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quarta-feira, maio 30, 2007

Ventos de arte e memória


Ventos de arte e memória




E o Papa, hem? Veio e se foi...

Mas o ar seco chegou mais cedo. Mas, ainda assim, uma chuva mansa marcou o começo de noite no domingo, penúltimo de maio. Melhor assim. Porque o tom é o dos dias que despontam frescos, a 16°C para, no meio da tarde, dobrar a marca na fina coluna de mercúrio. Pelas ruas, chapéus, botas e grandes fivelas de cintos contam que é tempo de festa pecuária.

Goiânia é uma ilha de incertezas culturais ante o futuro. Avalio, de modo distante, os rumos do que fazemos e vejo que há uma vocação para a música, a literatura e as artes plásticas com tons e vocações que se afastam da identidade local. A exceção fica por conta de eventuais registros, como o de Ângelo Lima a documentar o lendário Ico, de Pirenópolis. Nossa música centra-se na MPB, no “roquenrou” e no “riperrope”. Nas letras, professamos marcas de influências externas e distantes, deixamos de lado nossos cenários de planalto e cerrado, nossos caudais de cristalino e de lama.

(Aldair Aires se foi; com ele por lá, o Céu nunca
mais será o mesmo; vai fazer poesia
e contos, inventar livros de material
exótico, artesanato em cabaça e madeira...
Eta, Aldair!).

E aí, à revelia das bases, criou-se um Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, o FICA. A dita “sétima arte”, a que congrega todas as demais e se excede em técnicas de ponta associadas aos ofícios de primores culturais, também já vive seu ciclo anual de agitação e evidência. O FICA, na sua versão de número 9, já é um vencedor.

Pena que o Papa não veio conhecer catira e fiandeiras, não? Quem sabe não lhe enviamos uma série de curtas do FICA contando coisas de Goiás, hem? Benedictus teria, com alguns reparos, o parlatório feito para João Paulo II...

Ei! Em tempo de FICA, é hora de lembrar que a estrutura está ao limbo, largada e esquecida... Lembram? Foi em 1991: uma estrutura de aço e madeira se fez na rampa do Estádio Serra Dourada e, de lá, João Paulo II proferiu a Liturgia da Palavra (corrijam-me os que entendem dos ritos católicos; talvez esteja enganado).

(Há alguns anos, entreguei ao escritor José Mendonça Teles, então diretor do Instituto Brasil-Central de História (órgão da Universidade Católica), um dossiê da comissão (liderada pelo então presidente do Banco do Estado de Goiás, Ovídio de Angelis) que tratou da visita do Papa João Paulo; jamais recebi, dele ou da instituição, um recibo desse documentário. Mas já tornei isso público algumas vezes).

A estrutura do púlpito papal já sofreu um incêndio, e lá se foram as peças em madeira. Resta ainda a armação metálica. Mas os católicos e as autoridades não se atentaram ainda: João Paulo II está em vias de ser canonizado; teremos, então, um monumento espontâneo a ele, construído e custeado pelo povo de Goiás.

Fica o meu recado à titular da Agência Goiana de Cultura, Linda Monteiro: que se restaure e se guarde aquele espaço. A esse esforço, cabe ainda alguma iniciativa da Cúria Metropolitana e da Universidade Católica, também. Aos artistas da terrinha, aos zelosos guardiões da memória e aos católicos e demais religiosos (desde que respeitem os ofícios dos demais), cabe unirem-se pela causa. Nunca será demais qualquer ação em defesa da memória e dos bens culturais.

segunda-feira, maio 14, 2007

Liceu, Lyceu: Ano 70 em Goiânia


Liceu, Lyceu: Ano 70 em Goiânia


Vem aí a reforma ortográfica, sob o pretexto de padronizar a grafia em todos os países lusófonos. Com isso, já se anunciou que as letras exóticas – K, W e Y – serão oficiais. Com isso, meu amigo Wander Arantes, ex-aluno (como eu) do tradicional Liceu, não precisará mais me cobrar a grafia. Mas o papo de hoje não é sobre a reforma ortográfica e, sim, sobre o Lyceu.

Era 1937, e Pedro Ludovico, o mudancista, interventor federal em Goiás de 1930 a 1945, não desfrutava de muita simpatia entre seus conterrâneos vilaboenses, que não queriam saber de mudança de capital (para os “de fora”: Vila Boa é o antigo nome da Cidade de Goiás). Para efetivar a transferência da capital teve de transferir, como que à força, todos os órgãos estaduais para Goiânia, inclusive a Faculdade de Direito e o Lyceu de Goiás (o segundo colégio mais antigo do Brasil, fundado em 1846). A Cidade de Goiás ficou vazia de instituições oficiais.

E foi justamente em 1937 que se edificou o casarão da Rua 21, no Centro de Goiânia, local onde se instalou o Lyceu de Goiás, antes que o bom-senso recomendasse a devolução de seus arquivos históricos de volta à Velha Capital. Feito isso, ficamos, para a nossa História, com duas unidades do tradicional colégio: o legítimo Lyceu de Goiás, na cidade de Cora Coralina, e o Lyceu de Goiânia (Wander! Antecipo-me à oficialização internacional da nova Língua Portuguesa e já começo a escrever “corretamente”).

Preciso explicar: instalado em Goiânia, o Lyceu passou a se chamar Colégio Estadual de Goiânia. Em 1980, Wander Arantes, deputado estadual, incomodava-se com a incoerência: estudara no Lyceu, mas seu certificado (o meu também; e os de todos nós) ostentava aquele nome frio e impessoal: Colégio Estadual de Goiânia. Projeto de lei, a votação, o novo nome: Lyceu de Goiânia (com Y, intencionalmente, para honrar a tradição).

Márcia Rezende Pereira, a diretora do Lyceu, também é afeita à tradição: mostra-me, orgulhosa, a antiga águia, símbolo do colégio, sobre o portão principal. Ela pesquisou e honrou o passado que nos orgulha. Sugiro-lhe restaurar a águia nos documentos e no uniforme. Sugiro, também, um grande encontro de ex-alunos, como temos feito, no Rio de Janeiro, os que passamos pelos bancos do mais antigo dentre todos, o Colégio Pedro II. É emocionante o chegarem, um a um, ostentando, no todo ou em partes, o uniforme; os alunos, parece-me, divertem-se ao nos verem com tanta jovialidade... Velhos estudantes de cabelos brancos, ou pintados; ou sem cabelos. Mas com a alegria renovada ao voltar aos pátios da juventude.

Mas não basta, agora, enaltecer o aluno Wander Arantes e professora Márcia. Quero mesmo é ir além e chamar a atenção da Secretária da Educação, Milca Severino, e dos deputados estaduais. A História exige que reintegremos os dois estabelecimentos – o da Cidade de Goiás e o de Goiânia – sob o mesmo nome, Lyceu de Goiás (apenas esse Y, revivendo a grafia que por longas décadas dignificou o colégio) e especificando apenas “Unidade Vila Boa” e “Unidade Goiânia”.

E mais: que tais medidas sejam apressadas para que, no dia 20 de junho deste ano, quando hastearem os pavilhões na Rua 21, dirigentes e docentes de ambos os colégios, bem como uma bela comitiva de alunos da Velha Capital, festejem a retomada da dignidade histórica. Nós, os ex-alunos, estaremos também por lá. Tentarei – prometo – ostentar o uniforme da época.

De resto, é cobrar presenças de antigos professores, como Mesquita, Teresinha, Iracema, Ofélia, Sônia França, Aldair, Sônia Ferreira, Eclea, Quênia...

Ah, não tenho espaço para tantos! Mas, garanto! A memória, a saudade e a gratidão são marcas indeléveis.

sábado, maio 12, 2007

Na moldura do beijo


Na moldura do beijo


Segundo o que me contam por aí, já atravesso o segundo ano na casa da velhice. Não gosto, nunca gostei!, dos eufemismos que inventaram para nós: terceiridade, melhoridade... Sou mesmo é um velhinho-calouro, com muitos ranços da tal “idade madura”, que se estende, teoricamente, até o último dia dos 59 anos. Então, já me encantam o gris dos cabelos e as rugas na pele. E gosto demais de dizer palavras como “gris” e “cãs” (que um revisor “corrigiu” para “cães” num poema meu, atrapalhando definitivamente a compreensão do verso).

Vejam aí, os que não o sabem: os dicionários contam bem o que são “gris” e “cãs”.

Esse preâmbulo maluco é só para me situar nesse Dia das Mães de amanhã, segundo domingo de maio, dia 13, ano de Nosso Senhor Jesus de 2007. A minha velhinha se foi há três anos. E eu, que tive outras mães, além da que me pôs no mundo, ainda guardo alegrias para este domingo. A segunda, na ordem do tempo meu, foi minha avó Inês, mãe de Dona Lilita; junto com a Vó, as tias-mães: Tia Vanda, Tia Norma, Tia Leda e Tia Miriam (irmãs de Dona Lilita). Vó Inês se foi mais cedo, em 1971, aos 77 anos de vida (das irmãs, a única a morrer tão jovem; todas as outras passaram dos 90 anos e Tia Sinhá, a primeira a nascer, foi a que mais viveu: 101 anos).

Mães demais! Mães dos meus primos, mães minhas por empréstimos. Tia Leda morreu quase menina, pouco além dos 30 anos; Tia Norma, surda de nascença, vive hoje mais alheia ao mundo, ainda, porque uma isquemia lhe toma quase que todo o cérebro; Tia Vanda também não tem mais consciência da vida à sua volta. Nada a lamentar: nascemos com a certeza da morte; e crescemos com as informações de que muitas coisas podem nos complicar a vida.

Fica-me a caçula: Tia Miriam sempre me foi a mais próxima, talvez pelo menor intervalo de anos. Eram todas muito belas, as filhas da Vó Inês e do Vô Chico.Dona Lilita, aos 80 anos, morreu ainda muito bonita; Tia Miriam ostenta, aos setenta, o brilho de menina nos olhos e, neste Domingo das Mães, seus filhos de carne (André Luiz, Cláudio e José Henrique) verão neles o brilho de sua primeira maternidade, aos 17 anos.

Daqui, deste ar seco e frio no prenúncio de inverno no Planalto de Goiás, meus olhos, com menos brilho, umedecem-se ao lembrá-la na distância. De todas aquelas mães que, nos meus dez anos de idade, tentavam suprir Dona Lilita distante, era de Tia Miriam que vinham os mais-carinhos, a mais-compreensão, o apoio, o estímulo, os raros aplausos. É que as mais velhas, receosas do meu insucesso e dos riscos a serem explicados, reprimiam-me; Tia Miriam sorria e me fazia não recuar.

Desde aquele 1956 e até dezembro do ano passado, faltava um toque pequenino e ingênuo: que a Lília, colega de Colégio, notasse o carinho com que, em pontos miúdos, o emblema do Pedro II estava pregado à minha camisa. “Foi minha tia”, disse-lhe eu; e Lília, com a sabedoria de mãe, de filha e amiga, pôs para fora sua experiência de mulher amorosa para definir: “Ah, eu sabia! Amor de tia é muito diferente”.

É, sim. E isso marcou tanto que é a segunda vez que conto isso pro escrito. Aquela costura é um símbolo, tanto quanto o é o escudo do Colégio. Um símbolo pequenino, mas que reproduz estes mais de 60 anos de amor que Tia Miriam nos dá, espargindo-o com abundância, mas sem nos sufocar por ele.

Não tenho inveja dos meus primos, não; como sinto, também, que eles não se enciúmam pelo amor que eu e os demais primos recebemos de sua mãe. Com as mortes de Vó Inês, Tia Leda e Dona Lilita, e com a inconsciência das outras duas tias, sei que o amor das outras transferiu-se para aquele coraçãozinho sempre feliz.

Daqui, Tia Miriam, envio-lhe um presente simples, possível a todos os que têm em si um pouquinho dessa capacidade amar: duas lágrimas a moldurar um beijo.

É só...

sexta-feira, maio 11, 2007

O homem que aluga estrelas



O homem que aluga estrelas


Eu tenho estrelas. Muitas.

Não, não sou dono de todas

as que limitam o teto da noite, não.


Sou rico, minha senhora!

Sou dono apenas das cintilantes luzes

que realizam desejos.



Não são minhas meras luzes

de clarear partículas de infinito

ou de orientar navegantes.


Pertencem-me as moradas da magia,

dormitórios de oráculos e duendes

e de fadas altivas e simples.


Minhas estrelas não existem

para formar constelações, apenas: elas

têm sintonia com corações sonhadores,


ansiosos e crentes, pois só mesmo

a estes é dado o dom de sonhar desejos

e fazê-los acontecer.


Por isso, Senhora bela e amada,

rainha de cetro e de sonhos,

aguarda a tua estrela: já se anuncia.


Demora que se mostre, porque é cedo

e cedo-te de gosto e prazer

a estrela que te cabe e é certa.


Ah! Ei-la! Ali, à margem da nuvem

que se abre no céu É tua, essa!

Habita-a e te apossa dela.


Em dias próximos terás por real

o que é ainda sonho. Falta-me a paga,

que recebo adiantado.


E assim que me vir premiado

em moeda de fala e poesia, liberarei a luz

que te trará venturas.


Depois, e quando de regozijo e feliz

puderes deixar minha estrela... É fácil.

Deixa-a no céu. Saberei recolhê-la.




Goiânia, 23/04/07; especialmente para que a minha querida Carmen Chiaradia pague o aluguel da estrela...
Luiz de Aquino

quinta-feira, maio 03, 2007

O júbilo, a memória e os “do-bem”


O júbilo, a memória e os “do-bem”


Todas as vezes que nomes e imagens de amigos nos surgem na lembrança, ou mesmo ante os olhos, uma energia diferente parece mexer com nosso sangue. E tudo muda: os amigos têm o poder de nos fazer felizes.

Semana passada, vivi um encontro inusitado: ao lado de gente da minha geração, retornei ao pátio e aos edifícios (o antigo, da minha meninice; e o novo, que marca o viver dos atuais) da Seção Tijuca do Colégio Pedro II, na Rua São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro. Éramos algumas dezenas de cinqüentenários e sexagenários ex-alunos, ao lado de centenas de atuais alunos, todos na faixa da adolescência. Festejamos, naquela manhã de 27 de abril, o começo dos festejos do Jubileu de Ouro daquela unidade, criada pelo presidente Juscelino Kubitschek para não permitir que setecentos meninos de onze anos ficassem sem escola, apesar da nota superior ao mínimo (7,0) exigido pelo regulamento.


Coisas que marcaram: nosso reencontro com antigos professores (Sílvio, Geraldo, Elza) e inspetores que, na época eram alunos de Faculdades de Filosofia, ou seja, tornaram-se também professores (Seixas, Paulo Pimenta...), além da recepção carinhosa que nos ofereceram os professores (incrível: diretores e professores, todos eles ex-alunos do tradicional CPII) e as diretoras Fátima e Virgília. O pelotão de alunos na guarda-bandeira, o canto do Hino Nacional bem ao modo do Colégio, mostrando-nos que, lá, tudo se faz, hoje, como sempre: a educação é um conjunto de ensinamentos e de práticas que resultam na formação de cidadãos como se deveria fazer em todos os educandários do País. Não foi à toa que, até 1961 (ou terá sido 1971?) o Colégio Pedro II era considerado o “Padrão de Ensino do País”.

Mas guardei, para mim, dois momentos especiais: o primeiro, quando a Lasir, aluna daquele grupo dos setecentos de 1957 ,discursou em nome dos pioneiros, contando a História da formação da Seção Tijuca e mostrou duas figuras que participaram daquele encontro com JK: seus pais, às vésperas de festejar 90 anos. Claro: foram aplaudidos de pé por todos nós.

O segundo momento se deu no último item da solenidade, quando cantamos o Hino do Colégio. Uma professora de música pôs-se à boca do palco e regeu alunos, ex-alunos e professores na platéia. Nós, ex-alunos uniformizados, estávamos sentados a um canto do palco. Nesse momento, a nossa professora de Canto Orfeônico (sim: ela tem 93 anos e foi lá, festejar o cinqüentenário, na condição de professora pioneira) levantou-se de sua cadeira à mesa e dirigiu-se a nós, seus ex-alunos, para nos reger.


Viajei no tempo e a vi na sala de aula, num distante 1958 de primeiro ano ginasial. Dona Elza mostrou que tem ainda a mesma postura de regente, o mesmo olhar vivo e significativo, a musicalidade inata... Só me faltou ver entrar, com seu andar típico, as mãos nos bolsos do paletó, o professor Hugo Segadas Viana, nosso diretor.

Não bastasse tanta emoção, eis que recebo, em casa, para uns dias entre nós, o poeta Antônio Mariano, meu irmãozinho de letras de João Pessoa, Paraíba. Como atividade primeira, levo-o à casa do poeta Fausto Rodrigues Valle, ás dos versos e da prosa de ficção, hábil na fala como o foi, até quando o quis, com o estetoscópio a atender várias gerações de crianças desta Goiânia também infante.

Há quem diga que emoções assim podem nos causar a morte, porque o coração é órgão fraco e sensível. Concordo com o último adjetivo; mas sei que o coração, quando agradado, é forte. E a emoção dessa têmpera só vem para júbilo.

Fico por aqui, porque tenho mais o que fazer: ainda é tempo de estar feliz.