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sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Polícia versus Samba


Polícia versus Samba


Luiz de Aquino (Para Denise Godoy)


O assunto parece já cozido e recozido. Mas fica em mim uma espécie de comichão, um “trem doido” a me chamar para o pátio e, já que não sou de capoeira, não dou pernada nem rabo-de-arraia, vim deixar meus pitacos. Tenho acompanhado a ação da Polícia Militar em seu papel imediato, o de guardiã da ordem e restauradora da paz, como acontece com monótona frequência nos eventos de futebol e nas investidas contra o crime, fechando com a Polícia Civil as tabelinhas eficientes de esperar, cercar e, no momento certo, intervir.

Das duas corporações, nós, os sofridos veteranos da velha e desgastada ditadura militar, guardamos péssimas lembranças. Elas foram agentes cruéis da repressão. Eram elas que nos mandavam dispersar, calar, correr... Era muito fácil e, parece, agradável ser polícia naqueles tempos. Qualquer amarra-cachorro gritava com qualquer cidadão. E de gritar a espancar, prender, arrebentar e matar, o passo era curto.

Imagino que, no Brasil e na América Hispânica, fardados vêm civis com ódio. Sempre se tem notícias de fardados (ou policiais civis e federais) agredindo a bel-prazer. Está certo, as coisas estão mudando; mas mudam muito devagar. Por outro lado, outra marca latino-americana é a aversão que mestiços pobres têm por mestiços pobres. Na campanha para presidente, em 1989, um motorista profissional dizia-me de sua preferência eleitoral, totalmente contrária ao operário Lula porque era pobre e feio, parecia mestiço. O motorista era pobre e feio e parecia mestiço também.

Samba é coisa de preto. Em Goiânia, carnaval e samba é coisa de muito pouca gente: dominantemente pretos pobres, cercados por meia-dúzia de intelectuais que gostam de coisa de preto pobre. Nas polícias de todo o Brasil, costumam predominar mestiços pobres. Farda dá sensação de poder. Arma, também (ainda mais se o uso da arma é legitimado por leis e regulamentos e se essa arma é fornecida pelo poder público); agora, imagine-se um homem fardado, armado de pistola e cassetete (ou espada, que ainda existe) e montado num puro-sangue.

É poder demais da conta!

Alguém, naquele desfile de blocos de carnaval, teve a infelicidade de jogar cerveja num soldado. Errou. Não na pontaria, mas no ato. Errou feio! Agrediu um trabalhador, um funcionário público. E o agredido protagonizou o erro maior, pois seus pares aplicaram as fardas e o aprendizado anti-tumulto em favor do corporativismo, contrapondo-se ao interesse maior – o bem-estar e a ordem. Que prendessem o agressor e o levassem à delegacia, que o delegado lavrasse um flagrante, cobrasse fiança, montasse o inquérito etc. – e o agressor veria que não vale a pena desacatar nem agredir funcionário público, militar ou civil. Não vale a pena agredir ninguém.

Isso foi no comecinho do carnaval, em Goiânia...

Esta semana, um garçom, cansado pelas quinze horas de trabalho, esperando um ônibus que nunca aparecia, adormeceu num banco no Terminal Cruzeiro. Foi o bastante para que cinco fardados de uma vigilância privada o espancassem. Essa guarda é contratada pelo SETRANSP, o Sindicato das Empresas de Transporte, que alguns canais de notícias dizem ser órgão público.

O SETRANSP não é órgão público. A vigilância não é polícia (mas emprega PM em folga). E o trabalhador que só queria chegar à sua casa, vencido pelo sono, foi tratado como baleia por pescadores clandestinos.

A Polícia Militar sabe como tratar seus cavalos e seus cães. Precisa melhorar no trato com a população civil que paga impostos. E as pessoas civis precisam aprender a respeitar outras pessoas. Ninguém tem que aguentar um copo de cerveja na cara, ninguém tem que aguentar socos e pontapés de quem quer que seja.

A PM, a gente sabe, investiga e pune os seus, ainda que sem publicação de resultados. Mas... E aqueles guardas no Terminal Cruzeiro, hem?

Pau neles também, uai!


Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

sábado, fevereiro 20, 2010

Festa do Livro, Pirenópolis



Festa do Livro, Pirenópolis


Luiz de Aquino


Enquanto nasce o sol, viajo à memória e sonho manhãs de outras alvas. Há muito deixamos de olhar estrelas, inventar constelações, descobrir cometas e prever imprevisíveis. As possibilidades literárias permitem-nos metáforas e enchemos nossas vidas de novos conceitos, calçados em velhas verdades. Ou realidades.

O cinema, indústria de arte criada e potencializada no Século XX dos “irmãos do norte”, elevou as pessoas à altura dos astros e estrelas. Confusão com as origens, já que toda estrela é astro. Cometas era como se referiam os avós de nossos avós aos caixeiros-viajantes dos anos de 1900. E a Lua, coitada, símbolo dos boêmios, era vista como o habitat dos loucos. E dos poetas lunáticos.

Enquanto espero o sol, releio páginas e antevejo dias, os mais próximos. Especialmente os meados de março, com eventos literários de boa envergadura. Em Palmas, mais um Salão do Livro, este ano antecipado em dois meses para adaptar o calendário, já que a vida brasileira concentrará atenções na campanha eleitoral, festa sócio-política que mobilizará cento e muitos milhões de brasileiros.

Em Pirenópolis, cuidaremos de livros e de letras. Esse empenho, estreado no ano passado, pretende firmar-se no cenário cultural de Goiás para que tenhamos a nossa festa de livros. A cidade dos velhos casarões e do Rio das Almas busca repetir Parati (Estado do Rio de Janeiro) . Para isso, sustenta-se na história com um atestado: a antiga Meia-Ponte do Rosário é o berço da imprensa no Centro-Oeste brasileiro (1830). Soma a esse feito a tradição das artes plásticas e da música e tem nomes indeléveis nas letras. O que não dizer de seu acervo folclórico e das ocorrências de filmes?

Pirenópolis, diria o professor Gomes Filho, tem sempre alguém estudando ao violão ou treinando o sopro em metais e madeira, ao ritmo de pau-e-couro. Alguém mais instala um cavalete e seleciona cores na palheta. Uma pena fina e decidida molha-se ao tinteiro para nascer um poema (ou letra de música) e um mestre de banda desenha fusas e colcheias num pentagrama.

Os jovens de 2010 estudam ao violão, sopram clarins e requintas e pintam com guache ou óleo sobre telas. As penas (de escrever) de ontem dão lugar ao discreto som das teclas de um computador e há quem se atreva a cometer arte pictórica com recursos cibernéticos. Mas continuam sendo música, literatura e arte. E arte ainda é o cuidado com que outros moços atuam nas cozinhas e garantem, também à sombra dos Pireneus e do Morro do Frota, os festivais gastronômicos que se consolidaram na terra de Jarbas Jaime.

Essa Festa do Livro de Pirenópolis foi pensada e posta em prática pelo secretário da Cultura, Gedson Oliveira, e pelo prefeito Nivaldo Melo. Diferente, esta, de tudo o que marca o calendário local. Mas, sem dúvida, o fazer de letras na vetusta Meia-Ponte do comendador Joaquim Alves de Oliveira e do padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleuri ajunta a vida de muitas cores na arte em prosa e verso.

Voltarei ao tema, é claro. Agora é hora de evocar as musas e os faunos, reverenciar Pan e Afrodite, saudar Eros e Baco. Sem sua licença, é arriscado dignificar as artes.

Faço isso, pois, enquanto nasce o sol.


Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com


sábado, fevereiro 13, 2010

Escolhas em tempo de Momo

Escolhas em tempo de Momo

Luiz de Aquino


A vida e seus mistérios… Gosto de saber coisas do relógio biológico, isso que rege nosso tempo diário e que os tecnocratas poderosíssimos desrespeitam, impondo-nos esse tal de horário de verão sob a máscara da redução de consumo de energia elétrica. Felizmente, daqui a poucas horas estaremos livres disso. Mas relógio biológico, dizem, dá-nos também condicionamentos para períodos mais longos que o da rotação da Terra. Acostumamo-nos com a rotina semanal das folgas de sábado e domingo, bem como de outros hábitos medidos no mesmo intervalo de tempo (dizem que até mesmo animais domésticos identificam esse lapso em virtude da mudança de hábito nos finais de semana).

Mas vou um pouco além... Vejo, nestas horas em que muitos pontos do País já estão contaminados pela folia de Momo, que o relógio biológico nos condiciona também ao Natal, ao Ano-Novo e à madorna de janeiro e fevereiro, liberando-nos para a tomada dos compromissos do novo ano somente após a Quarta-Feira de Cinzas. Sofremos calados as atrocidades que o horário artificial nos impõe, encerrando as tarefas do dia com o sol ainda intenso; trabalhadores e estudantes saem de casa ainda com as lâmpadas dos postes acesas e o sol vai nascer quando a primeira aula vai a meio.


Momo. Carnaval. Frevo, maracatu, samba e outros ritmos sacodem-nos os corpos e alegram-nos as almas, de Parintins ao Chuí, das mais longínquas fronteiras amazônicas ao Cabo Branco da Paraíba. A Rede Globo mostrou alegres desafios de ritmos e danças carnavalescos, coisas muito típicas do Rio e de São Paulo, tendo por contraponto belíssimos costumes musicais da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão e do Amazonas.


Carnaval em Goiânia é retiro. Aqui, o samba carnavalesco fica por conta de teimosos e admiráveis blocos e escolas de samba que, há décadas, insistem para que não morra, entre nós, o carnaval de tradição. Enquanto isso, as cidades goianas dos circuitos das águas (termais e dos lagos hidrelétricos) acolhem a alegria jovial de goianienses e candangos, enquanto Pirenópolis (outra cidade da escolha de brasilienses) busca resgatar o carnaval de suas famílias originais.



A cidade de Goiás, sempre amada antiga capital, investe, ultimamente, no resgate de suasmarchinhas e blocos. Imagino, também, que os corsos logo,logo tomarão conta da cidade, onde faltam, no meu modo de ver a cidade, prosaicas charretes e outros carros de tração animal a dar mais cor histórica à marcante Vila Boa.



Não sei (distraí-me e não vi se está programado) se haverá aquela mostra de música instrumental que trazia a Goiânia nomes de peso da boa MPB, de clássicos e do que entendemos ser a “música contemporânea”, momentos em que desfrutávamos do talento e da criatividade de geniais compositores e instrumentistas. Mas sei que o rock vai rolar, e Goiânia é riquíssima de rock, tal como o é de MPB (haja vista a terceira edição do Goiânia Canto de Ouro, que envolve, ao longo de doze semanas desde o comecinho do ano, algumas dezenas de excelentes músicos, sob a direção dos geniais Carlos Brandão e Luiz Chaffin).


Em suma, para os que evitam a folia existem, pois, o rock e outras efemérides nestes quatro dias de feriado. A Igreja Católica, várias denominações evangélicas e grupos kardecistas promovem congressos e retiros. As rodovias, sabemos todos, estão congestionadas e devem ser percorridas com respeito às leis e à vida (a própria, a de próximos e a de terceiros).

De minha parte, cuidarei bem de descansar, escrever, ler e dedicar-me a mim um pouco mais do que é de rotineiro. Mas deixo a todos os leitores, aos amigos, parentes e mesmo aos desafetos os meus votos de bom descanso, boa folia, bons amores (com dedicação e segurança), boa vida, enfim!

E que, além de Deus, também Momo nos proteja.


Luiz de Aquino - poetaluizdeaquino@gmail.com - é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.

domingo, fevereiro 07, 2010

“Sabe com quem está falando?”

“Sabe com quem está falando?”


Luiz de Aquino


Um caminhão enorme, transportando abacaxi, ao fazer o retorno na BR-153, em Aparecida de Goiânia, nas proximidades do Postão Aparecida, lançou ao chão grande quantidade de caixas. Passei por lá e vi uns vinte carros parados, seus condutores e passageiros saqueando a carga acidentada. Pisei mais fundo, e informei a Polícia Rodoviária Federal. O policial detalhou que já tomavam providencias.

Os saqueadores continuavam saqueando, descaradamente, enquanto trabalhadores moviam a carga do caminhão acidentado para um outro. Resumindo: saquear a carga na ausência do responsável seria furto. Fazê-lo ostensivamente deve ser roubo (os motoristas e ajudantes dos caminhões não tinham como reagir à turba).

No mesmo dia, descobri mais um crime, este contra o consumidor. Lembrei-me do homem do açougue ou da vendinha, que pressionava a balança com um dedo, transformando novecentos gramas em um quilo. E do balconista de armarinho que media noventa centímetros de tecido como se fosse um metro. O que eu soube esta semana foi-me mostrado pelo meu sobrinho Carlos Borges: vendedores de pequi usam uma lata de óleo (geralmente, 900 g) e dizem entregar “um litro” de pequi.

Ora, gente! Pequi, tal como laranja e banana, devia ser vendido por peso, e não por litro, medida de referência para líquidos.

Mas o furto (ou roubo, depende do modo como é praticado) é ainda mais cínico: dentro do “litro” que parece ser a medida do vendedor safado, há uma lata, embalagem de chocolate em pó, espiralada, que transforma aquele “litro” de pequi em algo parecido com a metade do que se diz vender.


Cadê o delegado Edemundo? Ele e sua equipe da Delegacia de Defesa do Consumidor têm realizado um trabalho de realce, haja vista a apreensão de milhares de peças de roupas pirateadas em Jaraguá, entre outros. Certamente alguma autoridade determinará critérios para a venda de pequi. E esse critério, obviamente, seguirá o que se usa para todos os alimentos sólidos, do pão ao caviar, passando por legumes, cereais, frutas etc.


Depois, essa gente que falsifica o que produz, rouba no peso e saqueia cargas, essa gente que presta serviços liberais de má qualidade (e, em boa parte das vezes, recebe antecipadamente), esses professores que fingem ensinar enquanto os alunos fingem aprender, esses policiais que recebem propina e montam milícias... Enfim, os maus trabalhadores que – dizem – são cerca de 5% de qualquer comunidade, posam de honestos para cobrar postura dos políticos.

Gente! Políticos são pessoas comuns em quem confiamos o bastante para lhes dar nossos votos. E pessoas erram. E pessoas comuns podem saquear, roubar no peso, mentir conhecimento e ludibriar pessoas. E aí, se lhes dermos poder, o bicho pega!


E para não isentar alguns importantes funcionários públicos, observem como um militar com estrelas nos ombros, um policial civil ou federal, um fiscal de qualquer coisa age quando abordado para mostrar documentos... por exemplo, a documentação do automóvel. Existem autoridades que sonegam o pagamento até do licenciamento de seus carros luxuosos por quatro, cinco anos... Só atualizam na hora de vender.

Paro por aqui. Não preciso comentar nada.





Luiz de Aquino – poetaluizdeaquino@gmail.com - é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010