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sexta-feira, abril 25, 2014

Diabeisso? (Falando difícil)



Diabeisso? (Falando difícil)



Entrevistava uma pessoa ao telefone e quis saber da moça (sim, refiro-me a uma mulher) sobre um dado percentual; sem qualquer cerimônia, ela me respondeu:
 – Está na faxetária de 32%.
Poxa! (Escandalizei-me: a moça é formada, cara!). Lembrei-me de um amigo nordestino que, diante de coisas que nos espantam, exclama:
– Diabeisso? 
A primeira vez que ouvi alguém dizer “faxetária” para citar apenas um percentual de qualquer coisa foi lá por 1988, quando a pessoa citou pelo menos três vezes a palavra (ela parecia ter grande prazer em repetir... “faxetária”). Resolvi dar-lhe uma informação útil: peguei um papel sobre a mesa, escrevi em letras de forma:
– FAIXA ETÁRIA.
E pronunciei, como que a escandir versos: fai-xa-e-tá-ria – e esclareci o que queria dizer a expressão, dei exemplos, falei que nas campanhas de vacinação costumam dizer: “Aplica-se à faixa etária dos primeiros cinco anos”...
Moço, pra quê! Aquela minha primeira interlocutora, que ouvira a expressão provavelmente no exemplo que escolhi, olhou-me com olhos de sangue, indignada! E ficou alguns anos sem falar comigo. Depois, eu acho, ela esqueceu e até acredito que ela ainda diga “faxetária” por aí...
Há poucos dias, escrevi sobre as pessoas que não sabem de ortoépia (“a arte de pronunciar corretamente”, dizem os dicionários) e costumam falar “isso me indiguina” em lugar de “isso me indigna”, ou “repuguina” em vez de “repugna”. Há coleguinhas da tevê e do rádio que costumam substituir “psicólogo” por “pissicólogo”; e outros, especialmente do segmento esportivo, inventaram “cirqüito” (aqui é indispensável o trema) em vez de “circuito”. Um deles argumentou comigo:
– Mas, poeta, “circuito” é de eletricidade...
Esclareci que a palavra é a mesma e até em ambos os casos  quer dizer a mesma coisa – mas desisti de esclarecer mais. Não compensa mesmo!
Alguns preferem dizer “prêmio Nóbel” (paroxítona) e os nacionalistas prefere o correto “Nobel” (oxítona). Há algumas palavras que aceitam as duas formas: hieróglifo e hieroglifo; clítoris e clitóris – entre outras. Mas “rúbrica” não existe mesmo, é “rubrica”; e é “pudico”, não “púdico”.
Quem de nós nunca ouviu do vendedor de calçados que “pode levar assim mesmo, um pouco apertado; esse couro laceia”?  E expus a questão a alguns amigos, em ocasiões diferentes, sobre a palavra “laceia”; todos disseram-me que era flexão do verbo “lacear”. Acontece que eu já o procurara em vários dicionários. Não o achei. Encontrei, isso sim, o verbo “lassar”, que quer dizer exatamente o que as pessoas pensavam ser “lacear”: afrouxar.
Então, o couro “lassa”, não “laceia”.
Mas agora, diante da entrevistada do momento, é diferente. A pessoa que me falou que a incidência “está numa faxetária de 32%”  é formada, tem cargo de chefia ou coordenação, sei lá! Lembrei-me daquela outra, há 26 anos, simplória, a quem tentei ensinar. Desta vez, preferi me calar. Corrigir? Não, não é delicado. Ensinar?  Que nada, não vou ser remunerado e, mais uma vez, serei tachado de chato.

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quinta-feira, abril 17, 2014

Petrobrás, Garcia Marques e o prefeito xenófobo

Sempre há muito o que se se ler, ainda. Ou reler. Adeus, Gabo!
Poucas horas após redigir esta crônica, enviá-lo ao DM e postá-la neste blog, ouvi a notícia do falecimento de Gabriel Garcia Marques, de quem desfrutei de maravilhosos textos de ficção e depoimentos. A Literatura Mundial, realmente, está de luto, mas expresso a minha prece a Deus, em graças por tê-lo cedido à Humanidade nestes anos da minha anônima existência. Amém! L.deA.

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Petrobrás, Garcia Marques e
 o prefeito xenófobo


Notícia triste, ainda que inevitável: Gabriel Garcia Marques, o grande escritor colombiano, prêmio Nobel de Literatura pelo romance Cem Anos de Solidão (prefiro O Amor nos Tempos do Cólera) está com câncer. Mais detalhadamente: tem metástase, quer dizer, os tumores já se espalham. A notícia está nos veículos impressos e obviamente na mais moderna das mídias – a Internet.

Ao dizer, acima, que a notícia é triste, ainda que inevitável, denuncio dramas do ofício jornalístico – esta obrigação diária das  más notícias, quando o bom seria haver mais foco nas boas-novas.


Tristes, também, essas que envolvem a Petrobrás (com acento, que sou nacionalista, uai!). Graça Foster, com todos os erros de um português ruim, desmitificou a fábula de que comprar uma sucata por quase quatro vezes o seu valor real seria um bom negócio. Nisso, deixou a mancha da mentira sobre quem divulgou que o preço original da tal refinaria de Pasadena (que os globais chamam de “Passadina”) valia apenas 42, 5 milhões de dólares.

O valor real da tal refinaria era de 360 milhões de dólares.

E aí veio o que nos parecia, antes, ser o pivô de toda a história, o diretor Nestor Cerveró, a esclarecer o que foi divulgado como obscuro: todo o processo foi exaustivamente estudado, esmiuçado, envolveu o seu próprio grupo de trabalho e até mesmo uma empresa de consultoria norte-americana; o negócio poderia não ter sido “um bom negócio”, em termos, mas foi um negócio regular, segundo o parecer obtido e encaminhado ao Conselho presidido pela (na época) ministra Dilma Rousseff.


Cerveró, assim, deixa de ser vilão para se tornar boi-de-piranha. E o que fica é a impressão de que o Conselho, como é comum em tais Conselhos, funciona com uma pessoa (seu presidente, ou seu presidente e uma assessoria técnica) que “examina” um processo, expõe aos seus pares o que leu e/ou concluiu e aguarda votos; e os pares votam apoiando o que manifesta aquele que expôs o caso.

Em meio a isso, a notícia de que o prefeito da pequenina e ótima cidade de Carlos Barbosa, no Rio Grande do Sul, prefere substituir as comemorações de sua excelente performance na avaliação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) por uma advertência – é preciso evitar que baianos e goianos invadam nossa cidade e a fome apareça.

Pegou mal, hem? Vi no DM, vi no Facebook, botei a boca no trombone, contei que aqui acolhemos bem a gauchada que migra para todo o Brasil, que destrói nosso cerrado para plantar eucalipto, soja e cana e nós os aceitamos bem; mas somos rechaçados (como eu próprio ouvi de um gaúcho, há alguns anos, que “de São Paulo pra cima é tudo nordestino, uma raça que não trabalha enquanto a gente aqui se mata para sustentar toda aquela cambada”. Entendi ver no prefeito palrador o mesmo pensamento e fui cortado da lista de amigos de uma poetisa de Porto Alegre, que me acusou de nivelar-me a ele, quando ela, sim, referenda o pensamento xenófobo (sim: alguns gaúchos pensam que somos todos estrangeiros).

Enfim, ao apreciar o “affaire” da vez na Petrobrás, repito a sensação que vivi em 1979, quando os exilados puderam voltar à pátria: nossos ídolos têm pés de barro! Descobrir isso é como depurar nossos sentimentos. É o mesmo que ver afastar-se alguém que tivemos por amigo.

É que desfazer uma amizade que sequer poderia ser considerada assim dá-me a mesma alegria da conquista de um novo amigo. A gente sempre quer se cercar do que nos parece melhor.


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domingo, abril 13, 2014

Jindungo no mutungo do gajo é sumo




Esta crônica foi publicada em maio de 2006, antes da Copa
do Mundo e logo após aquela bravata de Evo Morales ao invadir
a Petrobrás na Bolívia,atitude que intimidou o governo Lula
(em 2013, a presidente Dilma também mostrou temer o índio que
governa o promissor vizinho mediterrâneo).Republico-a porque
gostei de relê-la. L.deA.



Jindungo no mutungo do gajo é sumo




Amanheço mais tarde que o Sol. Afinal, não tenho compromissos com a aurora. Amo a madrugada, mas somente em sua primeira metade, pois que a segunda se reserva aos da lida dos campos, especialmente os da ordenha, ou dos trabalhadores padeiros, motoristas de transporte coletivo e de carga, pilotos de aviões conforme a escala de trabalho, os da saúde e tantos mais. Meu ofício de escriba induz-me, ultimamente, a um estar solitário e a alegria do convívio elejo-a em encontros marcados em grupos pequenos.

Em matéria antecipada sobre a Copa da Alemanha, fico sabendo que dentre os males do nazismo os alemães vivem, há sessenta anos, uma espécie de recalque: não se demonstram patriotas nem nacionalistas senão quando “os nacionais” entram em campo. “Os nacionais” é como eles lá se referem á sua seleção de futebol. Aí, pintam-se nas cores da bandeira, embora o uniforme dos “nacionais” seja branco; cantam o hino; gritam “Dóite! Dóite” (Deutsch! Deutsch!), ou seja, “Alemanha! Alemanha!”.

A diferença? A cor da pele, a língua e as cores das flâmulas tremulantes. Entre nós, o verde-e-amarelo brilha mais belo, mas “Brasil, Brasil!” soa tão emocionante quando “Dóite, Dóite!”. E, entre nós, as discussões infindáveis sobre as mazelas que nos chegam pelos canais de notícias implicam, sim, um patriotismo renascente. Graças a Deus!

E é aí que entra a Bolívia de Evo Morales. Evo... Será que primeira-dama de lá se chama Adã, hem? Deve ser... Bem, Evo Morales é filho político híbrido (tomara!) de Lula com Chávez e, parece, afilhado de Fidel. Lula tenta uma reeleição e, nisso, segue mais uma vez o passo trocado de “Fernando II, o Henrique,” infelizmente. Aliás, Lula tenta reviver JK (coitados... de Lula porque jamais atingirá a condição do último estadista brasileiro; de JK, porque Lula pensa mesmo que o repete), mas consegue reproduzir o neoliberalismo que tanto condenou em seu antecessor, omite-se como Sarney diante de denúncias do óbvio e, ainda que não se tenha dado conta, faz-se clone do marechal Castelo Branco na questão da Varig: Castelo mandou fechar, arbitrariamente, a Panair do Brasil. Se depender do governo, fecha-se a Varig.

E lá vem o Evo... Culpamos Lula? Sim, pelo desfecho; mas a cagada vem de FHC, que pôs aquele francês de nome impronunciável na presidência da Petrobrás (não estou errado, não; em respeito à Língua Portuguesa, evoco a primeira marca, que conheci criança e insisto no assento). Um investimento bilionário na Bolívia, sem garantias? Que história é essa? E não venha a esquerda descendente do muro de Berlim alegar “princípios ideológicos” para acatar o prejuízo, não. Alguns mal-formados dizem que há cinqüenta anos gritamos “o petróleo é nosso” e, por coerência, temos de entregar a rapadura aos bolivianos. Não, senhor! Nossos presentes à Bolívia já são o bastante: a presença da Petrobrás na Bolívia eleva substancialmente a qualidade de vida local; Lula já perdoou dívida deles; e, por fim, embora absolutamente ilegal, ponho o dedo na ferida e digo que nosso imenso território tem servido de escoamento para a cocaína produzida ali.

Então, tolerantes leitores meus, não tenho receio em dizer, mais uma vez, que sou patriota, sim. Sou nacionalista, sim. E não engulo passivamente esse golpe do marido da “Adã”. O populista da coca que se enrede no chá e no pó que lhe rende divisas escusas, mas que respeite a Petrobrás.

No mais, atentem para o título: notem que é uma frase de língua portuguesa, mas com palavras de linguagem angolana (não sei de que tribo, mas foi o Oto quem me ensinou), que se traduz, em bom “brasileiro”: pimenta no cu do outro é refresco.


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sábado, abril 05, 2014

Prosódia ou ortoépia?

O que falta a políticos, artistas, bacharéis e comunicadores? Boas escolas!
(Colégio Pedro II, Rio de Janeiro; foto: Internet)


Prosódia ou ortoépia?



Assistia, como ouvinte, uma aula de literatura comparada em que alunos de pós graduação apresentavam análises de poemas de poetas a quem podemos chamar de clássicos brasileiros. Ora: o Brasil tem tantos poetas quanto esquinas, dizem uns; talvez haja muito mais, ou seja, é possível que tenhamos tantos poetas quanto janelas…

Pois bem! Aquela aula marcou em mim uma forte decisão: não perder tempo com pós graduações em que somos induzidos a acreditar e até mesmo provar situações que só existem no pensamento íntimo do professor, sei lá se causadas por algum trauma psicológico ou pela inveja.

No caso, uma aluna tentava demonstrar, ao estudar um poema, que o autor se contradizia porque falava em “tantas mulheres que amei” mas que, na vida real, o poeta era gay (a rima foi ocasional). Só que o estado de homossexual do poeta, morto há quase meio século, só está registrado na mente do professor. Mas ai dela, a aluna, se assim não se pronunciasse! Aquele estudo era, disse-me ela após a aula, o passo decisivo para classificar-se na fase de créditos do curso.

O resumo é que a desconcertante velocidade da informação tem causado uma agradável progressão na qualidade das pessoas; mas, ao mesmo tempo, ocasiona acúmulo de conhecimentos desordenados e descontinuados, quebrando por completo o contexto “academicista” – esta sim, a diferença que os das gerações anteriores (eu entre estes) acusam e que se prova pela cada vez mais exigida lista de pós graduações. Simplifico: “no meu tempo” bastava-nos a graduação, o nível universitário; hoje, a graduação equivale quase que ao ginasial da década de 60, apenas diferindo na concessão de um titulo profissional; mas o bom profissional acumula especializações, MBA, mestrado, doutorado e uma lista infindável de pós-doutorados.

Ao mesmo tempo, surpreende-me o descaso para com a escrita e a fala. Na ânsia de compreender melhor esse fenômeno, irritam-me os erros triviais cometidos por profissionais da comunicação e dependentes diretos da boa fala e da boa escrita, como juristas, comunicadores (jornalistas, radialistas, atores, professores de quaisquer disciplinas etc.) e até mesmo políticos, que, quase sempre, estão na mídia instantânea – como rádio e tevê, onde sequer se pode corrigir o que se fala.

Numa novela das seis da tarde, a personagem de uma jovem atriz convida a amiga a retirar-se: “Vamos, antes que a inveja impreguine esta casa”.

Ora: ando cansado de ouvir excrescências praticadas por apresentadores e repórteres, com ênfase para os esportivos, sem perdoar os que cobrem o factual. São coleguinhas que distorcem até mesmo expressões consagradas e que não precisam ser corrigidas, como substituir “risco de vida” por “risco de morrer”. Mas aquele “impreguine” doeu fundo.

Poucos dias depois, defendendo coisas e práticas questionáveis de sua líder, a presidente da República (que cria neologismos por decreto, sem considerar que a ortografia é determinada também por medida legal), a senadora paranaense Gleisi Hoffmann acusou:

– A  oposição repuguina...

Não ouvi o final da frase: mudei instantaneamente de canal. Se protegemos nossa pele e nossos olhos de possíveis agressões, costumo proteger também meus ouvidos de falantes tão despreparados. E concluí: nem prosódia nem ortoépia – é ignorância mesmo!


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