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sábado, abril 25, 2015

A dignidade e a truculência

Dalva Fátima, a educadora "reprimida" pelos cassetetes dos competentes e corajosos guardas municipais de Paulo Garcia - o prefeito que em lugar de demonstrar que o PT ainda tem algo de bom a mostrar, age no sentido contrário. A foto, colhi-a no Facebook.

A dignidade e a truculência


Que estranha quinta-feira, essa de 23 de abril de 2015! Aniversário de meu irmão Edmar, data consagrada ao Santo da minha devoção, Jorge da Capadócia, reunião ordinária da Academia Goiana de Letras e uma lista grande de eventos culturais, com ênfase para o lançamento da revista Raízes Jornalismo Cultural (de Clara Dawn e Doracino Naves) e do livro Otávio Lage – Empreendedor, Político, Inovador (do jornalista e escritor Jales Naves.

Amigos meus no foco das festas, sim, para minha alegria. Mas o noticiário pelo rádio do carro deu-me conta do espancamento de professores dentro do Paço Municipal de Goiânia.

Sim, leitores e amigos de outras plagas, no Paço Municipal de Goiânia! O goianiense, nativo ou adventício, sabe, sobejamente, que estes tempos não são bons para a capital de Goiás e muito menos para os seus funcionários da Saúde e da Educação (nem para os demais porque a gestão que vivemos é deplorável). A Guarda de Sua Excelência o prefeito de Goiânia aplicou com rigor e perfeição gás-de-pimenta e cassetete no professorado que tentava ser ouvido. Mas as “otoridades” do Paço preferiram alegar que a visita não fora agendada, daí a “repressão” aos que insistiam.

Este evento é um parêntese nos meus registros desta semana... Eu queria mesmo falar apenas dos eventos de quinta-feira, Dia de São Jorge, com lançamentos de livros e revistas, vernissage etc., mas a truculência do prefeito petista antipovo impede-me de ser leve e feliz. Cresci com aquilo de admirar os adultos por seus feitos e sonhando ser muita coisa – locutor de rádio, engenheiro, professor ou piloto. A curiosidade conduziu-me às leituras, a vontade de conhecer o mundo mostrou-me a Geografia, o desejo de conhecer a Humanidade fez-me admirador da História e formei-me professor. A delação na ditadura impediu-me continuar ministrando aulas e fiz-me jornalista – o caminho mais curto da Geografia para a História, na minha história de vida.

E me fiz escritor, poeta e principalmente leitor. O professor em mim nunca morreu. O jornalista cresceu forte. E é dessas duas profissões que me orgulho e sobrevivo – não de rendas, mas de emoções e alegrias, de fundamentos para a criação da poesia, do conto e das apreciações que resultam em crônicas.

Cumprimento Clara e Doracino, agradecendo-lhe o espaço que me foi ofertado em seu número de estreia. E abraço, efusivamente, o amigo Jales Naves pela brilhante obra biográfica acerca de Otávio Lage, um dos governadores-pioneiros do meu querido Goiás. Jerônimo Coimbra Bueno, no final da década de 40 do século passado, antecipou-se à União, separando as pastas de Educação e Saúde; Mauro Borges, no início da década de 60, governou com critérios e estratégias, formatando a organização do Estado – foi também pioneiro ao criar, antes da União, uma Pasta para o Planejamento. E Otávio Lage deu o passo seguinte, governando sob um Plano de Governo. Foi o último dos eleitos antes que o regime militar impusesse os biônicos e consagrou-se como um grande gestor público, sempre respeitado por todos os que o sucederam.

E não teriam seus familiares escolha melhor que a de Jales Naves para pesquisar, entrevistar e redigir essa obra que tenho em mãos e devorarei já nos próximos dias (afinal, é um prazer indescritível sentir que muito do que já se faz história foi presenciado por nós).


Otávio Lage fez histórias e deixou grande exemplo. Pena que ainda produzimos políticos que conseguem eleger-se, mas não aprendem com o passado e os que construíram para o futuro. A estes, resta mandar bater.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


domingo, abril 19, 2015

Macaco que põe a mão em cumbuca...

Profa. Umbelina, que, há 54 anos, depurou meu aprendizado; E continuo a aprender com ela (basta-me lembrá-la sempre)..


Macaco que põe a mão em cumbuca...


Tive uma professora, no último ano de ginásio (1961), que ensinava Geografia. É bem provável que eu tenha escolhido essa matéria, quando decidi que deveria ser professor, por influência dela – Dona Umbelina, uma jovem preta e linda, puro sorriso e autoridade! Envolvia-nos com sua presença, sua fala e seus conceitos, ensinava por mapas e versos, por falar e exemplos – uns citados, outros demonstrados por suas próprias atitudes.

Dona Umbelina é uma linda mulher, ainda. Imagino-a na casa dos 80 anos – visto que eu próprio libero-me do voto obrigatório no próximo setembro – e vivi, há menos de uma década, a felicidade de um reencontro (fui visitá-la em seu apartamento, no Leme). Ouvi – melhor dizendo, re-ouvi – preciosidades de sua lavra, sobretudo no que concerne aos processos educacionais. Ela entende profundamente de pedagogia, viaja por conhecimentos fartos fora de sua formação universitária (é capaz de ensinar Português e Matemática, Química e Física e outras disciplinas), como fazia, ainda, no velho casarão do Grajaú (região da Tijuca), herdade do pai, o marechal João Batista de Mattos, que conheci por indicação dela, nesse mesmo casarão. Nesse casarão histórico, a mestre de milhares de alunos saudosos, espalhados pelo Brasil todo e alguns pontos esparsos do mundo reunia estudantes carentes, preparando-os para exames regulares, para concursos e vestibulares etc.

São vários os conceitos lapidares que Dona Umbelina espalhava, todos os dias, nas muitas aulas que ministrava no Colégio Pedro II e outros estabelecimentos de ensino da Cidade Maravilhosa. Hoje, estou com um deles martelando-me a memória: “Aluno precisa aprender a decorar. Sabe por quê? A decoreba é a mãe da inteligência!”. Já vi e ouvi incontáveis educadores contestar essa máxima, eu mesmo entre estes; mas o tempo e a razão ensinam-me que Umbelina está certa. Decorar é o exercício da memória, e sem memória não exercitamos bem o cérebro. Sem memória não evoluímos – marcamos passo incansavelmente, porque sempre nos esqueceremos que o passo de agora não é o primeiro...

Por que evoco tudo isso, agora?

Acho que por causa do movimento dos professores de São Paulo, Ou de uma advertência dos professores municipais de Goiânia. Ou do choro generalizado em todo o território brasileiro, nos três níveis de ensino, nos três níveis de governo. Ou por causa da dramática situação a que chegaram os profissionais de Saúde da prefeitura de Goiânia, drama igualmente vivido pelos mestres, ante a decisão antipática, antidemocrática, inconstitucional e agressiva do Executivo que manda reduzir os quinquênios, por exemplo, de 10% para 5%. Ou da cínica declaração do secretário de Finanças que critica os grevistas, acusando-os de colocar em primeiro plano seus propósitos corporativistas em prejuízo da população.

Jeitinho esfarrapado para jogar a população contra os profissionais, hem, siô? Há uns dez anos, lembro-me bem, eu o elogiei numa das minhas crônicas – ao tempo em que, no governo do Estado, esse Sr. ocupava a Pasta da Administração. A mudança, parece-me, não é de ideologia, mas de chefe, hem?

A empáfia do secretário na tevê durou pouco – o tempo bastante para uma declaração do promotor que acompanha o caso, que foi claro: o dinheiro da Saúde há de ser gerido pelo titular dessa Pasta, e não pelo de Finanças, por ser verba específica, de origem federal – e criticou que se usem tais recursos em controle financeiro.

Bem! Creio que minha memória – que foi treinada pela minha inesquecível Umbelina Professora – me provocou. E sobre a Saúde de Goiânia, nada mais tenho a dizer (nem o tal secretário dos dinheiros, claro).


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, abril 03, 2015

Um gatuno na soçaite


Um gatuno na soçaite


Oh, vida! Nestes meses e dias em que tanto se discute a penalidade ante vários crimes – vivemos sob o signo de mensalão, petrolão e as mazelas do tráfico de drogas e do desvio sistemático de verbas públicas – e se fala também na falácia da redução da maioridade penal, um fato prosaico me convence de que a índole da desonestidade é, de fato, uma marca do DNA humano de qualquer origem, de qualquer faixa etária, de qualquer segmento socioeconômico ou profissional.

A gente cresce sob a constelação dos valores humanos, da estratificação social: na minha infância e até mesmo na adolescência, as pessoas eram rotuladas, para o bem, de meninas de família, pais e mães (de família, também), pessoas de fino trato, estudantes (sim, a escolaridade era um status tão elevado e caro que alguém numa escola tinha a etiqueta dos “de-bem”), profissionais liberais, empregados de grandes empresas – e por aí seguia a escala de valores.

Nos primeiros anos da década de 60, com o pós-guerra se fazendo sentir, surgiram a conquista espacial, os rádios a pilha, o tergal e o banlon (e as saias plissadas), as calças muito justas e a minissaia... Em breve, os homens começariam a usar cores que não fossem somente branco, preto e cinza. Surgiu a pílula contra a concepção, as motonetas infestavam as ruas, as moças libertavam-se, aos poucos, do tabu da virgindade etc. e tal.

E então, no caso nacional, veio o golpe de 64. A América Latina começava a viver sob o manto das ditaduras implantadas e mantidas pelo poderio do irmão-do-norte. A Europa e América do Norte – destaque para os movimentos contra a discriminação racial nos Estados Unidos e a revolução estudantil no México – também se revoltavam. E 1968 (para nós, o “ano que não acabou”) sacudiu a França e até a Tchecoslováquia se rebelou (mas a URSS agiu com sua costumeira rapidez e capacidade sanguinária).

A ditadura militar brasileira consolidou a elevadíssima mordomia nos parlamentos e chegamos a 2015 com jovens e estreantes deputados estaduais goianos gastando milhares de reais dos cofres da Assembleia nos mais sofisticados restaurantes da capital. Imagina o que não cometem os veteranos caciques estaduais na esfera federal! Jovens de famílias ricas aparecem, vez em quando, na mídia cometendo crimes planejados.

Mas o fato que quero narrar é muito recente e totalmente esdrúxulo: na última quinta-feira do mês passado, numa festa literária na Casa Altamiro – uma das casas da Academia Goiana de Letras – uma jovem convidada levantou-se da mesa em que convivia com amigos e, poucos minutos após, retornou e não encontrou seu telefone celular – ele desapareceu misteriosamente de sobre a mesa.

De imediato, ela e os amigos começaram a chamar o número do aparelho desaparecido. Não atendia. E foram muitas as tentativas, e nada! Tudo indicava que o larápio desfez-se rapidamente do chip – afinal, o aparelho é de última geração, uma peça cara e cobiçada. A jovem economista tinha no aparelho toda uma agenda de trabalho e os contatos de amigos e clientes. O prejuízo era, pois, muito superior ao custo do aparelho.

Ora: a Academia Goiana de Letras é uma instituição respeitável, considerando-se o somatório das vidas dos que constituem seu acervo humano e literário. A Casa Altamiro, um de seus bens, foi doada pelo membro e benemérito Altamiro de Moura Pacheco e é dirigida, hoje, pelo dinâmico e competente acadêmico Iuri Rincon Godinho. A festa, em torno do lançamento simultâneo de dois livros de Ursulino Leão, reuniu o que temos por conta de, como diziam naqueles velhos tempos, “a fina flor” da intelectualidade local.

Mas havia um gatuno entre nós. Quem? Este, certamente, assinou o livro de presenças na entrada da Casa, mas como suspeitar? Alguém, na fraqueza humana de suas inseguranças, apropriou-se sorrateiramente do aparelho da jovem Greice Guerra, e a vítima não teve outra solução senão comprar novo aparelho e tentar remontar sua agenda e lista de contatos.

Mas, no fundo, cada um de nós sentiu-se envergonhado. Quem, dentre os nossos convidados, seria o meliante? E a pena...


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Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.