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sábado, maio 26, 2018

Combustíveis, impostos e impostores

Fac-símile (by Elpídio Fiorda)  da publicação no DM deste sabado, 26 demaio.




Combustíveis, impostos e impostores


Os cínicos não perdem a pose!

Desde o ano passado, quando vivíamos a realidade da inflação "de dois dígitos", o desgoverno que se instalou com pompa e cara de pau decidiu adotar medidas cruéis e debochadas, como o anúncio descabido de uma inflação "abaixo da meta", em índices incríveis de 3% ou pouco mais. Preços de combustíveis e de energia elétrica não são computados. Como, de resto, alguns outros itens fundamentais são também esquecidos, pois a meta é falsear a meta.

Desde aquela marcante manifestação nacional de indignação ante as mazelas políticas em 2013, ocasião em que os blackbloks apareceram para badernar, os movimentos populares passaram a perder, gradativamente, a credibilidade. Coxinhas e mortadelas opunham-se em xingatórios e agressões físicas, mas nada se comparava aos mascarados.

Estranhamente, ninguém sabe de onde vinham, a que grupo se integravam, que propósitos tinham os tais blackbloks. Viajei ao passado, percorrendo 40 anos idos, ou quase isso. Era um tempo em que ainda vivíamos as restrições da ditadura implantada em 1964, mas um ano antes aplicara-se a anistia, permitindo o retorno dos brasileiros exilados e dos que viviam aqui mesmo, na clandestinidade, sob nomes falsos, ainda que “devidamente” documentados.

Como repórter, acompanhei uma manifestação de estudantes de medicina da Federal de Goiás. Os moços concentraram-se na Praça Universitária e dirigiram-se, num grupo de 100 ou 150 estudantes, ao ponto modal da época – a Praça do Bandeirante. Nas proximidades da Praça do Botafogo, a PM despejou, de alguns caminhões-choque, soldados de preto portando escudos, cassetetes, capacetes e máscaras contra gás, pela retaguarda. À sua frente, outra parede se formou, com policiais em fardas comuns, simulando uma ação pacífica, ainda que enérgica (como definiria o secretário da Segurança pouco mais tarde). Descendo a Avenida Anhanguera, um grupo de vinte ou trinta pessoas civis deslocava-se também. Numa calçada bem próxima, à frente de um edifício em construção, um monte de britas lhes pareceu oportuno – e aqueles civis, sem qualquer atitude dos fardados, passou a jogar pedras nos estudantes que, vendo-se cercados, sentaram-se todos no chão, em atitude previamente calculada. As pedras caíam sobre suas cabeças e eu, como outros colegas da imprensa, ouvi troca de frases entres os paisanos e fardados, como vozes de comando sobre lançar pedras e parar.

Aquilo foi o bastante para que os dois pelotões da PM – os de preto e os de cáqui, baixassem seus cassetetes com vontade. Entendi logo, os paisanos eram militares estrategicamente mobilizados para simularem uma ação civil contra os soldados, ainda que só atingissem os estudantes sentados no chão.

Claro: eram os blackbloks da época. Ou melhor, os blackbloks destes últimos anos são, imagino, os P2 de agora.

As últimas manifestações de massa nas ruas de todo o país foram marcadas por ações dos tais mascarados que depredavam, destruíam e saqueavam. Então, chegou a última segunda-feira, este 21 de maio, e as estradas nacionais foram marcadas pela paralização da frota de caminhões. Desde os primeiros momentos, cuidou-se de não prejudicar o direito de ir e vir dos veículos de passeio, dos ônibus de passageiros, dos transportadores de cargas vivas ou perecíveis e dos medicamentos.

E deu-se a coisa! Os do Planalto (o Palácio) incomodaram-se, mexeram-se, o presidente deu ordens, apareceu como se preocupado estivesse, orientou a pantomima toda, incluindo-se uma coletiva do presidente da Petrobrás, o Parente titular do apagão elétrico de 2001. Ouvi parte da entrevista, pelo rádio, e senti-me com “vergonha alheia” pelos colegas que, pela entonação, babavam ovos para o despótico presidente da petroleira.

Pernóstico e petulante, o presidente respondia com ênfase enjoativa. Torcia argumentos, reformulava conceitos, prometia grandezas irrisórias e, pareceu-me, até acreditava que faria alguém de idiota. Os líderes do movimento, é claro, rejeitaram a proposta ridícula e pretensiosa do executivo-mor da Petrobrás – um homem que ora integra esse governo coberto de acusações irrefutáveis e se formou de um monte de fichas-sujas, e antes integrou a equipe privatizadora de FHC.

Os noticiários do dia seguinte mostravam técnicos e tecnocratas áulicos a demonstrar preocupações para com o “equilíbrio das contas”, a “responsabilidade fiscal” e outros rótulos nada convincentes – o agravamento das contas do cidadão e das classes produtoras, da logística... do consumidor, enfim, tudo isso é de somenos importância para os nababos das equipes técnicas.

Pior ainda é o desemprenho teatralizado dos ministros. Pessoas que não se recomendam sequer ao dar bom-dia, discursando em frases breves ante as câmaras e dando a entender que suas falas eram dogmas.

O governo da União, mesmo sob a incredulidade de toda a nação, posou de irredutível. Os manifestantes não deixaram barato, reforçaram suas ações e determinação, endurecendo o argumento. Na tarde de quinta-feira, os produtores rurais começaram a engrossar o cordão de veículos parados, em notório apoio aos caminhoneiros.

Tanto se falou em contas, em preços internacionais e em cotação do dólar e os caminhoneiros exigiam um alívio nas alíquotas dos impostos. Estranhamente, e com o movimento atingindo mais de vinte estados, com mais de 200 pontos de ação, nenhum governador nem grupos de parlamentares estaduais apareceu. E é sabido que o ICMS é uma das maiores fatias de impostos nos preços dos combustíveis.

Em meio a tantas notícias, recebi o vídeo de uma entrevista com o coordenador de um dos sindicatos de petroleiros – o de Minas Gerais. O moço declarou que os petroleiros organizam uma grande greve nacional, contra várias medidas em torno dos combustíveis, envolvendo também os altos índices dos impostos e, pior ainda, a ordem interna da diretoria da Petrobrás para que se refine o mínimo de óleo nacional – quer dizer, é para negociar somente o óleo importado. O propósito é o que sabemos, ou seja, o reajuste diário com base nos custos internacionais e na cotação do dólar.

Resumindo: Pedro Parente é hábil e eficaz quando se trata de promover um apagão. Em 2001 ele deixou o país no escuro; agora, em pane seca.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, maio 12, 2018

Meia Ponte do Rosário - ou, simplesmente, Pirenópolis


Poema que compus à beleza de Pirenópolis. 



Esta cidade, rodeada de montanha...
(Crônica escrita em março de 2003. Republico-a por gostar e querer, de coração. L.deA.)


Foi Isócrates de Oliveira quem cantou: “Minha cidade é rodeada de montanha / tem um rio que a banha / murmurando sem parar”. Eu, quando cantei, evoquei “manhãs alegres / sol dourado junto ao rio / e um desafio a que acompanham violões”. 

Como não evocar manhãs de sol, tardes preguiçosas, noites alegres e madrugadas românticas nesta Meia-Ponte das minas de Nossa Senhora? A do Rosário, dos Brancos e dos Pretos. A dos Pretos ruiu sob os desgastes do tempo e a fraqueza das bolsas, minguadas de recursos naquele tempo dos anos de 1940, quando os bancos faliam ante a chamada moratória pecuária. 

A dos Brancos, incendiada sob o signo de Virgem naquele fatídico 5 de setembro de 2002. E a lembrança de mim, embriagado na Festa do Divino, procissão com banda-de-couro. Inerte e bêbado, quase impedi o retorno da procissão, deixado na soleira da porta lateral, do lado da Rua Direita. 

“Manhãs de festas / acordando Meia-Ponte / ao pé do monte seus antigos casarões”. Meu canto é de saudade; saudade de mim menino, ou de mim mais moço. O murmurante Rio das Almas... “Rio das Almas / vai levando as minhas mágoas / em meio às águas / a rolar, buscando norte”. 

Foi na Ramalhuda, verão em 1952, que me afoguei pela primeira vez. Um homem gordo tirou-me do poço fundo e seu sorriso me deixou confiante. Afoguei-me muitas vezes mais, porém sem medo. Em quantos poços, quantos copos me afoguei? 

Poção da ponte, de tanta memória! Música eterna das águas velozes... Meia-Lua, Pedreiras, Lajes... Tempo matado sem pressa em tardes e manhãs de férias. Vô Luiz, meu xará de Aquino Alves, maestro e seresteiro, não se banhava em casa – só nas águas do Rio das Almas. 

Meia-Ponte Pirenópolis de serenatas e cerveja muita, cachaça e lua de prata. Meu primeiro porre... acho que foi no Bar do China, irmão de Pérsio Forzani, no casarão que, caído, deu lugar à atual Casa de Justiça. 

Antes dos porres, os amores são a mais doce lembrança. Amores furtivos às margens do rio, amores inebriantes atrás das igrejas, ao sopé dos montes, no pico do Frota entre as antenas de tevê (o som da cidade, a cidade lá longe, o ar fresco da noite e a poesia emergente). 

Serenata de metais e cordas na noite serenada. Caju batizado na casa de Wilno. Alexandre, o maestro, era um menino que tocava na banda. Meu Vô Luiz tirava notas carinhosas de um trombone e eu volitava, rumo ao passado, para encontrar meu tio Ismael, o da clarinete, e Dito de Melani, o do pistom.  

“Ai, que saudade / de acordar ao som do pinho / cá no meu ninho / e sentir a lua cheia / na serenata / que dá vida à noite calma / e leva a alma / à viola que ponteia”. Meu canto de versos ganhou roupa nova na canção de José Pinto Neto. Zé Pinto, o de Caldas Novas, meu parceiro musical, também se foi mais cedo. Foi encontrar os meia-pontenses idos antes, como meu Vô.  

E Pirenópolis, a das verônicas do Divino, das congadas e dos doces cristalizados, a do licor de jabuticaba e vinho de caju, a Pirenópolis dos meus sonhos e minhas saudades, essa que não dorme... Essa, a cidade rodeada de montanha, encimada na paisagem pelas três colinas aniladas dos gigantes Pireneus, ah, essa!... 

Minha, nossa, eterna cidade de Nossa Senhora do Rosário! Não há fogo nem enchente que te apague de nossas almas.


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Luiz de Aquino, escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


Eleições na AGL


Vagas acadêmicas



A Academia Goiana de Letras realizará eleições – duas – para preenchimento de vagas. Duas delas em breve, sendo que uma já encerrou o prazo de inscrições, a outra ainda acolhe interessados. Uma terceira será anunciada, em data a ser ainda escolhida, quando acontecerá a Sessão da Saudade pelo desenlace de José Mendonça Teles.

Explico: as academias de letras são clubes fechados, com número de vagas limitados (o padrão é de 40 cadeiras, segundo os critérios da Academia Francesa, que se usou por modelo para a criação da Academia Brasileira de Letras). As vagas ocorrem quando do falecimento de membros. Os acadêmicos apreciam os candidatos, avaliando suas obras – é condição sine qua non para a candidatura – e assim definem suas preferências.

Recentemente faleceram os acadêmicos Eliézer José Penna, José Fernandes e José Mendonça Teles. Eliézer era o ocupante mais recente da Cadeira n° 5 e José Fernandes, da Cadeira n° 21. São essas as vagas declaradas, ato que se dá quando da respectiva Sessão da Saudade, quando um dos membros acadêmicos, por escolha do presidente da Entidade – hoje, a acadêmica Lêda Selma de Alencar – profere o panegírico ao confrade falecido.

Dentre os escritores que se apresentaram candidato, já me decidi pela professora Maria de Fátima Gonçalves Lima na Cadeira 5 e, ainda com o prazo de inscrições aberto, comprometi-me, de coração também, com o poeta e crítico literário Adalberto de Queiroz. Ambos são amigos da minha predileção, a quem admiro pelo trabalho desenvolvido na literatura praticada em Goiás.

As exigências formais da AGL são simples, tanto pelas condições pessoais do candidato (ser goiano residente no Estado ou aqui viver por pelo menos cinco anos, ser autor de livro), mas a sua relação com o meio literário e, obviamente, com o quadro acadêmico, definirão o gosto dos eleitores. De minha parte, finco pé no critério seletivo em que busco votar naquele que mais compromissos demonstra com o meio literário – como a sua produção, a qualidade de seu texto, a criatividade, a prática constante nos procederes da Educação e da Cultura, o amor à causa, à Academia e a Goiás.

O candidato deverá também demonstrar bom conhecimento da língua pátria, exercê-la com competência e defendê-la sempre. Na esfera social, costumo me informar sobre a atuação do candidato na aproximação com os jovens, buscando desenvolver neles o gosto pela leitura e o interesse pelos autores locais. Entendo também ser de boa referência o candidato à “imortalidade literária acadêmica” demonstrar que cultiva a boa prática de orientar e auxiliar jovens escritores. A imortalidade não é algo que se tenha por “imorrível”, como bem gosta de dizer a presidente Lêda Selma, mas isso se faz pela continuidade. Gosto de lembrar que na nossa juventude – aqui faço alusão aos septuagenários e sexagenários de agora – tivemos escritores veteranos que muito nos ajudaram, como Anatole Ramos, Carmo Bernardes, Yeda Schmaltz, Joaquim Machado de Araújo e muitos outros. Esses saudosos amigos já nos deixaram, mas cabe-nos continuar o seu empenho de assegurar a prática das letras, como autores e leitores, para a posteridade.

Voltarei ao tema, sempre. E espero voltar em breve, quando se iniciar o trabalho de sucessão à Cadeira n° 32, que teve José Mendonça por Primeiro Ocupante. Espero que nomes de realce nos quesitos acima referidos se apresentem e que eu possa escolher o autor da minha preferência para estar conosco. Por enquanto, votarei em Fátima e Adalberto, esperançoso em suas vitórias.


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Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.