidades realizadas e em andamento, além dos números positivos das avaliações estatísticas.

Avaliar sem paixão partidária é o caminho; ou com honestidade, apenas. Porque censurar uma medida que dá certo aqui só porque o governo não é do PT ou do PMDB é ignorância – e certamente os resultados petistas nessa prática, de iguais motivos para se comemorar, não podem ser relegados.

Em suma, se terceirizar com as OS é o caminho na saúde, e terceirizar aeroportos e rodovias, além de estádios de futebol, também se mostram como atos de respostas imediatas – e boas – há que se pensar na consolidação desse novo modelo.

Espero que o mesmo se dê na Educação. Não bastassem os baixos salários, a falta de condições mínimas de trabalho (como equipamentos e segurança para estudantes, funcionários e professores) incomoda e desmerece o sistema.

É, sim, hora de se ter coragem e iniciativa. Porque o velho discurso da contestação carece de novos argumentos.


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(*) Hugo – Hospital de Urgências de Goiânia.