Páginas

domingo, janeiro 31, 2021

Bela sem espera


Bela sem espera

 

Viver exige, viver cansa; viver 
é driblar desafios; procurar vantagens 
e vitórias. Vitórias?

 

Terminar o ano sem contas vencidas,
passar de ano, viajar
no Ano-Novo e no Carnaval,
mudar o sobrenome, ter filhos,
posar de madame
e sentir-se amada, protegida.

 

O doce vira fel se não se é
protegida ou amada.
O céu se faz roxo, verde musgo, grená.
A música vira martírio.
Nada do que é ou nos foi belo
interessa mais.


Palavras são punhais. 
E vem a dor do infortúnio, questões acerca 
do que vale a pena.

 

Um amor marido que não se tem por seu.
Um filho que se divide
e a outra – a outra que posa
vitoriosa.

 

E eu-mesma, que me sei
dispensada. Não amada,
mas esquecida. Não mais "meu bem",
mas um estorvo.

 

Cansa!


* * *

Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.


sábado, janeiro 30, 2021

Será nuvem?

 

Será nuvem, será?

 


 – É que aprendi, não se deve gastar munição à toa ou como, dizem os desse meio, com alvo ruim. Você é alvo ruim. É como atirar em nuvem. As nuvens são frias e amorfas.

– Será?

– Uma bala abala-lhes moléculas ou cristais de vapor d'água, apenas, e sequer lhes afetam as formas, porque as nuvens têm qualquer forma. E para mim – especialmente para mim – você virou nuvem. Bonito de se ver e tanto mais bonita quando mais distante. Frias na intimidade, perigosas quando resolvem agir.

– Que analogia, hein.

– Já notou o quanto elas (as nuvens) nos parecem carinhosas? Não dá vontade de ser abraçado, acolhido por elas?

 Nas horas em que lhe olho os olhos brilho-me de luz, a sua luz. Quando feliz, tem um tom de mel, castanho claro a sugerir doçura. Se nervosa, lembra o verde de mar raso, translúcido – mas de mistérios indecifráveis. E há os tons de nuvens...

– Nuvens?

–Sim, as nuvens... aquelas que aparecem em tempos de céu azul, azul demais, são claras e muitas, feito manada de nelore. Mas não se unem, espalham-se no céu e são chatas, como se postas sobre um tampo vítreo, incolor e plano em mesmo nível. E há Estratos – aquelas que lembram escumilha, filó...

– E as de chuva!

– Terríveis! Assustadoras, essas. São as de tom escuro, cinza e chumbo, trágicas e indevassáveis. Feito os olhos de Stela: taciturnas, casmurras, sorumbáticas e tristes.

* * *

Luiz de Aquino, poeta. Da Academia Goiana de Letras.


sexta-feira, janeiro 29, 2021

O ponto

O ponto

 


Quando a água lamber seu corpo
mornamente e acariciar
cada poro e cada pelo...

 

quando a água escorrer
por sua pele tal como
sonha a minha língua...

 

Minhas mãos cuidarão
de suas costas, nuca
e nádegas
e entre,

 

e no mais quente dos pontos
de seu corpo,
nos seus mamilos
a eriçar-me sonhos...


* * * 

Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

Calor: flor e almíscar

 




Calor: flor e almíscar

 

Das tépidas águas nascidas das rochas,
oriundas de fendas profundas,
nasci ansioso de ar e odores.

 

Planeta tinha a crosta jovem
como pele adolescente, suscetível
a acnes e pústulas.

 

(Era assim, dizem os livros,
a face brasilis em tempos
do paleolítico).

 

Ante meus olhos, a serra;
cicatriz na pele da Terra
em minha terra natal.

 

E os estudos que contam
das águas percoladas que brotam
do chão com calor de vulcão.

 

E do longe, das escarpas
doutras terras, noutra serra,
a vida em rubr’anil de lavanda.

 

Vi-lhe fotos de rosto e paisagem,
a encosta serrana, o sorriso em Simone
e o indício do aroma:

 

Alfazema, disse ela; buquê
de lavanda, feitiço de almíscar
e de âmbar.

 

Termas o odores, nós ambos
ante a flor de lavanda;
e um som de Chico e Tom.


* * *

 Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

quinta-feira, janeiro 28, 2021

Oferenda

 

Oferenda

 

 

Eis um peito de pelos fartos 
a oferecer-se feito leito 
para afagar a poetisa 
sensível e sofrida.

 

Eis meus olhos de mirar, 
e minha boca de beijos 
a acolher teus encantos.

 

Minhas mãos querem as tuas. E 
minha pele espera a tua, 
parceira e cúmplice para o amor, 
os segredos guardados 
no cofre das almas 
ao luar.

 

Agora, vem e espera. 
E faz dos meus lábios os ouvidos 
para os segredos de tua língua 
a enlaçar-se com a minha 
num passeio de hormônios e amores.

 

A noite é nossa!


 

 * * * 

Poeta Luiz de Aquino (da Academia Goiana de Letras)

terça-feira, janeiro 26, 2021

Memórias


 
Memórias

 


Em algum tempo desta mesma saudade,
um gesto, um sorriso, uma palavra banal.

No espaço sobre nossas cabeças
há imagens que fizemos perenes.

Não nos dissemos belos,
não nos sentimos felizes.

Apenas nos sabemos
inesquecíveis.


* * *


Poeta Luiz de Aquino (da Academia Goiana de Letras)

segunda-feira, janeiro 25, 2021

Em João Pessoa

Em João Pessoa



"De São Francisco, no
 plangente bronze..."


O famoso Centro Histório, orgulho nacional.




Morasse eu em João Pessoa
poderia ler nas ruas,
edifícios e pedras
a História. 

Acordaria ao sol nascente
(sem horários de verão):
caminhadas na praia,
sorrisos, bom-dias
e a volta − o leite
pão e frutas,
veria jornais da tevê
− não haveria perder tempo. 

Morasse em João Pessoa,
teria assunto
e poetas com-quem: Lau,
Antônio, Dira e André,
Limeiras irmãs e Joana,
Linaldo primo e Petra
e Suzy, também − sarau. 

A tarde ao fim,
Jacaré Cabedelo: o sax de acordes
faz o dia dormir
(mais cedo, que aqui
é Leste demais).


            Morasse em João Pessoa,
            ai!
            Morreria de saudade
            de Goiás.


Goiânia
Caldas Novas
Rio Araguaia
 

Pirenópolis


* * * 

Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.



domingo, janeiro 24, 2021

Nova Era Minas

De um conjunto de poemas exaltando Minas Gerais, este domingueiro, numa viagem de carro há 35 anos:


Nova Era, MG.


 IV – Nova Era Minas 
(Nova Era, vista da rodovia, dezembro/86)

 

Estão cheios os rios de Minas
no domingo derradeiro.

            Não há nada mais mineiro
            que uma tarde de domingo.

Os rios de Minas estão cheios
e as estradas de Minas enfeitam-se nas margens
com as cores todas de trajes domingueiros.

            Não há nada mais domingueiro
            que o povo mineiro.

Meu jeito goiano viaja veloz
nas estradas de Minas.

            Amanhã tem Bahia
            para eu ver o que tem.

Nas rochas negras do vale do aço
nem sei o traço para o amanhã.
Nova Era, talvez, vulvamente espremida entre morros,
beijada de manso pelas águas, torrentes
das chuvas de Minas sobre o rio.

Na tarde de Minas, domingo final de dezembro,
ainda chove em pedaços de tarde.

 

E ainda há Minas, José!,
apesar das estradas esfaceladas
ante a pujança do aço
no doce vale.


 * * *

Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.


sábado, janeiro 23, 2021

A moça à porta

 


A moça à porta

 

Moça magra de vestido claro
à porta.
Sorriu para mim, recitou bom dia
e tinha nos olhos
luzes que o sol tentava pôr na manhã.
Era novembro.

(O som de vozes enricou o palco
de São Joaquim).

A moça alta de vestido claro
contou coisas de ler e letras.
Ao falar, encheu o ar
de mel e música.

(Houve a tarde de sol cáustico
mas há o sempre Rio Vermelho e sobre ele
debruça Cora, casa e passado).

Quintal de muitas ateiras.
canto sonoro de pássaros.
O sol promete ir embora.
A moça alva de vestido claro
enfeita a soleira.
Nossos olhos fulminam-se, doces.

Mais doces são os lábios
colados silentes na despedida.


 * * *

Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

Canto de Amar - epígrafe



Epígrafe, in Canto de Amar:


Verás a minha Lua:
Virás à minha Rua, 
Serás a minha Nua.



Maja Desnuda, de Goya.


* * *

Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

quinta-feira, janeiro 21, 2021

Impressão




Impressão


Amor à primeira vista: 
beija-me
antes que eu desista.



* * * * *

Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras

quarta-feira, janeiro 20, 2021

Seda e Bombom

        Meu poema mais recente, ricamente ilustrado pelo artista plástico (parceiro e amigo) Nonatto Coelho: 



* * *

Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.
(Montagem: Lucas Leão Alves)

terça-feira, janeiro 19, 2021

Cantata pra te trazer de volta


Cantata pra te trazer de volta

Postei uma carta que não vais ler.
Tentei telefonar e minha voz se perdeu
no éter, sem ter teu ouvido à minha altura.

Havia histórias e histerias, havia fumaça
e muito pó em sua esteira
e eu te sabia envolta em besteiras
porque não me escrevias, não me procuravas
e a tua saudade doía fininho num canto desfeito
do meu peito desencantado.


Postei um sorriso amargo que não vais sentir
porque não estarás onde te imaginei
e porque vão chegar os estranhos
para encontrar meus recados.
Houve amores e preferiste desamar.
Tentaste amar e reamar e não te entenderam
(os entendidos, estes sim, te fizeram mais
e sempre mais confusa
até te confundirem com tuas bonecas
quando eras ainda, mais bela que elas).

 

Maquia-me a alma, querida Amiga,
e dá-me outra vez tua mão. A minha, agora,
estará mais segura e afagará teus cabelos
de espiga dourados
e tuas lágrimas irrigarão minha palma de irmão.
Fala comigo, ri o teu riso agudo que me faz feliz 
e me convence de recriar esperanças 
porque sempre acreditaste na esperança renovada.


Vem até mim, beija-me o rosto com o espalhafato
da tua infindável alegria,
Eu te farei sorrir outra vez
e esquecer na penumbra do inconsciente
as imagens do belo que te traiu
porque haverá outros menos belos
que nada perguntarão.


Dá-me as tuas mãos,
e não jorrará teu sangue:
por tua boca, farei que absorvas um licor mais doce
e me darás em troca o carinho sonoro
da tua voz outra vez,
como a recordo,
com uma saudade imensa. 

* * * * * 

Luiz de Aquino, poeta, da Academia Goiana de Letras.

segunda-feira, janeiro 18, 2021

Som e alvorada


 Som e alvorada


Isso de ser assim e morena
é algo além do que vejo
e almejo.


É jeito de voz, movimento,
música e dança: espaço ocupado
com graça. 
E reverbera.


Presença e toque que prendem
e encontram. Alma
que aquece a minha.


            Feito luz
            que vem do mar
            e vira dia.



* * * * *

Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

domingo, janeiro 17, 2021

Imagem


Imagem

 

Apenas cores e traços de luz 
a definir a forma, corpo face e pelos 
e olhos boca nariz e carne sob pele.

                         

Há o olhar de ser feliz 
e sorriso que o assina: aval. 
E mexe com meus sentidos.

 

A moça é segura 
de si e do dia em sol, entre 
a água e árvores.

 

Leio ternura; anseio o beijo 
dos lábios carmim; mas, pena! 
É apenas uma fotografia... 

* * * * *

Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

sábado, janeiro 16, 2021

À moça de ontem

 


À moça de ontem


Ela se foi e ficou
um gesto e a promessa
de hoje, às quatro e tal.

Ficou um silêncio
de triste
e ficou esperança.

A moça de ontem
olhou-me por dentro
e de dentro.

Que mãos de cândida
e voz de cantiga!
É anja, a moça!

Vestia rendas de alva.
Nos olhos brilhava mel
e me beijava.

A moça de ontem se foi
e era linda.
Quanto tempo, moça!


* * * * *
Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, janeiro 15, 2021

Luz dos olhos

 


Luz dos olhos

 


Toda bonita e cheirosa
emana dos olhos luz intensa,
ora azul, ora rosa; às vezes violeta.

 

Luz que me chama
para o Sol, quando dia,
e para a Lua, quando feliz.

 

Se te olho em tempo maior
desnudo-me de defesas,
não penso em investidas...

 

Sou servo fiel, leal escudeiro
que se arma de sabres e pistolas
e acende avisos de alarma!

 

Quando encontro teus olhos
acolhendo os meus,
desnuda-se a moça. 

 

Encanta meus sonhos,
ilumina-me de força
e me chama ao amor.

 

Olhar que me invade a retina,
expande-se em mim
e te cobre em louvores.




* * * * *


Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

 

quinta-feira, janeiro 14, 2021

Que te ame, apenas

 


Que te ame, apenas


Deixa, amada, que te cubra a testa
de sussurros apenas audíveis
que se confundem com beijos ternos.

Deixa que a ternura dos meus dedos ágeis
te explorem seguros
a pele morna do desejo aceso.

Deixa, amada, que te beije a alma
pelo vão dos lábios que me ofertas serena
e ao cingir-te o corpo nas palmas abertas
te sinta em posse incontestável,
mas também me entregue
por sentir-me assim tão teu
e certo da comunhão de orgasmos.

Deixa que te ame.
Apenas.

* * * * *
Luiz de Aquino, poeta. Da Academia Goiana de Letras.



quarta-feira, janeiro 13, 2021

De beijos e afagos

 

De beijos e afagos

 

Ao meu lado, perto ou longe,
tens meu beijo nos cabelos
e colho teu mel de ternura.

 

Selo teu riso ao silêncio,
de um beijo aposto entre os cantos,
as vírgulas de sua boca


(amo esses extremos
como também amo os cantos
da tua voz musicada). 

* * * * *

Luiz de Aquino, poeta. Da Academia Goiana de Letras.



terça-feira, janeiro 12, 2021

Esses meninos sob a águia

 Em 1963, cheguei ao Liceu de Goiânia, cursando o 1° ano do Clássico - uma das versões do Colegial, curso equivalente ao Ensino Médio de agora. Em 1969, voltei ao Liceu como professor e tive a alegria desse ofício, na minha antiga casa, por dois anos. 

Este poema, escrevi-o em 2011 para a capa de um CD idealizado pelo Dr. Pedro Dimas, médico, ex-aluno, num jantar de confraternização (do Bartolomeu, do Engenheiro Pedro Vasco, também ex-aluno) dos antigos estudantes e ex-professores do Liceu naquele final de "anos 60", com músicas daquela época. 

O imponente edifício do Liceu de Goiânia (1937)

Esses meninos sob a águia...

 

Era um tempo de homens rudes,
mulheres doces - seres severos…
Tempo de nós muito jovens.

 

Sonhamos crescer, lutar... Quem sabe?
Alcançar liberdade – palavra perigosa, 
vigiada e guardada a chave.

 

Meninos grandes de uniforme bege e branco;
jovens mestres de jaleco, pastas, livros
e giz ante o quadro escuro...

 

Quadro negro, quase sempre verde...
Lousa, massa e cimento
berço de textos e contas – lições.

 

Calça cáqui, sapatos pretos, saias medianas;
Meninas de meias brancas, muito alvas 
 um rigor religioso, aquele!

 

No peito, a águia! Vigia solene,
asas abertas ao voo
viagem no tempo a vir!


E o sentimento de fé e sonhos. Marcamos: 
            – sine die, seja sábado e noite, 
            mas em quarenta anos (ao menos).  


Bico-de-pena por Di Magalhães


* * * 

Luiz de Aquino, moço professor de 1969-70, feliz outa vez entre vocês!

segunda-feira, janeiro 11, 2021

Seja lembrança

 



Seja lembrança

 

Deixa ficar só assim
esse amor de arremedo,
essa lembrança de nós.
Há de haver sempre o carinho
dos teus passos encurtados,
passos raros, leves, soltos,
de pernas bem torneadas
(imagens inaugurais
aos meus olhos de tesão).

 

Deixemos que fiquem assim
as imagens de nós dois,
imagens de curtas viagens,
dos beijos primeiros em meio
às mordidas do bíblico pecado.

 

Seja assim tua lembrança
no carinho das compras primeiras
e na estreia do leito a só.

 

Só? Só. Mas tu estavas,
silente e afetiva presença:
mão macia em meu cabelo,
meu peito feito travesseiro
no teu rosto de esperança.

 


* * *

Luiz de Aquino, poeta (da
Academia Goiana de Letras).