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domingo, março 25, 2018

Educação em Goiás



Notícia positiva na  
"grande imprensa"


Goiás foi notícia, no dia 23 de março, no jornal Folha de São Paulo. Mas, desta vez, não se falou em mortes nas filas dos postos de saúde, em chacina passional, mortes em conflitos polícia-bandidos nem ocorrências alusivas à super onda de lama que assola o meio político-empresarial.

Também não se tratou do surpreendente surgimento de uma nova dupla da moderna música sertaneja, nem do provável título de cidadã honorária a uma cantora que encanta as massas menos exigentes. O grande jornal da maior cidade brasileira noticiou avanços positivos na rede pública estadual de ensino, dirigida pela competente gestora Raquel Teixeira, pela segunda vez na Pasta. 

Sinto-me muito à vontade para reconhecer e destacar os feitos de Raquel Teixeira. Acompanho-a desde longa data, quando atuava no Departamento (hoje Faculdade) de Letras da Universidade Federal de Goiás. Participamos, em parceria, de alguns projetos nas esferas da cultura e da Educação e testemunhei, à pouca distância, suas vitórias no primeiro mandato de Marconi Perillo (1999/2002), quando assinou convênio com a Fundação Airton Senna e trouxe ajuda para a área da Educação em Goiás, com resultados bastante satisfatórios.

Sobre esse período, a Folha assim se referiu:
Era ela também a responsável pela pasta no início dos anos 2000, quando Goiás apresentava um dos mais altos índices de repetência e evasão do país e tinha apenas 32% dos docentes com curso superior. Numa parceria à época com o Instituto Ayrton Senna, a gestão conseguiu acelerar o fluxo e implementar um programa de licenciatura aos docentes.

Desde então, o estado se tornou referência em alguns parâmetros de educação. No último resultado do Ideb – indicador que une o percentual de aprovação e médias de desempenho na Prova Brasil – a rede garantiu a 2ª colocação nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º anos), a primeira nos anos finais do fundamental (6º ao 9º anos) e o segundo lugar no ensino médio.

Acompanhei, questionei, divergi e concordei quando se discutiu a implantação das organizações sociais na Educação, considerando a experiência vivida na esfera da Saúde (hoje, nossos hospitais estaduais são referência em todo o país), mas a adequação exige, como era esperando, adequações que implicam mudanças e cuidados - especialmente no que tange à proteção do professor da rede, vítima eterna do reconhecimento nem sempre à altura de sua importância e, nos últimos tempos, figura exposta a riscos jamais antes imaginados, como as ameaças e agressões sofridas no ambiente escolar. E testemunhei também as atitudes corajosas e desafiadoras da professora Raquel sempre que se fez necessário defender os corpos discentes de todo o Estado. Por sua ingerência e por seu trabalho sempre bem reconhecido pelo governador Marconi Perillo, foi a Educação, em alguns momentos, o primeiro dos setores da vida pública goiana a receber alguns benefícios.

O jornal paulista conta algumas novidades no nosso sistema da educação pública estadual: 
OLHAR LOCAL Tratar dentro de casa e com os profissionais de casa os problemas que são de casa. Essa foi a fórmula encontrada para engajar os 23,5 mil docentes da rede ao uso da que é considerada a principal ferramenta pedagógica: os cadernos Aprender + (Aprender Mais).
O material é distribuído a cada bimestre com ênfase no conteúdo em que os estudantes mais apresentam dificuldade. O livro dos alunos traz um compilado de atividades e o do professor, as expectativas de aprendizagem e todos os exercícios resolvidos.
“Quando decidimos produzir o Aprender +, havia uma preocupação em relação a como professores e diretores entenderiam a iniciativa’, afirma o superintendente de Gestão Pedagógica da pasta, Marcelo Jerônimo. ‘Concebida pelos próprios pares, o resultado foi o engajamento de mais de 90% dos nossos professores”.

Minha esperança é no sentido da manutenção dessas vitórias. Infelizmente, a mudança da gestão – como costuma acontecer nas trocas de governos – pode resultar em abandono dos novos critérios. E as novidades neste atual período de Raquel Teixeira na Educação (atualmente, acrescida das áreas de Cultura e Esportes) foram assim reportados na Folha:
Gleyson Souza da Costa, 17 anos, aproveitou o material para estudar para o vestibular. Morador de Rio Verde, município a 230 km de Goiânia, ele cursou a educação básica na rede pública e foi aprovado no fim do ano passado no curso de engenharia do Instituto Federal Goiano.
– Como o material é muito prático e deixa bem explícitas as competências a serem trabalhadas, o professor consegue acelerar os conteúdos – afirma o estudante.
A secretaria enxerga essa percepção de Gleyson como uma resposta positiva a um projeto que prevê “uma escola que faça sentido ao jovem”. 

A superintendente de Integração Tecnológica da Informação, Rosana Cerosino, explica:
“A escola não pode ficar distante da realidade que os meninos vivem”.
Sob a batuta dela é que foi desenvolvido o aplicativo Palma da Mão, disponível a partir deste ano letivo. O objetivo é que pais e alunos tenham acesso a informações gerais, como boletim escolar, faltas, cardápio, quadro de avisos e até compartilhamento de material didático.

Volto ao início: enfim, Goiás é notícia na grande imprensa, mas desta vez o motivo não é coisa do mundo-cão.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, março 16, 2018

Marielle Franco


Eufemismo inaplicável



Estado democrático de direito. Alguém com bom senso, ao menos, pode me explicar o que as três palavras, assim juntadas, significam? O noticiário impresso, o eletrônico e as redes sociais estão abarrotados de notícias terríveis, redigidas em péssimo estilo, pronunciadas com total ignorância de regras básicas da Língua e até mesmo em frontal menosprezo aos conhecimentos básicos que, até há bem pouco tempo, eram indispensáveis aos que tiveram o privilégio da escolaridade ao menos mediana.

Já nas primeiras horas do dia, uma frase ecoa na rotina: “Mais um policial foi morto...”. Só no Rio de Janeiro, até a sexta-feira, 16 de março, a estatística era de 27, somente neste ano de 2018. A morte de civis inocentes, vítimas de balas perdidas ou alvos de assaltantes, não foi informada.

Na quarta-feira, a maldade foi posta à mesa da Câmara de Vereadores de São Paulo – uma reforma previdenciária para “punir” o funcionalismo municipal da desvairada pauliceia, elevando até a 14% dos salários acima de cinco mil e poucos reais – os mais pobres não seriam poupados, não: para estes, 11% de desconto para a previdência municipal (era 14 de Março, aniversário de Castro Alves e, por isso mesmo, o Dia Nacional da Poesia – o tradicional, pois a presidente Dilma Rousseff instituiu, por ato autocrático, o aniversário de Carlos Drummond de Andrade como mais um Dia Nacional da Poesia, e o “poetariado” nacional acatou, enriquecido com mais uma data festiva).

Os professores municipais da maior cidade brasileira manifestaram-se. E foram “normalmente” reprimidos com porradas e “cassetetadas” pela zelosa Guarda Civil Metropolitana, coadjuvada pela gloriosa e tradicional Força Pública – nome antigo da atual Polícia Militar paulista. Professoras ensanguentadas, professores feridos e “engravatados”, vidraças quebradas e o prefeito Dória, a quem a competente Guarda Metropolitana obedece, cinicamente, discursou a sua não-convincente discordância à violência praticada.

Na quinta-feira, dia 15, juízes federais, com os reforços dos procuradores de justiça também federais, entraram em greve: buscavam pressionar o Supremo Tribunal Federal a manter o antiético Auxílio Moradia. E deram andamento a essa malfadada iniciativa justo no dia seguinte ao assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro – o palco “mais glamoroso” para o esporte mais praticado no país, a pistolagem urbana. Covardemente, a moça foi alvejada quatro vezes na cabeça. O objeto que se mostra era o de calar a voz que se erguia contra a discriminação pela cor da pele, pela origem favelada, pela condição feminina... E ainda em defesa dos homossexuais, contra a matança sistemática, pela polícia, de meninos pretos que, por serem pobres e favelados, têm sido alvos das armas oficiais – não bastassem a discriminação, as limitações escolares, o convívio muito próximo com o tráfico de drogas, o contrabando de armas e os conflitos inevitáveis entre policiais e criminosos.

A nação brasileira estarreceu-se ante a violência. O fato atravessou fronteiras e mares, provocou instituições e nações, sacudiu até mesmo o Parlamento Europeu e o Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – mas os juízes realizaram sua greve, sem que nenhuma Polícia Militar ou Guarda Metropolitana espancassem juízes ou lançassem gases contra os procuradores.

A vereadora carioca – jovem e mãe, preta e pós-graduada, política e corajosa – foi velada e sepultada. Muitas vozes se ergueram ante o silêncio que se tentou impor. Eram vozes do protesto lamurioso, da revolta instalada. Eram vozes em poemas e canções, em notas musicais e contextos sociológicos e jurídicos – claramente avisando aos algozes que a voz silenciada foi a da moça guerreira, mas seu pólen espalhou-se por milhares ou milhões de outras pétalas.

Nas redes sociais, o grito e a solidariedade, à causa e à família, aos amigos e à filha da vítima. Mas também textos de ódio e discriminação, por pessoas sem a coragem contagiante da vereadora, pessoas que destilam suas invejas e frustrações, escudando seus argumentos na prosaica forma de serem contra a esquerda a que a moça morta se integrara.

Ridículas reações, estas. A intolerância política, na esquerda e na direita, como na massa trabalhadora e nos portadores do capital, nas religiões e nas torcidas esportivas, essa intolerância é a semente dos ódios, sim. Respeitem-se as ideias contraditórias – desde que sejam mesmo ideias e não somente a repetição enfadonha e burra de lemas abusivos e desgastados.

Então, volto a perguntar: o que vem a ser, dentro da nossa realidade destes dias tristes, esse tal de “estado democrático de direito”? É o direito de matar quem pensa e se pronuncia contrário? É o conforto de xingar “comunista” aos que reclamam seu direito à saúde e à escola? A segurança se estremece quando o aparato policial espanca quem reivindica ou mesmo atira, de tocaia, com armas e munições do patrimônio público ou das sociedades clandestinas da bandidagem para calar desafetos.

E à sombra dessa morte, muitas outras desafiaram o Estado brasileiro, em ameaça ostensiva à Democracia e na indisfarçável intenção de não permitir o exercício pleno do Direito.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, março 10, 2018

Festejar


Prazer em festejar

(Esta crônica é de 8 de março de 2015. Republico-a por conta do indiscutível ineditismo de um texto de três anos, neste país sem memória e, tristemente pior, sem mais valores sobre os quais se sustentam nossos costumes. L.deA.)




No decurso da semana, ouvi notícias desencontradas sobre o estado de saúde de Fernando Alonso após o acidente que sofreu durante um treino. Diziam que ele despertou sem lembrar-se de sua vida real, isto é, sentia-se como um adolescente que corria de kart e que sonhava ser um piloto de Fórmula 1. No dia seguinte, a notícia era sobre a reação um tanto indignada do atleta, ridicularizando os dois jornais que divulgaram tal versão.

Perfeitamente normal, a brabeza do campeão. Quem gosta de ser considerado sem-memória? Isso de se perder no tempo deve ser igual a estar no meio do mato sem saber das referências para se sair dali. É indispensável a consciência de nossa história e do espaço geográfico.

Há algum tempo, uma senhora mal-humorada publicou no Facebook algo parecido com isso: “Amanhã é meu aniversário. Não me deem parabéns, eu não fiz nada, não realizei nada, apenas me desejem feliz aniversário porque dar parabéns em aniversário é burrice”. Fiquei a imaginar... E viajei num espaço que só eu conheço, um misto de memória e imaginação, buscando saber como teriam sido as tais festas pagãs da antiguidade – essas que nos deram o Carnaval, a Páscoa, o Natal... Sei que elas se ligavam à geografia e ao registro temporal dos antigos, que essas festas associavam-se às mudanças de estações (os solstícios e equinócios).

Todos festejamos aniversários de nascimento, de namoro, de casamento e de muitas outras ocorrências de menor monta nas vidas individuais, mas de forte significação social. E conheço pessoas de comparável mau-humor (tomando por referência a senhora que recusa parabéns) ante datas, aquelas que acusam o comércio de marcar o calendário com o Dia das Mães e o dos Namorados e até o Natal.

Eu gosto muito de datas assim. E o comércio faz muito bem em nos lembrar disso e nos sugerir que presenteemos as pessoas: trocar presentes é gesto de grandeza social e emocional. E, convenhamos, o que seria de nossas vidas sem o comércio? Não precisei viver toda a vida para concluir que “coisas supérfluas” dependem do momento e das nossas atividades, e não de uma lista que alguma autoridade setorial tenta nos impingir. Para mim, batom é quase sempre supérfluo (mas é lindo ver uma mulher bem maquiada!), como um dicionário que tanto me serve há de ser superficial para aquela senhora que prefere sapatos a livros.

Tudo isso, queridos leitores, só para manifestar minha alegria neste 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher (este dia pode bem ser supérfluo, pois sou dos que reverenciam a mulher todos os dias, mas se a humanidade se concentra para festejar, quero festejar junto!). Como quero lembrar também que o próximo dia 14 é o Dia Nacional de Poesia (o dia de nascimento, em 1847, do poeta Castro Alves) e também o 21 de Março (equinócio de Primavera no Hemisfério Norte e, obviamente, de Outono para nós), Dia Internacional da Poesia.

E entre estas datas de alto alcance social, vou festejando cada dia no âmbito das relações pessoais nos aniversários de amigos e parentes, é claro! Festejo o bom estado de Fernando Alonso, o campeão, e os aniversários diários de tantos que me são queridos! Festejar é celebrar, comemorar (lembrar junto).

Ah... a vida seria muito sem-graça se não festejássemos tanto!

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


quinta-feira, março 08, 2018

Comenda Nion Albernaz

O saudoso professor Nion Albernaz, prefeito de  Goiânia em três mandatos, agora patrono de uma Comenda.





Marconi institui a

Comenda Nion Albernaz



Alegra-me saber – o Governo de Goiás, por sua Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), “entrega pela primeira vez (...) a Comenda Professor Nion Albernaz. A honraria surgiu para homenagear o entusiasmo dos que amam a Educação e a adotam como uma forma de contribuir para um mundo melhor” A iniciativa visa, ainda, ao “reconhecimento daqueles que, no exercício de suas funções, atuam ou atuaram para fortalecer a Educação Pública em Goiás”.

Informa a Comunicação Setorial da Seduce que a “comenda foi idealizada no final de 2017 pelo governador Marconi Perillo e pela secretária da Educação, Cultura e Esporte Raquel Teixeira. A escolha de Nion Albernaz para dar nome ao título é uma forma de reconhecer o legado e o empenho do ex-prefeito de Goiânia no desenvolvimento da educação”. 

Tive grandes alegrias no convívio com o professor Nion por vários anos. Coube a mim, como repórter da Folha de Goiás, em 1982, entrevistá-lo logo após a fragorosa vitória de Iris Rezende Machado para o governo de Goiás – ele, o professor, era o chefe do escritório de planejamento para a capital e aquilo era o indício de que seria ele, como de fato o foi, o escolhido para a Prefeitura de Goiânia. Ele foi, pois, o último prefeito “biônico” (apelido para os escolhidos a ocupar cargos políticos sem eleição).

Eu era um dos jornalistas da Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Goiânia. Quando o professor Nion assumiu o cargo, deu a todos nós, os jornalistas efetivamente em trabalho na Assessoria, o benefício da continuidade – ainda que fôssemos comissionados pelo prefeito Índio Artiaga, o antecessor, escolhido pelo governo de Ari Valadão.

Naquela condição, fiz cobertura de incontáveis fatos, dos quais destaco alguns – como as frequentes visitas do primeiro dos nossos prefeitos, o professor Venerando de Freitas Borges, sempre com seus conselhos altamente valiosos, pronunciados em tom jocoso, como era do feito de Venerando. Nion o escutava com atenção e um sorriso permanente, e bem acolhia a experiência inestimável do velho mestre – mestre de escolas, de política e de gestão pública.

Outro grande momento (talvez algum colega tenha foto de tal evento, eu não tenho) foi a visita do paisagista Burle Marx. Um homem de luz, alegre e bem-falante e, tal como Venerando, muito “bom de conselhos”. O prefeito Nion (era 1987 e sua segunda passagem pela Prefeitura, então eleito pelo voto popular) fez como sempre, mandou que se anotassem as sugestões do visitante e as cumpriu todas – uma delas: que se parasse de passar cal (ou calda bordalesa) nas cascas das árvores: “Isso lhes tolhe a respiração”, disse Burle Marx.

A mais expressiva delas, porém, foi quando soube de um aluno de quarta série ainda sem o domínio da leitura e da escrita. O prefeito convocou diretores para uma reunião emergencial, em seu gabinete. Fui chamado para cobrir o encontro. Dentre outras coisas, quando uma diretora presente reclamou da falta de respeito de pais alunos para com os professores, ele reagiu com energia e doçura – o que lhe era típico: “Culpa das senhoras. Nunca aceitei que alunos me chamassem de tio, mas sempre de professor. Se a criança não respeita pai e mãe de verdade em casa, não vai respeitar tia de mentira lá fora”.

Nion Albernaz era assim. Sempre professoral, terno, feliz, atencioso e gentil – mas não perdia a postura, a segurança da razão. Ou seja, eu também aprendi muito com ele a cada encontro. Em seu terceiro mandato, atendeu-me para uma “exclusiva” – eu não era mais dos quadros da Prefeitura, e sim editor do semanário Gazeta de Goiás. Um dos velhos companheiros comentou: “Foi a única exclusiva que ele deu nestes anos”. Entrevistá-lo era um prazer imenso, pois ele tanto respondia como perguntava – e ouvia com atenção. Trocava ideias, colhia opiniões. Como político e como gestor, jamais perdeu a condição de professor, a dignidade do mestre.

A secretária Raquel Teixeira e o governador, idealizadores da Comenda Nion Albernaz.

Por isso, regozijo-me com o governador Marconi Perillo e a titular da Seduce, a professora Rachel Teixeira. Essa comenda chega em hora muito feliz e busca reconhecer o mérito do professorado goiano, enfaticamente o da rede estadual, nessas casas que formam o cidadão de amanhã.

Essa comenda dignifica quem a recebe, mas é ainda o reconhecimento ao velho mestre e prefeito (por três vezes), Nion Albernaz.

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Luiz de Aquino – jornalista, professor e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


domingo, março 04, 2018

A saudade evoca valores




MUSICA-ME (*)


1
Lígia Saavedra · Ananindeua, PA
23/11/2010 · 3 · 1
MUSICA-ME!

Imagina se eu cantasse
a minha paixão por ti.
Somando notas em pauta
entregando-me a lascívia
da música com a poesia
num ménage encantador.
Até sinto a dor do ciúme
Da boca a lamber a língua
quando a pronúncia dos versos
encaixa-se à melodia
num tão sensual solfejo
que o som se transforma em canto
encanta a alma em transe
e o corpo só corresponde
ao gozo arrebatador
da canção que me penetra
do-ré-mi-fando os meus sentidos
sol-lá-siando o meu amor


LÍGIA SAAVEDRA.






































saudade 

evoca valores



Ouço vozes, estando só em casa. Nada de mais, não estou maluco nem caduco – é que, estando só, mantenho a tevê ligada para não me embebedar de silêncios e adormecer de tédio. Algum som estimula-me a criatividade, em especial se tal som for de boa música. Ah, mas qual! Nestes tempos só se ouve música boa quando se tem em casa o que selecionar.

Sim, não exagero. Os tempos são estes de “anitas” e “luans”, com seus pares às dezenas a estourar-nos os tímpanos e a paciência. Triste mesmo é ver jornalistas de boas (?) escolas a estuprar a Língua Pátria e conclamar a claque a aplaudir as nulidades que, por obediência e ganância, obedecem cegamente ao que ditam seus produtores.

Claro, claro... sei que essa leva de artistas cantantes na casa dos vinte e trinta anos não traz consigo boa bagagem de audição e leitura. Alguns, sim, mas fazem concessões às mídias e ao mercado, formado pela massiva publicação do lixo musical.

Na minha juventude, alguém da mídia decidiu chamar um cabeludo de calça-apertada-e-cinturão de Rei do Iêiêiê, meus contemporâneos recordam-se bem. Hoje, os coleguinhas preguiçosos da imprensa impressa transformaram o título de demagogo musical para “rei da MPB”, em desrespeito total a uma grande leva de talentos nascidos nos Anos 40!

Há pouco, ouvi o canto de alguns ídolos da época dos 90 do século passado. Letras simples, com mensagens parodiadas ora de alguma leitura ou citação dos pais, ora de algum dito nem tão valioso de algum político em evidência na infância daqueles, hoje chamados de poetas em detrimento de chicos, “djavans”, “caês” e “gilbertos” – para não citar os poetas só de textos, sem pretensões musicais.

Vivi a adolescência quando um grupo de moços, uns poucos anos a mais que eu menino, surgiram com grandes novidades. Ritmo suave de tocar a alma, vestindo versos de canções intimistas e otimistas, substituindo a famigerada dor-de-cotovelo dos boleros e sambas-canções das vésperas. Vimos o fogo-fátuo da jovem-guarda e o pipocar das luzes sonoras dos quatro de Liverpool e logo, logo outros jovens – agora, da minha faixa etária – criando coisas diferentes que logo se chamou Música Popular Brasileira.

Tanto os bossa-novistas quando os praticantes da novíssima MPB eram moços egressos do antigo e fora-de-moda hábito da leitura. Lia-se romances – nacionais e estrangeiros – e lia-se poesia, brasileiras e importadas, e de tal aprendizado (muitas vezes autodidatas) vimos brotar (aqueles, sim) jovens geniais a marcar indelevelmente a existência.

Veio deles a criação corajosa e espontânea, a melodia revolucionária e a canção atrevida, contestando os costumes e os regimes (toda a América Latina sofria ditaduras plantadas pela também famigerada CIA, a agência de sacanagens dos EUA para os povos vizinhos e para todo o mundo).


Imagem que ilustra o poema de Lígia Saavedra, in Overmundo. 

Um dia, fez-se a luz lá longe, na escuridão que parecia infinita. Um dia, cresceu a imorredoura ânsia de liberdade e demos fim à censura. E o fim da censura foi muito além da sonhada Liberdade, e um efeito colateral se fez inevitável – brotou por todo o país a erva daninha da libertinagem, e a criatividade qualitativa adormeceu ante a sanha dominadora da criação desenfreada, sem pré-natal nem vacinas.

Ando triste. Muito triste. E só removo esse sentimento quando, incompetente no manuseio de instrumentos e despreparado para o canto, faço acontecer o soar monótono do meu teclado e venho parir estas linhas, folhagens do meu pensamento.

Ainda bem que posso visitar o passado e despertar meus ídolos, cantantes e instrumentistas, doutros tempos. Aqueles tempos em que o mundo reverenciava o Brasil por “aris” e “heriveltos”, “tons” e “vinícius”, “medaglias” e “elis”.

Hoje, é isso aí...






(*)  Poema de Lígia Saavedra, com ilustração, colhido no site Overmundo - www,obermundo.com.br/banco/musica-me.



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Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.