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quinta-feira, outubro 25, 2012

Vinícius de Morais, ano 100


Vinícius de Morais (Foto:Internet)


Vinícius de Morais, ano 100


No dia 19 deste outubro de 1913, nasceu, no Rio de Janeiro, o poeta e compositor Vinícius de Morais, uma das maiores e principais referências da bossa nova. Bacharel  em Direito, jamais exerceu profissões do ramo; jornalista, crítico de cinema, diplomata, poliglota, apaixonado por música e poesia, veio a ser, segundo o contemporâneo Carlos Drummond de Andrade, o poeta brasileiro que efetivamente viveu como poeta.

Em 1980, três meses antes de completar 67 anos, faleceu. Deixou, como sabemos, vasta obra em poesia, prosa e música. Neste segmento, ele compôs sozinho, mas notabilizou-se pela enorme variedade de parceiros, com ênfase para Tom Jobim, Baden Powell e Toquinho. A tais parcerias duradouras, Vinícius se referia como casamentos de arte.

E se variou tanto nos casamentos musicais, o mesmo se deu quanto aos casamentos como os definem os dicionários. Foram nove as mulheres com quem esteve casado – pelas leis brasileiras da época, casou-se com a primeira; as demais foram esposas de fé e paixão.

No começo de sua carreira musical, precisava equilibrar-se entre o Ministério das Relações Exteriores, simbolicamente chamado pelo nome do palácio da Avenida Marechal Floriano, no centro da antiga capital da República, palácio esse que sediou os dois primeiros governos da República – Itamarati. Num dado momento, sei lá por qual razão exibicionista, alguém trocou o I final por Y. As autoridades diplomáticas não viam com bons olhos um diplomata de carreira subindo em palcos de bares e boates, cantando e contando piadas. Vinícius fazia isso, sim. Até que o segundo dos ditadores de plantão do chamado regime militar determinou, ao seu modo cavalar: “Demitam esse vagabundo”.

Essa “demissão” se deu com um processo demorado e se deu de modo ajeitado – uma aposentadoria proporcional. Quase 30 anos após a morte do poeta, o governo federal redimiu-o nas hostes do Itamarati (insisto com a grafia original e correta), atribuindo-lhe, post mortem, o cargo de Embaixador.

Desde quando ouvi, pela primeira vez, lá pelos meus dez anos de idade “Tristeza não tem fim / felicidade, sim”, versos esses seguidos de uma série de conceitos lindos para felicidade. Ouvi por sem-números de vezes as incontáveis canções de  Vinícius com seus parceiros e também as que ele compôs sozinho. Li algumas biografias e muitas, muitas referências – numa delas, descobri que a música que me encantara tinha duas letras, mas só conheci essa, a mais famosa. Encantei-me, logo em seguida, de uma canção muito alegre, feliz, chamada Rancho das Flores. No disco, estava escrito que o parceiro do poeta, o compositor da música, era um tal Johann Sebastian Bach, e que este dera outro nome à sua obra – Jesus Alegria dos  Homens. Sentia-me muito feliz com aquele recital de flores: 

Olhem bem para a rosa 
Não há mais formosa 
É flor dos amantes 
É rosa-mulher... – cantou ele.

Quantos casais, quantos amantes, quantas pessoas felizes – e infelizes, também – não se deleitaram de seus versos. Tom Jobim dizia que ele era ubíquo, ou seja, capaz de estar em vários lugares ao mesmo tempo; e Millor Fernandes ratificava, indo um pouco além “Ele é plural, por isso se chama Vinícius de Morais; se fosse um só, seria Vinício de Moral”. Por ou pelo outro, havemos de convir: viveu tão intensamente que é complicado entendermos que em apenas 66 anos tenha vivido tanto, produzido tanto, trabalhado tanto e se casado tanto. Chico Buarque e Toquinho, homenageando-o, compuseram Samba pra Vinícius: 

Poeta, poetinha vagabundo 
Virado, viramundo, 
Vira e mexe, paga e vê 
Que a vida não gosta de esperar 
A vida é pra valer 
A vida é pra levar 
Vinícius, velho, saravá. 

Uma alusão debochada à pecha que a ele atribuiu o presidente que legou ao Brasil o famigerado AI-5.

Poeta, Poetinha? Ah, o Poetinha... O apelido teria sido coisa de um de seus amigos – fala-se em Pedro Nava, em Antônio Maria e Tom Jobim como um dos possíveis autores. O fato é que a coisa pegou. E, pouco antes de seu desenlace, um jornalista quis saber a razão do diminutivo – Vinícius era, ele próprio o maior usuário de diminutivos no Brasil – e o poeta, pilheriando, resumiu mais ou menos assim: “Não sei, deve ter sido coisa de algum marido enciumado”.

Pois é! É tempo de disparar o Centenário de Vinícius de Morais!


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sexta-feira, outubro 19, 2012

Endereço: Maverick vinho, 74...

Se a memória ainda estiver fiel, a placa era EF-4070. Deixou muita saudade! Anos depois, comprei outro, branco, 76...


Endereço: Maverick vinho, 74...



Que tempo era aquele, hem? Ora, eu sei, final dos Setenta, começo dos Oitenta, Século XX (vinte, para os que não chegaram à escola que ensinava assim). Eu vinha de uma boa fase profissional, deixara o banco, estava na telefônica nos últimos trinta meses, ganhava bem e em dia (o salário caía na conta no dia 20 de cada mês, e era mês a vencer).

Era Dia do Índio, 19 de abril, em 1979. Cochichei ao ouvido de Wilmar Alves, jornalista, ex-aluno no Liceu: “Estou desempregado”. E ele, segundos após, olhando-me com severidade: “Está não; segunda-feira você começa lá comigo”. Esse “lá comigo” era a editoria de política do Jornal Opção, em sua fase diária.

Naquele momento, começava a fase romântica no conceito das profissões que exerci desde a adolescência. Foi um período grave, de quase dez anos, com salários irrisórios e pagamentos atrasados. Mas foi uma fase bonita – claro, descontando as dores e constrangimentos naturais.

Wilmar, amigo desde os tempos do Liceu, foi pessoa de minha relação mais bonita, a da amizade livre de expectativas. Gostávamos de nos encontrar, de acompanhar a vida um do outro: filhos que nascem e crescem, novas funções profissionais, novos livros.... Mal-educado, ele: foi-se muito antes da hora, nem se despediu de todos!

Aquele ano, 1979, foi muito marcante... Empreguei-me no jornal, com horários malucos – das 17 horas até o fechamento total da edição – e muita boemia, cumprindo o após-expediente nos raríssimos bares que só se fechavam ao nascer do sol, fiz-me solteiro outra vez; comecei a namorar uma linda jovem, namoro de pura paixão e muitos arroubos. Durou pouco, sete meses, apenas.

Nos dias de namoro, vendi uma máquina de escrever, eletrônica; consegui, lembro-me bem, quarenta mil cruzeiros! Acrescentei cinco mil e comprei, à vista, um Maverick 74, cor de vinho, muito bonito! A exposição ao sol comprometeu a pintura, a tinta soltava-se a cada lavada.

Quando recebi o título de Cidadão Goianiense, pedi e a vereadora Célia Valadão homenageou alguns
amigos meus; entre eles, o Benevides.

Na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Goiânia, fiz companheiros que se tornaram grandes amigos. Entre estes, Benevides de Almeida, uma espécie de repórter-símbolo da Folha de Goiás, que aparecia como “Goiaz”. Bené, para os íntimos, foi o colega com quem mais briguei em toda esta jornada. Nossas discussões duravam muito pouco, acabavam sempre no bar mais próximo.

Pois é ele quem, volta e meia, cobra-me esta homenagem: uma lauda em louvor do velho e bom Maverick. E por quê? Por quase nada... É que, empolgado com aquele novo e inusitado ofício sem horários, sofrido com o término do casamento e, logo em seguida, do namoro apaixonado, decidi esvaziar o pequenino apartamento alugado na Vila Brasília. Entupi o Maverick com coisas inevitáveis, como roupas, livros e uma prosaica máquina de escrever, portátil – sucessora da imponente IBM “de bolinha” e ganhei a vida e as ruas! As noites – parte delas –, passava-as no encerramento do jornal, à porta de algum bar sob a vigia do guarda noturno (meu amigo) ou no estacionamento da “Folha” – no prédio que hoje é do DM, na Praça da Bíblia.

Pois é! E vem o Benevides a cobrar-me gratidão ao velho e bom Maverick... Devo contar, ainda, que esse proceder eu repeti poucos anos após, num distinto e eficiente Passat 79, que se prestou ao mesmo destino do saudoso Maverick de seis cilindros.

Tempo bom mesmo, hem, Bené?

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quinta-feira, outubro 11, 2012

Manhã de beca e capelo




Manhã de beca e capelo



Há dois tipos de festas que considero enfadonhos – casamentos e colações de grau. Os primeiros, em qualquer rito e lugar, cercam-se do corriqueiro, de noivas engalanadas, noivos enganados e convidados desagradados; as formaturas, muvucas de familiares mal-educados a tumultuar o que seria clássico e tradicional… Enfim, prefiro sempre um bate-papo à mesa de um bar… Ah, serei franco: já gostei muito, agora gosto mesmo é de um grupo relativamente pequeno numa varanda, numa sacada ou num puxadinho. Cerveja gelada, bom tira-gosto e papo pra cima.

Um escritor feliz entre duas novas mestras, Allyne e Elisabeth

Ao que chamamos festa, gosto de vernissages e sessões de autógrafos literários – de preferência, sem discursos. Gosto também de sessões solenes em academias de letras. Divagações desnecessárias, estas. Meu propósito é falar de uma festa, na manhã da última quarta-feira, dia 10 de outubro, acontecida no Auditório da Reitoria da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Eis que, de repente, vi-me três vezes convidado... Não faltaria. As mestrandas Allyne Pimenta e Elisabeth Lemes e ainda a coordenadora do Mestrado em Letras, professora doutora Fátima Lima, distinguiram-me com o chamado. E fomos, Lucas e eu, para assistir a alegria daqueles mestres, mulheres e homens, construindo sua formação acadêmica e oferecendo, assim, ao meio universitário e produtivo, valores humanos mais aprimorados, aptos a colocar a sociedade em patamares mais elevados.

Entendi que o horário dificultava presenças. Poucos eram os “becados”cujas famílias estavam lá, pois era horário de trabalho. Porém, e por abranger mestres de variados segmentos – não menos que vinte novos titulados – a festa ficou de bom tamanho, aconchegante e sem tumultos. Discursos breves e improvisados (tomara que tenham gravado; transcritos, hão de ser publicados, para o registro indelével de uma festa recém instituída e que há se fazer tradicional) deram o tom das emoções. Particularmente a mim, quando Elisabeth Lemes, falando em nome dos diplomandos, citou-me como alguém que representaria sua família ausente e que, sendo quase que o único (Lucas Leão Alves ainda não se firmou como escritor na memória das pessoas; é questão de tempos e novos livros) a demonstrar o meio dos escritores e, de certo modo, frequentador do ambiente do Mestrado de Letras da PUC. Senti-me lisonjeado, obviamente!

As becas pretas; pelerines, faixas e capelos nas cores representativas de cada profissão – vermelho para os de Direito, verde para os da Saúde, azul para os de Letras, Educação e outros licenciados e bacharéis. Professores da PUC, pró-reitores e coordenadores, todos na indumentária que a tradição exige e uma nova ritualística, similar às já existentes nas universidades, mas específica para o momento.

Allyne Pimenta e eu, momentos antes do início da solenidade na PUC-Goiás
Gostei muito! A gente festeja cada passo do nosso processo evolutivo, seja biológico ou social e, neste setor, o intelectual. Porque restringir a entrega de um diploma de Mestre e de Doutor na burocracia de um protocolo de entrega e recibo, ou de um despacho postal? Festejem-se também esses passos grandiosos e importantes, para o indivíduo e a comunidade! No meu íntimo – eu, que amo as escolas e orgulho-me muito de todas as casas de ensino pelas quais passei, incluindo a minha estada relâmpago na UnB e uma história de quase dois anos pela UFG, sinto-me em casa quando na PUC – que, ao meu tempo, era modestamente a Universidade Católica de Goiás. Modesta? Talvez sim, pelo rigor da conduta dos padres jesuítas que, àquele tempo, dominavam com suas solenes batinas os corredores da Faculdade de Filosofia, que passou a ser conhecida – num empenho da ditadura para forçar o olvido das boas memórias – como o Básico da Católica.

Emocionei-me, pois, como quem acolhe em casa um momento expressivo da vida social e acadêmica. E envolvi-me na emoção da Allyne, bem como na homenagem que, inesperadamente, fez-me Elizabeth. Esta manhã, meninas-mestras, já é inesquecível!

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domingo, outubro 07, 2012

Morgan Freeman e o preconceito de cor


Morgan Freeman e 
o preconceito de cor




Temo o dia em que a tecnologia 
sobrepasse nossa humanidade. O 
mundo terá apenas uma geração 
de idiotas” (Albert Einstein)



Recebi, no Facebook, um filmeto de 40 segundos em que o festejado ator Morgan Freeman dialoga com Mike Wallace. O branco lhe pede opinião sobre o mês da consciência negra, e ele responde que é contra; o branco se espanta e Morgan Freeman pergunta-lhe, então, qual é o mês da consciência branca. Não existe, foi a resposta, acrescida de “Eu sou judeu”. E o ídolo negro insiste: “E o mês da consciência judaica?”. A resposta é outra vez negativa e de novo acrescida: “Mas como vamos acabar com esse preconceito?”. O negrão abrevia: “É muito fácil. Eu paro de te chamar de branco e você para de me chamar de preto”. Vejam em http://youtu.be/tNEoIo3XMws.

Esse filminho precisa chegar ao Supremo Tribunal Federal. Antes que os ministros apreciem a ação em que uma entidade  “representativa” pretende censurar Monteiro Lobato nas escolas. Não consigo entender se o que pretendem essas instituições racistas é apagar a História ou simplesmente chegar ao que nos parece mais óbvio – movimentar verbas. No governo anterior, e com verbas públicas, chegou-se a até elaborar uma cartilha do politicamente correto e uma cartilha que deu muito o que falar sob a cobertura de um combate à homofobia.

Pessoas que agridem homossexuais e (ou) discriminam índios, pretos, mulatos, pardos (está assim nas normativas do IBGE, não é mesmo? Pardo, para mim, é papel com que se faz embrulho reforçado), gordos, baixos, mulheres etc. e tal sofrem de algum distúrbio mental – ou físico, refletindo no psicológico. E aí, nas últimas duas décadas apareceu um novo tipo de conduta, de postura. Trata-se de se instituir um orgulho gay, ou uma soberba racial. Para quê? Consolidar a diferença? Que diferença?

Nem todo mundo se preocupa com isso. Boa parte dos jovens prefere alienar-se nas telinhas de seus celulares moderníssimos, de suas lousas eletrônicas, que preferem chamar de “tablet”, palavra de raiz latina que chega a nós com a empáfia de que se reveste a juventude para parecer mais importante: ‘É inglês!”. Nós os vemos nas portas das escolas, nas conduções, nos xôpins e até mesmo nos cinemas “comunicando-se” pela mídia cibernética. Tudo bem, estaria tudo bem se, a par de usarem essa parafernália, eles cultivassem também as relações pessoais. De minha parte, escolhi não usar meu telefone como terminal da Internet; quando saio de casa, quero mesmo é ver e curtir pessoas, seja no trabalho ou no comércio, nas praças, nos bares.

Assim, enquanto os jovens se fecham em redes sociais, os “lideres” de minorias qualitativas inventam ações. Monteiro Lobato que seja condenado, quem mandou escrever “neguinha”?

Vou expandir essa coisa aí! Meus amigos literatos – escritores e professores, leitores apaixonados e críticos dedicados – que me ajudem! Vou oferecer a essa gente mais um prato maravilhoso!

Existiu um alagoano na vida brasileira, médico, pintor, poeta (chegou perto de ganhar um Nobel de Literatura e só não o obteve porque morreu precocemente, uns quatro ou cinco anos de receber a honraria da Academia Sueca) chamado Jorge de Lima. A Academia Brasileira de Letras recusou-o seis vezes, imaginem! E acham que a ABL agora vai mal porque aceitou Paulo Coelho; essas falhas decorrem das imperfeições humanas e ninguém se torna gênio por estar numa academia; o processo é na mão contrária, mas mesmo assim acontecem erros, como se vê.

Jorge de Lima, no entender do professor, jornalista, crítico literário, diplomata e grande figura humana (este foi membro da ABL, tardiamente) Antônio Olinto, “foi um dos maiores poetas do Brasil e de toda a América Latina!”. Pois esse poeta já foi homenageado em samba-enredo pela Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira com “Imagens Poéticas de Jorge de Lima”, no desfile de 1975. A motivação veio do poema “Essa Negra Fulô”:

          Ora, se deu que chegou 

          (isso já faz muito tempo) 
          no bangüê dum meu avô 
          uma negra bonitinha, 
          chamada negra Fulô.

E tem mais, muito mais... Se o propósito é censurar, esvaziem-se as bibliotecas! E as pinturas do Di Cavalcanti; e as canções de Lamartine Babo; e tudo o que se passa nas escolas de samba, nas torcidas dos times populares... Mas o que fazer com a intimidade do pensamento? As ditaduras já tentaram isso. Não deu certo!


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