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domingo, dezembro 29, 2013

Renovar. Ou não...


Renovar. Ou não…


A gente não precisa ser tão preciso... nem tão sertão, ou sertanejo. Aliás, o termo sertanejo já não se refere mais ao que nasce ou vem do sertão, ou o que lá existe. Tornou-se referencial a quem, dono de algum dom de nascença (no caso, a voz; ou a musicalidade) escolhe aplicá-lo sem cuidar de algo trivial e de excelentes resultados – o estudo em torno de tal dom.

Mas eu falava de precisão, exatidão; ou de precisão, necessidade. E renovo a frase: a gente não precisa ser tão exato. Ao dizê-lo, quero referir-me ao fim de mais um ano, ou às vésperas da Passagem, que os franceses chamam de réveillon (e a gente repete aqui na terra brasilis: reveión). Sei de pessoas que correm atrás de pagar todas as contar e começar o ano em ritmo de nova vida, sem contas a pagar; e os que dedicam a última semana, estes dias pós Natal, para analisar os feitos dos últimos 360/365 dias: perdas e ganhos, feitos e adiados, planos e surpresas.

Tenho amigos que costumam sugerir-me, sempre, textos alusivos a essas datas – o mesmo repetindo-se no Carnaval, na Semana Santa, na Semana da Pátria et cetera. E, como “sou facim”, costumava atender... Até que me enchi daquilo. Era muito previsível, trazer textos festivos atrelados ao calendário. Eu costumava, por exemplo, duas vezes ao ano (nos primeiros dias de julho e em meados de abril) escrever sobre o nascimento de Vinícius de Morais (outubro) e sua morte (julho). Até que, já na segunda metade da década de 90, escolhi me calar. Foi o bastante para que os colegas da imprensa não se referissem ao Poetinha da Bossa Nova: eu não despertei as lembranças de ninguém.

Há um ano, comentei (devo ter escrito em algum lugar) que em 2013 era para se festejar o centenário do menino da Rua Lopes Quinta. Mas eu próprio não festejei esse centenário. E não o fiz para não parecer, a mim mesmo, injusto: muitos outros artistas especiais nasceram naquele 1913. E em 1912; e em 1914. Constatei que a década da Primeira Guerra Mundial foi pródiga em artistas talentosos e populares (Dorival Caymmi, Ciro Monteiro, Rubem Braga, Luiz Gonzaga, Jorge Amado etc. e tal), bem como a de 40, que já começou sob os fogos da Segunda Grande Guerra.

Entendi que os tais períodos pós-guerras são mesmo de grandes avanços, tanto nas ciências e na tecnologia quanto nas artes. Foi na década de 40 que nasceram poetas, compositores, cantores, instrumentistas e outros artistas mais, de ambos os gêneros, o grosso deles constituindo o que a mídia especializada chama de “a geração de ouro da MPB”.

Pensando assim, firmo ponto neste ponto: não é mesmo necessário ser tão preciso; basta que sejamos necessários, ainda que falhos. Alguém já falou que canalhas também envelhecem; passo a pensar que só temos por anjos aqueles que morreram mais cedo e não tiveram tempo bastante para se mostrarem vilões. Logo...

Logo, não foi exatamente em 2013, mas nos últimos anos, que descobri canalhas mascarados de amigos. Mascarados, sim, porque as faces reais não eram de amigos. Nem de inimigos admiráveis (admito: tenho alguns desafetos cujos defeitos são os que os impedem de me serem próximos). 

Mas é bom, ainda que fixados nas datas que fecham o ano, termos a certeza sobre ex-amigos. A gente precisa aprender a perdoar o próximo, mas principalmente perdoar a si próprio. Não sou um anjo de candura e perfeição, mas nos últimos dias tenho gostado de perdoar-me pelos enganos vários e reincidentes acerca de indivíduos a quem ofereci abraços e dos quais recebi risinhos sarcásticos.

Perdoei-me. E foi bom!



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sábado, dezembro 21, 2013

Medo de chuva



Esta publicação poderia ser ricamente 
ilustrada com fotos, desenhos 
etc., mas as imagens das chuvas, 
este ano, estão muito menos românticas 
que as dos anos anteriores.



Medo de chuva


Lembranças de infância costumam trazer cores fortes e odores precisos. Diziam-me os que eram adultos quando eu era pequenino que minhas lembranças não eram exatas (aqueles adultos, em sua maioria ou quase totalidade já se foram para o plano superior), e eu não conseguia, ante esses argumentos, modificá-las; achava eu que minha memória estava precisa – afinal, minha memória não mentiria para mim.

Ainda hoje, sem o testemunho contraditório dos “meus mais velhos”, lembro-me das coisas com as mesmas cores e os mesmos cheiros. E sons. De uma coisa, porém, tomei certeza posterior: os adultos que eu imaginava muito altos não eram mais que pessoas medianas – apenas eu era miúdo. Apenas? Não: meus amigos também eram miúdos, como eu.

Os temporais nacionais desta estação, esta transição da Primavera do Verão, incomoda o Brasil total, amedronta o Sul e o Sudeste, encharca o sertão do Nordeste, escurece o céu do Planalto Central, desliza montanhas aí afora, Brasil adentro; e desaloja pessoas, destrói pontes e casas, corta rodovias, leva pontes, derruba postes e árvores etc. E na continuidade, mata pessoas. O momento das notícias do tempo são mais esperados que as do esporte (entenda-se futebol, que o resto é comentário, apenas).

Esta manhã, sexta-feira, 20, às vésperas do Natal, amanheceu sem chuva em Goiânia. E o silêncio das gotas despertou minha memória para os sons das chuvas noturnas nas telhas de nossa casinha na avenida Coronel Bento de Godoy, em Caldas Novas. E não era apenas o som dos pingos fortes na cerâmica do telhado: era um momento, ainda que impreciso. Uma noite de Primavera, ou de suas vésperas, entre 1952 e 1954.

Aquela chuva me acordou, e era madrugada quase ao fim. O dia clareara e minha mãe, veio nos chamar, as aulas sempre começavam às 7 horas.

As folhas das árvores e dos arbustos enfeitavam-se com as pérolas da primeira chuva. O chão do quintal e das ruas mostrava-se salpicado das gotas, e eu olhava aquelas formas e criava fantasias: eram formações como as de uma figura de livro mostrando crateras na Lua, mas podiam também ser miniaturas de castelos – se as formigas e outros insetos construíssem castelos.

Mas a vida cheirava diferente. A gente dizia ser “cheiro de terra molhada”. Sobre isso, discuti com a professora, dona Vanda Rodrigues da Cunha: não é, não; é só cheiro de chuva. Se fosse cheiro de terra molhada a beira do córrego também tinha esse cheiro”. Ela me olhava em silêncio por cinco ou dez segundos; depois, beliscava-me as bochechas e me abraçava apertado, e eu não gostava, sentia-me asfixiado (década depois, ela me contou que se surpreendia com meus argumentos, sempre diferentes do que ela esperava).

E era, então, aquele cheiro... O cheiro da terra que recebeu água da chuva, mas só de pouca chuva, porque quando chovia demais o cheiro sumia. Prenúncio de frutas maduras nos pés, e nós meninos a reagir naturalmente, sem ensaios nem planos mirabolantes: iríamos povoar quintais e árvores, feito os periquitos em festas.

Tempo bom, aquele! Não tínhamos medo das chuvas, só mesmo alegria com sua chegada. Medo de chuva era coisa de adultos – pais e mães a nos chamar para dentro de casa, fechar janelas e portas, acudir com baldes as goteiras (quase todas as casas tinham goteiras) e ouvir histórias de adultos, contando de rios cheios e pontes cobertas.

Mas de que nos interessavam pontes intransitáveis ou rodadas nas enxurradas? Nosso mundo era o dos quintais e das ruas sem calçamento; os perigos ficavam só para a gente-grande. Problema deles, uai!


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domingo, dezembro 15, 2013

O balanço da Saúde

O balanço da Saúde



O que se  propunha a ser uma reunião para divulgar o balanço de atividades de três anos de trabalho, na terça feira passada (10 de dezembro), tornou-se, inevitavelmente, uma festa de congraçamento e de regozijo ante o anúncio ou a divulgação de fatos e dados, como números de atendimentos e valores aplicados.

Refiro-me à reunião convocada pelo secretário da Saúde do Estado, o médico Antônio Faleiros, que pôde reativar planos e projetos de um quarto de século atrás (quando foi secretário de Saúde no governo de Henrique Santillo, 1987/90). O evento contou com a presença do governador Marconi Perillo, que enalteceu os trabalhos de seu auxiliar e destacou-o como profissional e político, recordando o voto decisivo do então deputado federal que, em 1990, evitou que o PSDB apoiasse o governo Fernando Collor.

O enfoque político justifica-se: Faleiros deve deixar o cargo no final deste mês para candidatar-se à Câmara Federal. O governador manifestou-se disposto a, em comum acordo com o secretário, escolher seu sucessor em condições tais que permitam a continuidade dos projetos ora em andamento. E, em seguida, Marconi dirigiu-se aos funcionários (cerca de mil pessoas) da Saúde, comprometendo-se a “não concluir este governo sem ter aprovado o plano de cargos e salários” ora em estudos, em bases seguras e compatíveis com as possibilidades financeiras do Estado”.

A gestão atual de Antônio Faleiros repetiu a qualidade que, há cerca de 25 anos, ele imprimiu à Pasta; naquele tempo, dentre outros grandes feitos, ele instituiu e pôs a funcionar o Hospital de Urgências, HUGO 1 (Hospital de Urgências Dr. Valdomiro Cruz)  ) e os hospitais regionais. Agora, constrói o novo hospital de urgências na região noroeste de Goiânia, o HUGO 2 (Hospital de Urgências Otávio Lage de Siqueira). As outras unidades são os HUGO de Anápolis, Aparecida de Goiânia, Trindade, Região Sudoeste (Santa Helena) e os que estão em construção – Uruaçu, Santo Antonio do Descoberto e Águas Lindas.

Vem aí, também, e já está em bom estágio de formação, o complexo de Consórcios de Saúde, congregando municípios regionalmente, de modo a reduzir quilometragens e tempo de percurso para o atendimento de média e alta complexidade. Nesse esforço, tem-se a importante instituição dos Ambulatórios Médicos de Especialidades – AME. Trata-se de uma iniciativa já experimentada e aprovada em outras unidades federativas, com excelentes resultados em qualidade e custos.

Também nestes três anos, com ótimos resultados, realizou-se o Plano de Fortalecimento, beneficiando 22 unidades de saúde em 18 municípios, com serviços de média e alta complexidade em níveis regionais, descentralizando a assistência e interiorizando as ações da Secretaria.

Reativação e ampliação de leitos de UTI, investimentos de alta monta para a compra de medicamentos nas áreas de oncologia e queimados (cirurgias reconstrutoras), hemofilia e medicamentos de alto custo; apoio a instituições específicas como Vila São Cotolengo, hospitais filantrópicos e outras áreas estratégicas são itens de realce na prestação de contas do Secretário, que destacou também os avanços expressivos, em 2013, na área de transplantes.

Finalizando: a Central de Medicamentos de Alto Custo Juarez Barbosa atingiu, este ano, um valor superior a 88,5 milhões de reais em compras e atingiu, pela primeira vez, 100% do estoque abastecido. A CMAC atende 98.656 pacientes cadastrados (26.189 receberam medicamentos nos meses de agosto a outubro de 2013).

O relatório é muito, muito maior. Destaquei o que entendi como maiores evidências. A esperança, ao menos em mim, é a mudança radical do cenário de congestionamentos nos corredores das unidades de saúde em Goiás.

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sexta-feira, dezembro 06, 2013

Madiba e Clara: a Morte e a Esperança.

Madiba disse que vai dormir por toda a eternidade... Ele não sabe, mas não deixaremos: ele será evocado sempre!


A Morte e a Esperança


Neste Planalto Central, o Sol já se despedira, na noite de quinta-feira (5 de dezembro, 2013) quando as rádios e tevês noticiaram, em boletins extraordinários, que o líder sul-africano Nelson Mandela, de 95 anos, acabara de falecer. Sim, não era uma luz – mas uma energia diferente espalhou-se pelo mundo, dando início a um estado de comoção nos que têm informação bastante para saber o que significou aquele homem.

Venho dizendo há alguns anos que Mandela é o último estadista digno desse qualificativo no mundo. E o Século XX acolheu muitos estadistas respeitáveis pelo mundo afora – ao lado de um número parecido de facínoras que exerceram o poder sob o carimbo do arbítrio, provocando guerras de ganância e sede de sangue. No contraponto, tivemos Gandhi e Mandela.

No Brasil, digno do termo, tivemos Juscelino Kubistchek, que ganhou a injusta rejeição dos que, bairristas, não queriam perder o status e a concentração de verbas que mantinham os anos dourados,o fastio, o luxo que condenava à pobreza os povos de 90% do território continental brasileiro. Depois, tivemos o período de ódio e arbítrio, sem a legitimidade que se espera de primeiros-mandatários; e a ocorrência de aventureiros – ora príncipes, ora bufões – da ópera da redemocratização com que continuamos a sonhar.

Mandela é diferente. Madiba (o nome foi trocado na infância, pela professora; os brancos colonizadores não aceitavam os nomes nativos, substituía-os pelos de heróis ingleses) cuidou de crescer; depois, colocar-se a serviço de sua nação – e, ao fazê-lo, tornou-se referência para os povos oprimidos. Nem mesmo os 27 anos de prisão arbitrária ofuscaram sua liderança, sua dignidade e sua força.

A mídia publica, desde a notícia de sua morte, muitas frases fortes e capazes de sustentar ideais. Destaquei esta:  “A Educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo”. (Mandela, o Madiba).

Com isso, sintetizo minha homenagem de homem comum, anônimo e mínimo nesta humanidade – ora irascível, ora irracional – que tem tudo para ser melhor, mas prefere fazer-se cega e surda... Festejo, sim, a morte de um Homem para agradecer a Deus por nos tê-lo emprestado por 95 anos. Ao morrer, ele me enche de esperanças!

Do outro lado, no ângulo em que a morte é razão de lágrimas e lamentos, encontro a escritora Clara Dawn, num texto espontâneo e cordial, de dores e, sem que ela própria o perceba agora, de esperanças:

Clara Dawn: a poetisa lamenta em prosa e verso. Ela é grande e busca amoldar-se a novos tempos.

“... o céu que veio entardecer o dia do lado de fora da minha janela... Hoje, despeço-me destes portais e, confesso, os amei. Amei ficar um tempo aqui: o piso de madeira; a sala espaçosa; a lua cheia que sempre me despertava com seu clarão invadindo o quarto (cortinas abertas só para surpresa deliberada); bons vizinhos e a vinte passos do trabalho...Ah, eu amei esta janela com vista para a Catedral: em versos tantos, pensei debruçada no parapeito, olhando o indo e vindo das gentes...Mas esta casa, agora, é o leito de um fracasso... lugar que entristece-me, lugar em que sinto que fracassei na missão de mãe. Estou partindo... Novo lar, onde o "talvez" possa ser mais que "se". Não pensem que estou infeliz. Só estou sofrendo, é diferente. Jamais fui infeliz, sempre tive razões para louvar, mas essa é a primeira vez na minha vida em que choro sem a culpa pelos tantos em situações piores. (A gente se fala. Amo a existência de todos vocês).

É, como se vê, a dor da mãe pela perda que se fará presente por todos os dias de sua vida. Gostaria de convencê-la de que não falhou como mãe – as mães não mandam nos destinos dos filhos, estes também trazem de origem o livre-arbítrio.

E eu, humilde poeta, escriba menor desta província central, louvo-os com amor, Madiba e Clara!

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sexta-feira, novembro 29, 2013

"Múltiplo Leminski" no Oscar Niemeyer

Adriana e Iuri, e mais eu e Lucas Leão, como guardas da anfitriã Alice Ruiz


Múltiplo Leminski


Alice é uma mulher bonita. Paulo era um homem bonito. Suas filhas são belíssimas. Mas beleza física, digo sempre, é apenas um visual – digamos, um cartão de visitas. Depois dele, vem o currículo de vida (e é  preciso considerar que ambos, o cartão e o currículo, são elaborados pelo próprio, e isso se torna um tanto suspeito) e, por fim, a apreciação alheia, o “concurso público”...

Sobre o casal Alice e Paulo – ela Ruiz, ele Leminski – um referencial fortíssimo, para mim, é ligeiramente discreto: os nomes das filhas: Áurea e Estrela – ouro e luz. Coisa de poetas, isso de nominar os filhos com significados definitivos, marcantes.

Na doutrina espírita, contam que nosso nome é escolhido pelo espírito que vai se encarnar. Sendo assim, creio que o espírito que se prepara para a nova vida aconselha os pais, e estes atendem ou não – daí, e considerando os pais teimosos, sou levado a pensar que a escolha se fez por um “espírito de porco” – perdoem-me os doces bacorinhos – ou produtos da teimosia de pais inescrupulosos.

Mas voltemos à família Leminski. Recordo-me que foi Tagore Biran (1958-98) quem me despertou para os textos do poeta bigodudo, lá pelos idos de 70 a 80. Concordei, de imediato: Tagore, como eu, era apreciador especial de Manuel Bandeira (ganhei dele um exemplar de Estrelas da Vida Inteira; o poeta de Do Amor e da Ausência rabiscou sobre seu nome-autógrafo, danificando-o; mas hoje, tantos anos após sua morte, tenho aquela rasura como um modo carinhoso, também).

Em 1991, num voo conturbado de Goiânia a Porto Alegre, com conexão em São Paulo, conheci Alice e Estrela. Como nós (Brasigóis, Coelho Vaz, Malu, José Mendonça, Gilberto...), dirigiam-se a Nova Prata para o II Congresso Brasileiro de Poesia, evento que perdura sob a inspiração e a direção de Ademir Bacca. Ainda no avião, ganhei uma amiga: a menina Estrela, de 10 aninhos. A mãe, obviamente, veio no kit.

Vivemos três dias intensos de poesia e poetas, com os inevitáveis fatos que festejam minha memória. Ao reencontrar Estrela e conhecer Áurea, na última terça-feira, revivi alguns instantes daquele encontro (Alice eu revi duas outras vezes, sempre nos congressos de poesia que Bacca promove). E as reencontrei, feliz, na abertura da grande mostra que acontece até março próximo no CCON (Centro Cultural Oscar Niemeyer).

Ao rever Estrela na festa de abertura, estalou-me na lembrança uma amostra de talento e competência da pequena de dez anos. Na viagem de ônibus de Porto Alegre a Nova Prata, um poeta, naturalmente querendo agradar Alice (autoridade em haicai), compôs meio às pressas um poema no gênero do modelito japonês, num texto “quebrado”, rimando viagem e paisagem. Meio discreta, e não querendo magoar, Alice acolheu bem o haicai; Estrela, não: saltou da poltrona, pôs as mãos na cintura e reclamou: “Ah, é, mãe?! Não está bom, não! Quando o poema é meu você fala que está ruim, mas o dele você diz que gosta?”.

E foi o próprio poeta pé-quebrado quem reduziu o mal-estar, aceitando a crítica da pequena poetisa.

Voltarei já, já ao CCON para apreciar detalhadamente a exposição. Quem gosta de poesia, quem faz poesia, quem lê poesia ou quem apenas sabe que poesia é indispensável até no momento de comprar sapatos, que vá lá! Vai ser encantador revisitar Leminski (ou descobrir Leminski).


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sexta-feira, novembro 22, 2013

O poeta e o gatinho

O poeta Ulisses e sua gata estimada: "Quem manda em mim não fala...".

O poeta e o gatinho


Lá pelos últimos anos da década de 80, ou o prenúncio da de 90, Roberta, com quem eu namorava, presenteou-me, no aniversário, com um aquário e cerca de dez peixinhos coloridos. Ela, que curtia cães – de preferência, cachorros grandões, como pastor, pitibul e rotiváiler – achou que eu devia me ocupar, um pouco, dos animais.

Vá lá – pensei. Ao menos não são animais que rasgam cortina, fazem cocô e xixi pela casa ou perturbam as visitas. Ao contrário dos apaixonados por cães, eu dou prioridade ao ser humano, ainda que seja um deputado ou cobrador, traficante ou polícia de choque.

Achei bom aquilo: chegava ao meu mínimo apartamento no Edifício Fidélis e lá estavam meus pequeninos amiguinhos no seu eterno ofício de nada, ou melhor, de nadar. Uma vez por semana, dava-lhes uma pitada de ração e era praticamente este o cuidado – além, claro, de esporadicamente, limpar o aquário.

E gosto de histórias de animais. Principalmente de cães, esses bichos que, de tão domésticos, pensam-se gente. Acho lindo isso de cachorro pensar que é gente – mas rejeito os humanos que acreditam que os animais são pessoas tais como nossos filhos. Acho que meu bicho de estimação é, sim, o bicho homem, ainda que capaz de roubar do erário ou de matar por uma pedra de crack.

Contudo, adoro histórias de cães. São um tanto comuns as histórias de cães inteligentes, e isso me dá a prova inequívoca da evolução das espécies. Claro que eles têm inteligência e raciocínio; muito diferente dos nossos, mas têm! Como o gatinho – um filhote de seus dois meses – que mexeu com os sentidos e os sentimentos do meu amigo poeta Ulisses, o Aesse.

Ulisses, recebendo uma homenagem.
Ulisses é desses seres especiais – um homem que, para viver, faz poesia; e para sobreviver, trabalha as notícias. Gosto muito de sabê-lo premiado, como se deu esta semana, pois é um modo de agradecer a ele por ser tal como é, ainda que pelos atos de terceiros. Sinal de que não só eu o tenho na conta de menino-grande, de homem-poeta, pois outras pessoas veem nele o valor do sujeito especial.

Pois bem. Ulisses chegava a um local, na noite de quinta-feira última, onde receberia um belo troféu de mérito. E viu lá um pequenino gato – como eu disse, com cerca de dois meses, bem menininho. Condoeu-se do olhar pidão do gato e o quis para si: “Há de ser um bom companheirinho para a minha gata”, pensou ele, não em relação à namorada, mas uma quadrúpede adulta de sua estimação.

Cercou o gatinho com o cuidado que a timidez do bichano exigia; o gatinho ocultou-se atrás da roda de um carro. Ulisses aproximou-se, ele escapou; dirigiu-se a alguns portões de residências, todos de tal forma herméticos que não permitiam a passagem nem de baratas, observou o poeta. O bichano foi até a esquina; voltou; quis abrigar-se junto à roda do carro onde pouco antes se escondera. Meio assustado, desistiu e tentou atravessar a rua.

Um carro que passava não atentou para a preferência do pequenino pedestre. Atropelou-o violentamente. Ulisses notou que saía sangue da pequenina boca e recolheu-o da rua, acomodando-o inerte na calçada, junto ao muro. Alimentou a esperança de, pouco depois, vê-lo com sinais de reanimação. Debalde! Ao retornar da solenidade, o poeta se deu conta de que o filhote de fato morrera.

Contou-me isso sob a indisfarçável emoção na voz. Disse-me que não escreveria sobre o caso, pois ainda lhe doía a lembrança da cena. E eu fiquei a imaginar-lhe o sentimento e a tristeza; escolhi contar aos leitores, pois que muito pouca gente se mostra insensível a coisas assim.

Tocou-me, poeta Ulisses...


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sexta-feira, novembro 15, 2013

Profissionais descuidados



Profissionais descuidados


Gosto de ouvir rádio e tevê. Principalmente noticiários e entrevistas, estas acerca de arte, economia, política... Realidade, enfim! Mas esse “luxo” tem um preço, e não é barato. Esse custo é ter de ouvir perguntas indevidas ou desnecessárias e conceitos inadequados.

Dia desses, um jovem assustado era entrevistado por um repórter de tevê, também jovem. O rapaz assustado contou que ao deixar o trabalho na padaria, por volta de 20 horas, foi abordado por um sujeito armado que lhe tomou a carteira com pouco dinheiro e documentos e ainda o celular. E o jovem do microfone, o coleguinha foca, perguntou, solenemente: “Mas quem foi que te tomou essas coisas? Foi o ladrão?”.

Na maior rede de tevê do país, os colegas também cometem deslizes imperdoáveis. Numa das últimas edições do Fantástico, o repórter começou mal sua matéria sobre burocracia. Ele se referiu a “um personagem importante – Sua Majestade o Papel”. Só que, em lugar de dizer “Sua Majestade”, ele declamou, enfático, “Vossa Majestade o Papel”. O moço, certamente, passou por avaliação rigorosa ao ser selecionado, mas não sabe distinguir segunda e terceira pessoas na oração.

Em todos os veículos impressos, o uso dos pronomes é feito em flagrante desrespeito às regras da Língua – e os que praticam essas faltas alegam que “mesóclise é pedante”. Mentira: na realidade, esses profissionais não sabem como usá-la. O mesmo cometem quanto à regência dos verbos: “A comida que eu gosto”, onde falta a preposição “de”. Fica-me a impressão de que a pessoa se refere à “comida que eu gosto de cozinhar”.

Ah, na mesma grande TV Globo, Alexandre Garcia e outros medalhões de igual envergadura já se queixaram de quem não diferencia “este e esse” e suas variantes. Mas seus colegas menos (in)formados vivem repetindo o erro, como a personagem Félix, na novela Amor à Vida: “Eu sou o presidente desse hospital”. Nada contra o excelente ator, citei-o por estar em maior evidência, pois a quase totalidade dos atores tropeça em coisas assim.

Virou moda dizer (isso é de repórteres e de âncoras): “Estava desaparecido havia três dias”. Incomodam-me os dois verbos articulados no passado, quando a flexão “há dias” já exprime passado. Ainda que alguns defendam como certa (?), a expressão soa ruim e pode bem ser substituída por alguma outra que exprima o mesmo. Mas o que mais me intriga são as referências a margens de rios, lagos e rodovias.

Para lagos, a melhor expressão é orla. Reservemos margem/margens para rios e rodovias. Mas citar um posto de combustíveis “localizado às margens da Rodovia Tal” não é certo. O posto está mesmo em uma das margens, ou seja, “à margem da rodovia”. Se nos referimos, por exemplo, à ocorrência de algo que marque as duas margens, como vegetação, barranco ou areal, certamente diremos “às margens”.

A despeito de tudo isso o que critico como práticas errôneas dos profissionais que têm a Língua Portuguesa como sua ferramenta de trabalho – tanto na forma escrita quanto na oral – devo admitir que as falhas começam em casa, nas famílias de menor escolaridade ou convívio com a chamada “língua culta”. Mas a escola tem seu grau de responsabilidade nisso. Os professores têm que ensinar o correto e cobrar o aprendizado. Ou isso, ou responderão pelo crime de má-fé. Talvez até de falsidade ideológica, já que são pagos para ensinar e não ensinam.

Liberar, com diploma e tudo, o aluno que não aprendeu é condená-lo à marginalidade. Esse aluno, quando jogado no mercado de trabalho, será discriminado pelos resultados nos concursos. Os que tiveram melhores famílias, melhores hábitos (como leitura e convívio com as artes) e melhores mestres serão sempre vitoriosos. Eu me sentiria muito mal se meus alunos fossem os eternos reprovados, numa disputa vital em que só os filhos das classes mais abastadas têm chances.

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sexta-feira, novembro 08, 2013

Duros. E sem ternura



Duros. E sem ternura


Desde a década de 80, camisetas com um retrato estilizado de Ernesto Guevara, com a frase “Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás”tomou conta da juventude. Das juventudes, porque os jovens daquele tempo já emplacaram 50 anos. E há quem diga que o Chê nunca pronunciou tal frase – ela foi cunhada sobre sua biografia e aplicada num cartaz que se tornou tão popular quanto propaganda de coca-cola. (Alguém aí, confira se acertei na grafia; nunca estudei castelhano).

Horário de Verão, essa chatice (será chatura?)  instituída por Getúlio Vargas e que foi, algumas vezes, deixado de lado, continua a infernizar-nos a vida; Lula, quando presidente, prometeu acabar com isso, mas sua ministra de Minas e Energia convenceu-o do contrário; sendo assim, enquanto aquela ministra for presidente da República, ou enquanto o PT governar, não nos livraremos desse incômodo.

O argumento de Dona Dilma refere-se a uma enorme (!) economia de energia; mas os números citados por ela são muito menores dos que atingimos naquele apagão de 2001 apenas com campanhas de racionalização. E como acontece todos os anos, quando da vigência desse malfadado horário, os abusos continuam; e principalmente em Brasília; e notadamente em edifícios públicos, como o Congresso Nacional, os ministérios, o Palácio do Planalto e os palácios da Justiça – quer dizer, em todos os poderes. Pelo que disse nesta sexta-feira, 08/11, Alexandre Garcia (telejornal Bom Dia, Brasil, da TV Globo), somente os prédios dos ministérios da Defesa e das Minas e Energia cumpriam o ritual de economizar energia.

Mas, hão de me dizer, poder é isso. Poder é isso de mandar sem dar exemplo.

Falam em estimular o uso de bicicletas como alternativo do transporte e instrumento de exercícios, mas aplicam nada menos que 41% de impostos sobre as “magrelas”.

Empenham-se os organismos de segurança, de educação e de saúde (os mais citados pela população, do Cabo Brando à nascente do Rio Moa; do Monte Caburaí ao Arroio Chuí), mas mantém-se uma burocracia capaz de absorver grande parte dos gastos com esses segmentos fundamentais. Orgulham-se das nossas safras astronômicas, mas mantêm as rodovias mal construídas e mal conservadas, intransitáveis, e os portos obsoletos, retardando o escoamento da produção e aumentando também astronomicamente os custos de transporte.
O quotidiano da comunicação instantânea, a trivial Internet, proporciona-nos as redes sociais, pelas quais nos integramos ao mundo como jamais sonháramos há vinte anos. Mas essas tais redes, formalizadas em grupos institucionalizados nos espaços etéreos, acima das nações e de suas leis; e sobretudo acima dos conceitos de bem e mal – como bem define minha amiga Sueli Soares, mestra e causídica.

Vêm-me à mente as frases iniciais da Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 1948. E recordo, também do noticiário televisivo, impresso e radiofonizado, o escândalo da espionagem dos ianques contra o resto do mundo, especialmente contra líderes de países amigos. O comandante de uma agência de espionagem do tio-sam estranha a bronca de nossa presidente e da primeira-ministra alemã; ele alega que nós – brasileiros e alemães, também espionamos os EUA.

Tempos árduos, duros, implacáveis. Tempos em que o jogo político, aliado ao poderio econômico, ignora solenemente o Homem. A ternura foi para a caçamba de lixo e o respeito ao próximo não aparece mais nem mesmo como figura de retórica.

Com tudo isso, resta-nos ainda o que nos fortalece: o retorno ao nosso restrito grupo de amigos (aqueles à antiga, não os “amigos” de redes sociais apenas) e à família. Ou perdemos de vez a capacidade individual das nossas ternuras.


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domingo, novembro 03, 2013

Do fundo do peito


Professoras Neuza, Mara Rúbia e Maíza

Do fundo do peito



Neste finzinho de mês (outubro, 2013), participei de uma festa que já se torna tradição na Escola Municipal Alice Coutinho (Vila Morais, Goiânia). Dentre as atrações houve avaliação de pesquisas, pelos estudantes, sobre O Homem e as Virtudes e ainda dança, teatro e música (instrumental e canto), além de um desfile de moda.

Uma aluna, a poucos passos daquela célebre viradinha, sentiu a dor que lhe causavam os sapatos de salto. Bastou-lhe um passo em falso para, num olhar expressivo para a professora Mara, que coordenava tudo, e com uma expressão decidida desfez-se dos sapatos e continuou seu caminhar elegante, de pés no chão, sob aplausos dos colegas e professores e a aceitação silenciosa da diretora Cristina.

O olhar da linda mocinha para a professora, como quem anunciava a decisão de continuar descalça, marcou forte em mim. Senti que ali estava uma pessoa decidida: ela será sempre capaz de desfazer-se do que a incomoda, e veio-me à memória a letra de um antigo samba: “Primeiro eu, depois o samba / Ela se engana quando pensa que venceu / primeiro eu”.

Flagrante do desfile com a modelo descalça 

Pensei: eu teria continuado, talvez mancando... Mas que bobagem! Certa está a menina-moça (apelido antigo para adolescente feminina) que não nasceu para as dores; é uma pessoa determinada a contornar problemas de modo radical,  sim – mas sobretudo capaz de cuidar de si. Em minutos, visitei minha vida esticada, quero dizer, dos anos mais verdes até agora; vi que em todo o tempo fui alvo de dois sentimentos, dominantemente, dentre os que me cercam: amor e ódio – considerando amor também a amizade (e a admiração) e incluindo na faixa do ódio o descaso (e a inveja).

Nunca me surpreendi com inveja de ninguém; mas isso não é virtude em mim, é fruto da minha exacerbada vaidade. E, a bem da verdade, de um certo conforto, também. Ter inveja deve doer demais. Melhor alimentar os sonhos sob um critério de avaliação sóbria, considerando as possibilidades de se chegar às metas. Em seguida, é lutar: planejar, estudar, pesquisar, dedicar-se – ir à luta.

Nesse ínterim (nossa! Há muitos anos não usava essa palavra; e não a ouço há décadas!), vislumbrei momentos de dedicação e carinho de que fui alvo – essas coisas a que chamamos de ternura, atitude de desprendimento que as pessoas de bem costumam trocar. Saí da escola com aquelas imagens estimulando minhas lembranças e conceitos. Gostei do auto-amor daquela menina! Que idade terá, quatorze anos, ou quinze? 

Ternura é algo que vem dos outros; mas pode vir de dentro de nós – como demonstrou a garota de quem falo. A gente registra as “externas” (as que recebemos e as que oferecemos). Já tive os que me ajudaram nos estudos; os que me acolheram de modo comprometedor. Nos ambientes de trabalho sempre recebi muito de amizade sólida e desinteressada: pessoas que nos trazem uma boa notícia; ajudam-nos numa promoção; indicam-nos para um treinamento; recomendam-nos.

Aquela menina fez-me lembrar de um colega de trabalho que, para crescer profissional e financeiramente, delatava colegas à estrutura de repressão e comparecia aos quartéis para ajudar a torturá-los, arrancando unhas com um alicate. Morreu esquecido, ainda que cercado de conforto material. A moça que se desfez dos sapatos deu-me uma definição de seu futuro: ninguém lhe causará dores. Ela removerá de seus pés o incômodo e há de se firmar por seu caráter e força de vontade – causará encantamento com o amor que tem a si própria e, certamente, se expandirá àqueles que estejam à sua volta.


* * *



domingo, outubro 27, 2013

NOITES GOIANAS - PARA AQUELES QUE AMAM GOIÁS...

Olá filhos, irmãos, amigos e toda a humanidade!
Continuando, caminhando, seguindo e cantando a canção... Hoje, NOITES GOIANAS - PARA AQUELES QUE AMAM GOIÁS... POETA LUIZ AQUINO e ESCRITORA HELOISA HELENA.

Olá, Poeta Luiz de Aquino, boa noite!

Através do grande amigo Miguel Jorge, felizmente hoje, posso lhe dizer das flores colhidas em seu jardim...
O seu discurso de posse na AGL (1) é aformoseada síntese da história literária e das artes em Goiás, também, jornalismo e geopolítica, conservando os traços de suas antigas e radiosas fisionomias. No Rio de Janeiro o gemido do atrito das ferragens, rodas-trilhos, e o sacolejar do vagão bole a sensibilidade, reaviva a lembrança, bate forte o coração do jovem estudante: imagens e aromas do cerrado, leituras dos gibis do seu primo Rogério lá em Caldas, próxima a Araguari, Cidade Sorriso, última parada em Minas Gerais antes de seguir em Goiás a Maria Fumaça da Mogiana: "Café-com-pão, café-com-pão, café-com-pão... Voa fumaça, corre cerca, ai, seu foguista, bota fogo na fornalha que eu preciso muita força, muita força, muita força..." (Manuel Bandeira, in Trem de Ferro).  A mancha de óleo jogada em terra (figura literária de Carmo Bernardes), o encontro no interior do ônibus, as filhas de Carmo Bernardes – são partículas transfiguradas em ondas quânticas premonitórias de um grande escritor!
Poeta Luiz Aquino, por motivos especialíssimos estou em Uberaba. Aqui, revirando a cabeça em surdas almofadas, rememorizo o seu discurso de posse na AGL e suas publicações; entreato descarrego os segredos de Leo Lince, pai do saudoso amigo Cruciano, quando escreveu na Gazeta de Uberaba, anterior ao jornal Lavoura e Comércio: “ - Por razões especiais, após muitos anos, voltei a Uberaba. Uberaba aformoseou-se sem perder os traços de sua velha fisionomia. Em Uberaba eu posso andar abraçado com a minha saudade...”; no transcurso passei pelo velho sobrado no alto do Morro da Onça, esquina com a ladeira Silva Jardim, local outrora de reuniões políticas memoráveis, residência do médico João Henrique (2), hoje, solitária, à venda, murmurando ao som dos ventos uivantes...
Eu nasci em Carmo do Paranaíba, cidade próxima a Patos de Minas. Carmo Bernardes, eu, inúmeros mineiros, desde as Candeias das picadas de Goiás, seguimos para o rumo do Sertão... (3)
Parafraseando o amigo Brasigóis no discurso de apresentação para a sua posse na Cadeira No. 10 na AGL, ao revelar o seu sentimento por Pirenópolis e Caldas Novas e o poema “Uberaba uma cidade singular” de Quintiliano Jardim(4) fundador do Jornal Lavoura e Comercio, também sou acometido em uma dúvida atroz:

Uberaba de ontem... Uberaba de hoje.
Goiânia de hoje... Goiânia de ontem.
Não sei qual das duas quero mais;
Se a Uberaba dos meus tempos de menino;
Se a Goiânia dos meus tempos primaveris;
Se as duas dos meus dias outonais.

O ministro Pascoal Carlos Magno (5) também foi acometido de delírio atroz, imaginou ser possível transportar o acervo cultural de Pirenópolis para a Aldeia de Arcozelo...
O Triângulo de Goiás, hoje Triângulo Mineiro, irmãos siameses, eternamente banhados pelas águas do Rio Paranaíba, desde a sua nascente na Cidade de Rio Paranaíba, conserva as mesmas tradições culturais.
Meu estimado poeta Luiz Aquino, a notícia do lançamento do seu livro CONCERTO DE BOÊMIOS atiçou o braseiro adormecido em meu coração: relampaguearam chispas desde as nossas reuniões do GEN e AGT no Lago das Rosas, com faíscas para todos os lados, atingindo o Teatro de Emergência e a casa de Cici Pinheiro, no Criméia Leste, onde eu construí a personagem GONÇALO (6) sob a direção dela; - todos acordaram: Meu grande amigo João Bênio (7) e os colegas de todas as noites, após os ensaios, na taberna Tiptop, da Rua Sete; meus irmãos Otavinho Arantes, Geraldo Valle, Oscar Dias, Luiz Fernando Valadares, Miguel Jorge, Heleno Godoy, Cirinho Palmerston, Aldair Aires, Hugo Brockes... 
Ecoaram no túnel do tempo as sinfonias de todas as Serestas, quando nós boêmios, madrugada adentro, éramos convidados pelos pais das donzelas a compartilhar um aperitivo em suas casas e desfrutar o especial momento de boemia.

Sérgio Sampaio - História de Boêmio

Marisa Monte - Ontem ao Luar

Tetê Espíndola – Sertaneja

O seu livro Concerto de Boêmios, bordado em romantismo pela poesia e sons das violas de seus pais, seu avô e amigos, especialmente sua mãe Borgese (não é Borges; Borgese é sobrenome italiano. Nota minha, Luiz de Aquino) aqui “Das Conquistas, Sacramentos e Uberabas”, terras de Boêmios Seresteiros, atiçou o fogo da Boemia dentro mim e de todos...


Charles Aznavour - La Boheme - 2. PPS 4981K Visualizar Baixar 

O aniversário de Goiânia, o artigo da querida Heloisa Helena (8) e Concerto de Boêmios abriram-me a cortina do sonho e da fantasia e a oportunidade de manifestar gratidão e felicidade a todos.  
Estou exultante em compartilhar com você as pesquisas elaboradas para o INSTITUTO LAMAR LAMOUNIER – CIENTÍFICO E CULTURAL.
Críticas e sugestões são motivos para o aprimoramento das pesquisas e o meu enlevo. Grande, forte e carinho abraço,

Lamar Lamounier

PS.:
(1)- DISCURSO DE POSSE ACADEMIA GOIANA DE LETRAS - http://www.jornaldepoesia.jor.br/luizdeaquino3.html
(2) Moisés Augusto de Santana - Jornal Lavoura e Comércio

(2)Goiás tem histórico de violência contra jornalistas

(2)Forja de Anões - Jornal Revelação On-line                 

(3)Quilombo do Ambrósio:


(4) “UBERABA, DE ONTEM E DE HOJE DE MINHA SAUDADE”
(5)Aldeia de Arcozelo ou Centro Cultural Paschoal Carlos Magno é o maior centro cultural da América Latina em área. Está localizado em Paty do AlferesRio de JaneiroBrasil, em uma fazenda histórica onde ocorreu a revolta de escravos liderada porManuel Congo.

Ressalta-se, no entanto o descaso do poder público com esse inestimável patrimônio, bem como as lamentáveis condições de conservação de alguns dos prédios, um dos quais com o telhado afundando.

O Ermitão de Muquém (trecho do livro inédito "Bernardo Guimarães, o
romancista da Abolição", de José Armelim).

O ERMITÃO DO MUQUÉM = CICI PINHEIRO
Obs: A PRODUÇÃO PAROU E AS CENAS GRAVADAS DESAPARECERAM POR UMA AÇÃO ABSURDA DA CENSURA IMPOSTA PELA DITADURA .

(7) CINEMA EM PIRENÓPOLIS – SIMEÃO, O BOÊMIO

O diabo mora no sangue (1968) – Filme completo

(8) É TEMPO DE GOIÂNIA 
Heloísa Helena de Campos Borges

Santo Agostinho, no seu livro Confissões, assim fala sobre o mistério do tempo:
Minha alma se inflama no desejo de deslindar este enigma tão complicado! Que é, pois, o Tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se quiser explicar a quem indaga, já não sei. Talvez fosse mais correto dizer que há três tempos: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro. O presente do passado é a memória; o presente do presente é a percepção direta; o presente do futuro é a esperança.”
Tenho certeza de que o desdobrar do tempo em memória, percepção direta e esperança, sugerido por Santo Agostinho, está de acordo com o que muitos dos habitantes de Goiânia sentem durante o mês de outubro, mês do aniversário da nossa cidade, pois no decorrer dos seus 31 dias, de modo simultâneo, inúmeros momentos esforçados da construção da nova capital são rememorados, a insegurança do seu presente é debatida, todavia um futuro promissor sempre lhe é sonhado.
Que Goiânia é uma cidade bonita e agradável, não há dúvida. Entretanto, tem suas questões. Há poucos dias, mais uma vez, foram demonstradas graves modificações do seu traçado original, arquitetado pelo urbanista Atílio Corrêa Lima, que aliava desenvolvimento à preservação das reservas naturais da cidade que nascia. Até mesmo o trajeto da Avenida Anhanguera, que deveria cruzar a cidade em linha reta no sentido leste/oeste, foi mudado.
Não se sabe bem o porquê, em certa altura, a Avenida Anhanguera ganhou curvas, distorcendo a intenção primeira do plano da cidade. E os vestígios da mudança do seu traçado ainda existem. Para vê-los, basta atravessar a Avenida Independência em direção do centro, à direita do Terminal Praça da Bíblia. Como prova da alteração, lá se encontram, dando continuidade à linha reta do antigo trajeto da Avenida Anhanguera, dois trechos com pista dupla, arborizados com as palmeiras que tanto a embelezavam.
Porém, mesmo com todas as distorções, Goiânia é minha cidade natal e não a troco por nenhuma outra, pois, ainda hoje, a vastidão do seu horizonte me serve de guia nos momentos de busca e de recordação.
Não são raras as vezes em que relembro a Goiânia da minha infância. Eram poucos os seus automóveis, algumas as jardineiras e menos ainda os carros de praça, nome dado aos taxis daquele tempo.
Aos meus olhos, Goiânia resumia-se nestes pontos: Praça Cívica, Botafogo, Lago das Rosas, Horto Florestal, Igreja Sagrado Coração de Maria, Santa Casa de Misericórdia, Mercado Central, Estação Ferroviária, Avenidas Anhanguera, Tocantins, Goiás e Paranaíba.
Assisti à chegada de muitos avanços, por exemplo, o asfalto e, com ele, a diminuição do pó vermelho que infernizava a vida das nossas mães.
Entretanto, um local me atraía em especial: a Praça Cívica com suas fontes luminosas e jardins. Era mesmo muito bonita! Meu pai, Elysio Campos, um dos farmacêuticos pioneiros da nossa cidade, possuía um carro marca Morris Oxford e quase todas as noites passeava com a família para mostrar as novidades da capital. Aproveitava para nos ensinar o nome do governador, do prefeito, a importância dos locais visitados.
Infalivelmente, o passeio terminava na Praça Cívica. Hora da pipoca, do algodão doce, delícia que eu, fascinada, presenciava o açúcar se transformar em nuvem formada por fios adocicados.
Contudo, meu pai foi além do lazer. Apresentou-me a Praça Cívica também como local político. Quando do suicídio do Presidente Getúlio Vargas, eu me lembro de termos ido à Praça Cívica para, entre os cidadãos goianos, compartilharmos da repercussão do acontecido. Eu pouco entendia, mas observei o movimento inabitual que havia e, desde então, guardei a certeza de que, em Goiânia, o local, por excelência, para avaliar satisfações e insatisfações do povo é a Praça Cívica.  A História de Goiás pulsa nela.
No transcorrer da minha vida, quantos acontecimentos comprovaram esta minha convicção. Muitos deles dignificantes, outros revoltantes. Quem se esquece da deposição do Governador Mauro Borges Teixeira? Quem não reflete sobre as últimas manifestações? E as Festas de final de ano?
Ora, entre pesares e prazeres, não tenha dúvida, minha Goiânia, eu sou uma das suas filhas amorosas. E por tudo que você me ofereceu, por tudo que com você eu aprendi, por tudo que por você eu escolhi, entrego-lhe estes meus versos pelos seus 80 anos de vida:

Goiânia, minha Goiânia,
mais que ninguém você sabe
dos meus passos, dos meus gestos
da minha sede sem fim.
Desde sempre eu a levo em mim
não importa aonde vou
suas vozes, os mitos, aromas...
e seus mistérios de mulher.

Parabéns, Goiânia!

Heloísa Helena de Campos Borges
heloisacampos48@gmail.com