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sábado, junho 27, 2015

Ana Maria, a do Zé...

José Mendonça com Ana Maria, que se foi na quarta-feira, 24 de junho de 2015 (Foto - Flavio-Isaac/Jornal Opção).


Ana Maria, a do Zé...



Não fosse ela, a história da produção e dos bens culturais de Goiás seria outra! “Muito outra”, como dizia um amigo de meu pai para enfatizar graves diferenças. Parceira inseparável do advogado, professor, escritor de prosa e verso, líder e ativista cultural, presidente da Academia Goiânia de Letras por mais de dez anos e por tempo similar do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e, para não parar jamais, presidente do Instituto Cultural que leva seu nome e está sediado na casa em que a família morou nos primeiros tempos de seu casamento.

Parceira, sim, não apenas no conceito do estado civil, mas de atuar com a lealdade que a literatura consagra, como Cervantes imortalizou em Dom Quixote. Era com ela que José Mendonça Teles se abria de imediato, expondo em segredo de curta duração seus planos e projetos. Curta duração? Sim, porque assim que compartilhava com Ana Maria a sua nova ideia, as ações já eram iniciadas e logo, logo as coisas começavam a mudar.

Isso inclui as obras do mestre José, as decisões dele de se empenhar para vir a ser presidente da AGL e do IHGG, para participar de congressos e encontros culturais pelo Brasil e o mundo (participei de alguns desses ao lado de JMT, ora no Rio de Janeiro, algumas vezes em cidades do Rio Grande do Sul e uma em Jerusalém e outras cidades de Israel).

Impossível, pois, citar José Mendonça Teles sem que a imagem de Ana Maria nos venha. Impossível imaginar o José, em suas atividades várias, sem a presença alegre e contagiante de Ana Maria.

Entristece-me demais a notícia do desenlace, mormente porque só soube após o sepultamento (saí de casa bem cedo, com intenção de voltar logo. Mas ao fim da manhã tivemos, Mary Anne e eu, envolvidos com um probleminha de saúde do Lucas, o que nos tomou muitas horas). Eram mais de 19 horas quando recebi as mensagens via Net e, entre elas, belíssimo texto do amigo e confrade Iuri Rincon Godinho, amplamente divulgado nas redes sociais e na imprensa.

Ana Maria era a companheira de todos os momentos. Ao acompanhar o marido, tornava-se também nossa parceira e por ela existir tornava-se praticamente impossível não se localizar o José – era ligar e ela atender, ouvir nosso apelo ou mensagem e de imediato informar o marido. E era-nos também estranho ver o José Mendonça em algum evento sem sua parceira – a ausência sempre era notada e ele esclarecia, sorridente, a razão da impossibilidade momentânea.

Com a ausência de Ana Maria, Alessandra e Giovanna – as filhas – desdobram-se a zelar do pai, ofício a que se dedicaram sempre, envolvendo a mãe, exemplo inevitável e digno de ser seguido. A tristeza que de certo invade o Zé Mendonça é uma tristeza também nossa, dos confrades, parceiros, amigos, companheiros de muitas lutas e embates. Mas também é nossa a missão de segui-lo de perto, de tentar preencher um pouco do vazio.

Todos, indistintamente, sabemos o tamanho da dor e a extensão da tristeza. Deus escolhe nosso tempo, nossos momentos e recolhe-nos quando se cumpre nosso destino na vida terrena. E os amigos do Plano Espiritual hão de ter acolhido e instalado a nossa Ana Maria em certeza e conforto para que, do Alto, continue zelando por todos os que lhe foram queridos neste nosso ambiente tão conturbado.



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

quinta-feira, junho 25, 2015

Um casamento em Pirenópolis




O propósito era fazer diferente, isto é, unir-se formalmente pela Lei dos Homens e sob as de Deus, mas sem os signos e marcas dos segmentos religiosos convencionais. Assim, convidaram-me para celebrar essa união, que se deu num dos mais aprazíveis ambientes deste Planalto Central, sob a égide da Poesia e, obviamente, do Amor que os motiva (L.deA.). 









Lorena e Ricardo, 20/06/2015


Estamos juntos nesta tarde de sábado, dia 20 e é junho, atendendo ao chamado de Lorena Fernandes Gomes e Ricardo de Pina Freitas, esses jovens lindos e amorosos que, encantados numa noite pelos sons do ambiente, na harmonia musical dos cantadores destas terras dos Pireneus, decidiram unir suas vidas. E fazem isso evocando o nosso testemunho, para nossa alegria, envolvendo-nos em sua história.
...

Eu sei, como poucos, o quanto nos encantam os sonhos destas serras e cachoeiras. Não somente pelo cantar dos pássaros ou o esturro das onças que povoavam as matas em nosso redor, não apenas pela cascatas que cantam, sob o arranjo do vento nas folhagens e no troar das chuvas. Há o Sol e a Lua, astros atrevidos aos nossos olhos e sentidos. O resultado é a sugestão das artes, desde a mistura das cores e formas sob os pincéis e os cinzéis, tão familiares ao grande santeiro Veiga Valle até os mais sensíveis olhos e ouvidos de tantos nativos e visitantes, adventícios e passantes.

Esta terra, no sopé dos Pireneus de Goiás, atrai viajores eventuais e, sobretudo, os voluntários, os que aqui vêm para confirmar nossas práticas, nosso folclore, nossas artes e nossas vidas – e muitos tornam-se parte delas, sim!

Das artes plásticas aos registros documentais e poéticos, das histórias contadas e dos versos cantados, aparece a música – a mais expressiva dentre todas as artes, no conceito deste poeta – que é o referencial maior na história de Pirenópolis das ruas tortas e dos luares de tantos sonhos e delírios!


E voltando a Lorena e Ricardo, sinto que as palavras trocadas após o cruzar de olhares, gestos e presenças, essas coisas costumam seguir-nos nas horas seguintes, embalam nosso sono e muitas vezes invadem os nossos sonhos.

Foi assim com eles, sem dúvida!

A gente sabe, a lembrança fica forte no dia seguinte, e dela, dessa lembrança, nasce a vontade do reencontro. E este, quando se dá, semeia no peito da gente a semente do doce, do meigo e do amor.

E foi assim! Alguns encontros mais, a certificação da alegria e dos prazeres, a sinceridade de propósitos, a comunhão de ideias e planos... Até que, poucos meses depois, dá-se um grande momento – precisamente no dia 9 de março – em que o moço olha com doçura e firmeza no olhar da moça e lhe pede: “Namora comigo!”...

Ela não vacila, põe mais brilho no belíssimo olhar e aquiesce.

As conversas seguintes são mais sólidas e profundas, nenhum dos dois oculta mais o desejo de consolidarem-se, de comungarem suas vidas. Quem sabe não é tempo de se pensar num futuro longo e promissor, com o propósito de lançar ao futuro a continuidade de suas origens?

Ora! Tudo isso está no ideal das pessoas e define-se no mais importante livro da Civilização Ocidental – a Bíblia – quando conceitua a “continuidade das espécies” num modo poético e universalmente apreciado, que o poeta traduz assim:

Juntou Deus a água ao pó, e fez-se o barro. 

Soprou Deus a escultura e fez-se o Homem.



“Deixará o homem o pai e a mãe e se unirá a sua mulher e se tornarão uma só carne”. Lorena e Ricardo buscam, juntos, esse caminho: o da feitura de “uma só carne” a partir de sua união.

Nada mais justo, nada mais limpo e lindo que isso: a união de gêneros e sexos, com afeição sincera e lealdade recíproca. Lorena traz consigo projetos e sonhos, que absorve em amor, porque é de amor que se faz a vida. E, certamente, a vida, agora nova, há de se expandir para ela e Ricardo: “Uma só carne”, como preceitua o texto bíblico.

Fiat pax” (faça-se a paz) entre os gêneros, porque é nosso propósito a harmonia dos seres com o almejo à reprodução e à boa formação moral e intelectual, saudável e duradoura dos nossos frutos.


Quando os nossos corações pulsam, pela nossa sobrevivência, ou se aceleram pelas nossas emoções, repetem a energia que imprime a música de todos as coisas. Cada um de nós é peça de uma grande máquina chamada universo, mas nada é mais importante para cada um de nós do que nós mesmos – até que encontremos alguém cujo olhar invade o nosso, cujas palavras se confundem com as nossas e nossos pensamentos começam a parecer iguais. É o amor que nasce!

O amor é grande, muito grande! O que nos cabe é pequenino e pouco; se nos parece grandioso é porque nossas forças são limitadas, mas somos indispensáveis a nós mesmos e aos que nos são mais próximos – especialmente aos que nos são queridos, como os que aqui estão em regozijo com este propósito de Lorena e Ricardo.

Somos, então, seres sensíveis e racionais, ativados por um espírito que nos induz e nos conduz a um constante aprimoramento social e moral. Não nos unimos em matrimônio sob o êmulo das riquezas materiais, mas pela ânsia de melhor fazer pelos que nos são pósteros e, de um modo egocêntrico, mas não egoísta, de também crescermos.

Hoje, o móvel de Lorena e Ricardo é o amor. E, ao se unirem, fazem-no com preces ao Criador, pedindo-Lhe que lhes fortaleça esse amor. E que lhes proporcione a paz para a tolerância ante suas diferenças.

Que Lorena e Ricardo tenham também, sob a luz do Pai Criador, otimismo para vencer os dias e seus testes, o futuro e suas surpresas. Sejam abençoados, pois, para alcançar, se não todos, os principais sonhos dessa união.
...

“O maior compromisso no amor é ser feliz sem receio”, canta em sua mais recente canção, em parceria com Paulinho Pedra Azul, o nosso Pádua Cantador – e essa música me foi mostrada por ele ontem, é muito nova!

Acrescento ainda que o amor é o desejo de se possuir o que é bom.

O amor é o desejo do belo, ele é delicado, é virtuoso... O amor é poeta!

Mas é preciso ter cuidado... O amor pode deixar entrar o ciúme – e o ciúme costuma matar o amor! Quem ama confia. E o amor vira flor, o amor cria asas e nos leva longe e alto!

Abençoe-os o Pai dos Homens, dos bichos e das plantas, das águas e das montanhas, dos horizontes visuais e dos nossos sonhos.

Que assim se faça!



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sábado, junho 20, 2015

Tudo muda... Será?

Tudo muda... Será?


Até a década de 80, cada profissão dizia-se uma classe de trabalhadores. Mas veio a redemocratização (?) e decidiu alguém que classe é toda a massa operária, aliás, todos os que de fato trabalham, e os segmentos profissionais seriam, a partir dali, categorias.

Alguém visto em ato criminoso era dito autor, ladrão, assassino, agressor etc. e tal, mas depois do “politicamente correto” a pessoa vista, testemunhada, filmada, demonstrada, confirmada só pode ser chamada de suspeito; somente após uma condenação transitada em julgado o tal pode ser qualificado como bandido.

Até há bem pouco tempo, os rios e as rodovias tinham duas margens – no caso dos rios, a direita e a esquerda; no das rodovias, considerava-se um trajeto e era comum falar-se em margem sul e margem norte, ou margens leste e oeste; agora, os coleguinhas da imprensa falam que um bar se localiza às margens da Rodovia Tal – como se a palavra margem tivesse ganhado o status de uma outra muito especial: óculos, que só se escreve e se fala no plural, com a devida concordância.

Velho virou idoso e velhice é melhor-idade. Preto agora é afrodescendente ou negro. Gordo é alguém acima do peso. Homossexual era chamado, há um século, de “desviado de conduta” e daí advém a expressão “viado” – que muita gente supõe ser uma analogia ao belo e esguio mamífero veado, mas não há nada a ver.

Decorrida apenas uma década deste século, eis que o povo nacional elege uma mulher para presidir o Brasil. Inovamos, e muita coisa mudou – dizem. Mudaram-se as cores dos ideais ou a essência e a têmpera deles? O partido da ética e das causas sociais reafirma a índole de seu antecessor e continua terceirizando e privatizando, prestigia o segmento financeiro e brinca de inserir pobres na classe média – mas poucos meses após a reeleição vemos a classe média migrar para a pobreza e o desemprego assustando muito mais que os altos índices inflacionários.

Março era o nosso mês da Poesia, porque há décadas tínhamos o aniversário de Castro Alves – 14 de Março – como Dia Nacional da Poesia. Mas alguém me escreve contando que um senador tucano – Álvaro Dias – propôs e conseguiu aprovação do Congresso, e a presidente Dilma sancionou a lei que estabelece 30 de Outubro, aniversário de nascimento de Carlos Drummond de Andrade, como Dia Nacional da Poesia.

Epa! Tudo a favor de qualquer homenagem ao poeta itaberino, orgulho de Minas e de todo o Brasil, mas porque “desomenagear” o Poeta dos Escravos? Claro, preocupa-me isso porque acreditei na informação que me foi passada, e estranho muito que os assessores do senador e da presidente não tenham atentado para isso. Se a moda pega, em breve teremos as homenagens a Rui Barbosa transferidas a outro jurista, talvez o ministro (do Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa – mas aí seria novamente substituir um baiano ilustre por um mineiro que orgulha seu Estado e a Pátria.

Estranhei muito isso, e espero sinceramente que a notícia seja mais um “fake” como tantos que rolam pelas redes sociais. Admiro, curto e me delicio enquanto aprendo nas leituras de Drummond, mas porque mudar o que vai bem? Deixemos Castro Alves como patrono do poetariado nacional e escolhamos outra homenagem para o grande poeta mineiro.

Das mudanças ainda não havidas, fico com a esperança de que troquemos o presidencialismo pelo parlamentarismo. Aí, sim, teríamos algo de mudança. Algo para de fato festejarmos.


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sexta-feira, junho 12, 2015

Preconceitos: da geografia à simpatia política

Preconceitos:

da geografia à simpatia política





Em 28 de julho de 2006 – sim, há quase nove anos! – publiquei uma crônica sob o título “De Goiás”, não “do Goiáis”. Comecei assim: “Na falta de mais ‘argumento’ para ridicularizar os goianos, inventou-se, em Brasília, de se referir a Goiás antepondo-se o artigo”. Semana passada, o leitor Evando Oliveira postou comentário, deixando claro que a ignorância, o preconceito e a provocação continuam – e tudo isso vem de “artistas” com nível cultural bem abaixo do ideal, cometendo erros crassos de linguagem, flexão, gramática, estilo e muita coisa mais.

Aliás, é notável ler comentários em blogs. No meu – http://penaporsiaporluizdeaquino.blogspot.com – são cerca de quatro mil comentários, em cerca de 750 crônicas publicadas nestes nove anos (desde que Deolinda Taveira o criou para mim). Não consigo transcrever aqui todos os comentários a propósito da citada crônica, mas posso bem contar quem os assina – o professor gaúcho Emílio Pacheco, a mineira Rita de Cássia (moradora de Brasília), meu amigo goiano (também residente em Brasília) Herondes Cezar (ele não debocha nessa locução), Wagner Noleto (saudade de você, amigo velho!), a jornalista mineira (de BH) Ariadne Lima, o poeta paulista André Luís Aquino, a jornalista (daqui mesmo) Rose Mendes, a professora Cláudia Pereira (carioca, moradora de Ouro Preto, MG, poetisa e pesquisadora), a poetisa goiana Nazarethe Fonseca, a advogada carioca Helena Coutinho e uma anônima conterrânea que, dois anos após a publicação (na época, vivia em Atlanta, nos Estados Unidos), separa bem as situações, dizendo ter “nascido EM Goiás” mas que é “DO Goiás” porque é o “verdão” o seu time amado. Aos que se interessarem, a crônica e os comentários estão em http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com.br/2006/07/de-gois-no-do-goiis.html?showComment=1433891616858#c1708646694216672710.

E transcrevo, a seguir, o comentário recente, do citado Evando Oliveira:

“Pois é... – diz ele - , 2015 e o assunto continua atual. Um dia desses surgiu uma tal de “Melô do DF”, de um fulano que se diz comediante. Além da péssima qualidade de “obra” e da coreografia sofrível, o fim é uma ofensa dupla aos goianos: apesar de todas as mazelas do DF, ele agradece por não morar NO Goiás, em seguida, questiona a inteligência de quem é DO Goiás. Morei 10 anos no DF (aqui, sim é NO) e sempre senti o preconceito dos candangos, principalmente daqueles que falam reZistro, tu tá, rambora, vinhé etc.” (os grifos são de Evando).

Ora! Desde a campanha eleitoral do ano passado, polarizada, no plano nacional, entre a presidente Dilma Rousseff, do PT, e o senador Aécio Neves, do PSDB, o Brasil deixou de ser vinte e seis Estados e um Distrito Federal para dividir-se entre os prós e os contras. Basta que um petista diga “bom dia” para que um oposicionista ligue o desconfiômetro na linha da “teoria da conspiração”, ou que um insatisfeito com o sistema vigente passe na calçada do outro lado da rua para que o governista o xingue de coxinha. Intriga-me: o que é coxinha na cabeça dos populistas pró-governo? E o que são bolcheviques para os alinhados com a oposição – como o comentarista “político” Arnaldo Jabor e sua grei?

Nas redes sociais, o preconceito geográfico, que motivou a minha crônica de 2006, saiu de moda para instalar-se o sectarismo ideológico (para uns), fisiológico (para outros) e meramente “racial” para os demais – estes, os que não conseguem sequer explicar porque odeiam o PT e seus aliados e que ignoram solenemente, por exemplo, que nos oito anos de Fernando Henrique o funcionalismo público e os trabalhadores das empresas estatais ficaram absolutamente sem correção de seus salários, com o dólar sendo multiplicado por cinco e os privilegiados daquela dinastia, como juízes e procuradores, tornaram-se os barões da atual monarquia, já que o PT também não conseguiu democratizar os rendimentos de professores, militares, servidores de nível médio e fundamental.



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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

domingo, junho 07, 2015

A vida em nova fase

A vida em nova fase

Ao crepúsculo, em véspera de Lua Cheia, a casa branca ganha um tom suave de laranja. 

Depois de uma semana, eis que consigo dormir até as 8 horas. Foi muito estranho... Desde os tenros anos vivendo no turbilhão dos sons urbanos, eis que me vejo morador na paz do campo, com o canto dos pássaros nas horas de Sol e o silêncio quase total na madrugada (revivo o desejo das saudosas serenatas!). Nas primeiras noites, acordei entre as 3 e as 4 horas, estranhando o silêncio. E os primeiros albores despertavam-me de vez.

A casa, como tal (o espaço físico), é-me, já, o recôndito (essa é antiga!) do lar, meu doce lar. Ocupo-me de incontáveis pequeninos problemas, como uma torneira que não funciona a contento, algo de irregular na boia da caixa d’água, a regulagem da temperatura do chuveiro – coisinhas prosaicas de que não trata a nossa vã cinegrafia.

Recordo momentos mil dos últimos seis ou sete meses, desde os primeiros passos na burocracia do financiamento até o girar das chaves nas portas, o fechar das vidraças, a verificação das luzes... Empacotar livros e louças, utensílios mil de qualquer família, o exercício físico que nos estressa e causa alegria, o desfrutar das novas paisagens e o deslocamento constante ao centro urbano e as breves viagens a Goiânia...

Muita gente atuou (e atua) neste concerto de atividades e ações – a começar pela Taíssa, sobrinha arquiteta, planejadora e conselheira, pelos amigos da Caixa Econômica (Alex Siqueira em especial, mas sem me esquecer dos gerentes de negócios e tantos outros de contato).

Viajo uns meses mais no tempo, ou seja, a um passado maior, ainda que igualmente breve – o momento em que conheci o engenheiro Jonathas Carvalho. Ele acolheu minha proposta, abraçou a ideia e envolveu seu sócio Paulo Moura na causa – e, no caso, na casa – e logo, logo vi uma equipe de trabalhadores em ação, demarcando, rasgando o chão, ferindo-o em profundidade, fincando colunas de concreto e aço, aplicando armações metálicas, finalizando a estrutura; depois, a vedação, o aterro, o revestimento, as instalações... até o acabamento e os instantes a que me referi linhas atrás.

Elevo meu pensamento em ato de gratidão. Correu tudo bem, as coisas se deram a contento e pudemos nos mudar, Mary Anne e eu. Lucas não pôde, fica em Goiânia em função da universidade e do estágio, e a aventura da construção envolveu, de modo melhor, também os filhos mais velhos – Élia Maria, Léo e Fernando. Ah! E ainda tive o pequeno Gabriel, o segundo dos meus dois netos, como um dedicado fiscal de obra (o primeiro, Luiz Henrique, ocupa-se por demais com o trabalho e os estudos).

Em suma, é isso – vida nova em casa nova, muito o que fazer e solucionar, muito o que agradecer e referendar. Hoje, se alguém se arrisca a essa interessante experiência, fale comigo, pois tenho muitas dicas a dar. Especialmente no que se refere a indicar e recomendar os profissionais que me atenderam e citei acima, entre outros igualmente importantes e eficientes.

Deus lhes pague!

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da  Academia Goiana de Letras.


Proseando com o poeta


 







Salomão Sousa escreveu um belo poema, entre tantos outros belos, sob o título “Dar-se aos pregos e às léguas”. Deliciei-me das fincadas e andanças do vate da histórica cidade de Bonfim (que o mau-gosto de uns poucos, há mais de meio século, transmudou em Silvânia, sem que a bucólica cidade perdesse o encanto). Ele encerrou o poema com essa estrofe:

“...
perder-se para nascer
nas flores e nos olhos da terra
não ser o ferrolho inchado
o caruncho na madeira das íris”.


Falei-lhe do meu encanto, e ele retrucou, em mensagem fraternal: “As nossas viagens são as mesmas, com as mesmas íris e o mesmo sol, o mesmo terreiro de chão goiano. O difícil, para nós, é abrir porteiras para fora de nosso rincão. Vamos manter viva a nossa infância, senão perdemos a nossa rebeldia”. Perdemos, não, poet’irmão! Não a perdemos, pois exercemos essa teimosia de menino birrento, daqueles a quem os castigos da sobremesa não atingem, porque havia os quintais de múltiplas frutas, nem o cerceamento da liberdade por algumas horas, porque os córregos da meninice estavam ali, “de grito” (*); a toxina dos defensivos ainda não exterminara as piabas que colhíamos em anzóis miúdos, em linhas curtas de varas de bambu. Nosso grito de pirralhos embirrados ecoa não no espaço entre paredões, mas na lonjura do tempo que enevoa nossos cabelos e esturrica nossas peles.


E que revéis, somos nós! Crescemos sob o tacão de um regime duro e cruel, mas não esmorecemos; não nos dobramos, como os caniços que nos valiam por varas de pesca, mas não enraizamos tanto que a ventania nos arrancasse do chão benfazejo. Altivos e livres, fechamo-nos por horas em leituras perigosas, mas capazes de nos fazer cidadãos. Cidadãos poetas, porque sem poesia não há liberdade (que o digam Agostinho, de Angola; José Martí, de Cuba; Federico G. Lorca, o espanhol; e Castro Alves, o nosso).

Vimos Godoy Garcia, José Décio Filho, Ieda Schmaltz e Afonso Félix de Sousa a gritar por nossa gente ante o arbítrio; vimos José J. Veiga e Bernardo Elis a prosear coragem na escuridão ante as idéias não permitidas. Deles herdamos a bússola dos inquietos, dos insatisfeitos e insurretos.

Temos sangue, Salomão, para a justiça decantada, sonhada e mal exercida; sangue que tinge nossos solos e põe sal no nosso suor de andarilhos das letras. Deixamos que os dias polvilhem de lembranças nossas almas doces e ingênuas, mas bravas o bastante para não se curvar. Temos as cores das areias da Serra Dourada, o vigor das pastagens na vertente do Piracanjuba e o calor termal da Serra de Caldas, acalentado em serenatas de Pirenópolis e dourado de pôr-do-sol de qualquer paragem Goiás. Comemos pequi e genipapo, ingá e guapeva; bebemos cachaça quilombola; dançamos pagode de roça, dançamos catira e, se deixarem...

Bem, se deixarem, contamos histórias de medo ao fogo do borralho, em noites de chuva. Mas não deixamos, não mesmo, de cantar poesia. Como não se fazer poeta sob o céu deste Planalto do cerrado, siô?

* * *

(*)Notas do autor: (1) “De grito”: expressão do sul de Goiás para dizer “é logo ali”. (2) Esta crônica foi publicada em junho de 2006. Republico-a em nome da nostalgia e da minha admiração ao poeta Salomão.