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terça-feira, junho 30, 2009

Taleb viaja, o Gordo acena...

Taleb viaja, o Gordo acena...


Luiz de Aquino


Acabara de chegar a São Paulo, era noite fria, inverno, 1998. Daqui, de Goiânia, informei a Lúcia, amiga goianiense vivendo na Paulicéia, do horário e do hotel em que ficaria. Mal depositara a mala na mesinha, o telefone. Era ela. Contou-me do dia, triste e tenso, denso, o dia aquele, o mesmo dia em que assinara, ante o juiz, a separação (o marido apaixonara-se por uma menina de vinte e um anos, metade da idade dele).

Desliguei o telefone, colhi na mala a roupa para após o banho. Antes que abrisse o chuveiro, novamente o telefone. Uma voz forte, de homem, e brava, xingava-me de filhodaputa e acusava-me de “dar em cima” da mulher do dono da voz. Ex-dono, entendi eu, mas por experiência própria tentava entender as razões do homem brabo ao telefone. “Eu sei onde você está, seu corno, e vou aí te pegar”, dizia o tal, transferindo para mim a condição que, naquele momento, ele tinha de si. Eu discutia, um tanto vacilante, sabia que não diria nada para acalmar o cara nem o convenceria de nada. Pensava apenas em sair daquele hotel, já olhava em torno, sabia de outros bem próximos...

“Vou aí te pegar”, repetia a voz decidida. Resolvi ficar brabo também, tinha de ganhar tempo. Mas o valentão na outra ponta da linha resolveu concluir, e arrematou assim: “É o Jorge Taleb”. Só tive uma reação – chamá-lo de filhodaputa, no mesmo tom em que ouvi dele -. E caímos na risada. Eu não imaginava que o “turco” também conhecia a Lúcia.

Como se vê, éramos, os dois, confidentes da moça. Ela voltou a morar em Goiânia, mas poucos meses após tomou um chá de sumiço, e parece que foi definitivo. De todo esse entrevero, ficou para mim (e para o Jorge também) a alegria de uma brincadeira bem bolada. Desde aquele inverno de onze anos atrás, todas as vezes em que nos víamos a história vinha à tona e cometíamos novas risadas.

Na segunda-feira, anteontem, começo da tarde, ligou-me o Nilson Gomes. Deu-me conta da morte do Taleb, o velho amigo dos tempos de Don Quixote, “a esquina mais famosa de Goiânia”, no dizer do Luiz Augusto Pampinha. E foi o Pampinha o primeiro dos amigos, dos colegas jornalistas da velha-guarda goianiense, o primeiro que vi na Igreja de São Nicolau. Amigos muitos, colegas e políticos, e parentes. E ainda os indefectíveis “patrícios”, a fina-flor da sociedade árabe, segmento importante na formação social de Goiânia. Taleb despedia-se, silenciosamente, dos velhos camaradas, os que lhe causaram risos ou lhe foram fontes e parceiros nos comentários prévios de notícias e de temas de crônicas e artigos (feito eu, muitas vezes).

Não esperei o fim da missa. Demorei-me no adro da Igreja, despedindo-me de amigos (e saudando alguns que ainda chegavam). Senti que o nosso meio, este dos acima dos cinquent’anos, vai se empobrecendo no volume de nomes e corpos. Lá dentro, e antes da missa, olhei derradeiramente para o velho amigo, companheiro de mesa e de letras. Lembrei o Gordo da Praça (que tive o prazer de conhecer há poucos meses) e não o vi. Mas ao sair, dei-me com ele. Perguntei “e agora?”, ele apenas respondeu confirmando que saía das páginas do jornal.

Penso que não. O Gordo da Praça existe (Mary Anne não sabia, pensava ser apenas uma figura da imaginação de Taleb) e não precisa se ausentar, como homenagem ao amigo que fez dele uma lenda. Taleb, o autor de textos bons e belas análises, vai nos cobrar a presença do Gordo em alguns textos futuros.

A gente cuida, sim, meu Jorge, amigo velho! Hoje mesmo, vou brindar com café, numa prosa curta com o Gordo. Vai com Deus, Taleb!



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras (poetaluizdeaquino@gmail.com). 

domingo, junho 28, 2009

Nota no DM / SESCBRASIL


Amigos, estou na coluna Café da Manhã, no Diário da Manhã de hoje (além de, claro, a minha coluna publicada na página 6 do DMRevista, o caderno de cultura).

 

 

Diz a nota do jornalista Ulisses Aesse: 

 

***

Destaque a Luiz de Aquino
Jornalista, escritor e cronista aqui do DM, Luiz de Aquino foi destaque no jornal SescBrasil, edição nº 69, de circulação nacional. A edição de maio reservou um generoso espaço para Goiás e a diretoria regional indicou o nome do escritor como personalidade de destaque. Não errou. Pelo contrário, fez justiça. Aquino tem contribuído e muito com a literatura não goiana, mas brasileira. É um escritor militante e com uma preocupação obcecada pelo bom português.

***

http://www.dmdigital.com.br/index2.php?edicao=7903 (pagina 4, primeiro caderno), ou

 

http://www.dm.com.br/materias/show/t/obras_do_aeroporto_em_ritmo_acelerado

 

 


-- 
Luiz de Aquino

sábado, junho 27, 2009

Ladeira acima, morro abaixo…


Luiz de Aquino

Há poucas semanas, discorri em uma das minhas crônicas sobre a má educação de estudantes que buscam entrevistar pessoas para elaboração de seus trabalhos escolares e depois desaparecem, sem dar o retorno mínimo, qual seja uma cópia de seu trabalho para o arquivo do entrevistado. Por um lapso meu, ficou no ar a impressão de que o mau hábito é de jovens. Corrijo, pois, a injustiça contra as novas gerações, porque há pessoas nas faixas “superiores” da estratificação etária que agem de modo mais condenável, ainda. Vou contar.

Antes de nada mais, devo recordar que não generalizo. Nem todo jovem é mal-educado, nem todo velho é “do bem”. Canalha também envelhece (e nem todo mal-educado é canalha, é bom que eu diga. E que se diga). Desde aquele distante ano de 1963, quando cheguei a Goiânia, estranho (ainda estranho, sim) o mau hábito local de se abusar de pessoas respeitáveis. Era meninos chamando adultos de “você” sem desfrutar da intimidade da pessoa; era qualquer um (mulher ou homem, jovem ou adulto) a pisar o pé de alguém e sequer se virar para pedir desculpas; era estudantes uniformizados a ocupar lugares nos bancos dos ônibus e não oferecer o privilégio a algum velho ou mulher grávida.

Da parte das moças, irritava-me ver o abuso que cometiam contra professores, especialmente os de cabelos brancos. Ou o hábito repugnante de se sentar e colocar os pés (com sapatos) nos assentos das poltronas; ou ainda (isso era genérico) de acenderem cigarros nos salões de cinemas tão-logo vislumbrassem o final do filme. Goiânia era a terra do “você-sabe-com-quem-está-falando?”, pois quem não era parente de deputado, secretário ou executivo dos poderes, era filho ou sobrinha de algum empresário de realce.

É só fazer os cálculos: os adolescentes de 1963 são hoje sessentões. Pais e avós que criaram seus filhos do modo como foram “educados”, somando ao jeito errôneo o modismo dos anos 70 de assegurar plena liberdade, sem o equivalente ensino de respeito ao próximo.

Já contei ene vezes... Vi pai e mãe pôr o indicador no nariz de professor exigente e dizer “sou em quem paga seu salário”; depois, quando o filho mal-educado expunha os pais a saias-justas, vinha a desculpa esfarrapada de que “pagamos o colégio X e você não foi bem educado”. Como se esse lado da educação coubesse ao professor (que não pode reprimir porque quem lhe paga o salário quer o filho desfrutando de total liberdade).

Há cerca de quinze anos, um ex-colega de trabalho pediu-me um texto que seria a trilha para um documentário sobre Pirenópolis. Fiz. Fiz com carinho e poesia. O homem fez um filme em VHS, deu-me uma cópia defeituosa; devolvi-a e pedi uma nova, que jamais me foi dada. Há poucos anos, num encontro casual, disse-me ele que havia copiado aquele filminho em DVD e que me enviaria um imediatamente. Claro que não acreditei, e ele realmente não me gratificou pelo trabalho intelectual.

Dias destes, por iniciativa de minha amiga Maria do Rosário Paranhos, chegou-me à mão um exemplar do misterioso DVD, contendo dois filmetos: um, com texto de Lorimá Gualberto, com 23 minutos; o outro, com o meu texto, de 17 minutos.

Omito o nome do autor do filme. É que há quinze anos ele vende essa obra para turistas que visitam Pirenópolis. Jamais lhe cobrei senão um exemplar para meus arquivos. Mas foi necessário que uma amiga lhe comprasse o cartucho com o disco e me fizesse presente. Por esta e aquelas que já citei noutra crônica, estou contando até três antes de atender a pedidos dessa natureza.

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com.

quarta-feira, junho 24, 2009

"Magia" na Escola Evangelina Duarte Batista

Poema meu na Escola

Eu com Luiz Poeta e alunos, em 2004, na Evangelina

 

Não se trata de uma escola qualquer, mas aquela onde me preparei para o Exame de Admissão do Ginásio, nos anos de 1956-57: a Escola Evangelina Duarte Batista, em Marechal Hermes, no Rio.

Pois bem, a minha querida escola, na pessoa do professor, músico e poeta LUIZ GILBERTO (Luiz Poeta), informa-me que estudantes da turma 1902 (Nono Ano – o que, para a minha geração seria o Quarto Ano Ginasial e, para os mais novos, a Oitava Série), achou-me…

Bem, vejam o e-mail de Luiz Poeta:



 

OI, MEU IRMÃO LUIZ DE AQUINO

 

 

Na foto em anexo, os alunos da Escola  Municipal Evangelina Duarte Batista, em Marechal Hermes, Rio de Janeiro, onde leciono,  que apresentaram a aula de Literatura sobre o escritor Luiz de Aquino.

 Alunos da Turma 1902/2009

Sob orientação do professor regente, os alunos pesquisaram na internet, retiraram a sinopse biográfica do poeta e um poema do mesmo, declamaram-no para os companheiros de classe e interpretaram cada uma das estrofes, dando sua opinião sobre a experiência realizada e sobre a impressão que tiveram de você, Luiz de Aquino,  como pessoa e como artista de letras.

 O trabalho...

Sentiram-se supervalorizados quando souberam que você foi um dos nossos alunos como eles e que hoje é um escritor de sucesso.

Sua foto, em tamanho grandioso foi estampada para que todos o conhecessem.

Foram aplaudidíssimos e o autor pesquisado também.

 

O trabalho ( em cartolina ) foi exposto nas dependências da escola para que todos conhecessem um pouco da sua vida e da sua obra.

 

Fiquei muito feliz por sentir o seu espírito bom povoando o nosso trabalho.

 

Parabéns !

 

Turma 1902

 

Prof. Luiz Gilberto de Barros ( Luiz Poeta )

 

Ps.: São alunos do nono ano do ensino fundamental.

Foram pesquisados alguns poetas românticos, modernos e os que chamei de contemporâneos, como você.

 

 

O poema estudado pelos alunos está no meu livro “Menina dos Olhos”, de 1987, livro esse inserido na reedição (coletânea) “Meus poemas do Século XX”, em 2001.

 

Magia

 

Posso virar meu chapéu

e fazer voar um pardal.

Brandindo meu lenço,

faço brotar bandeirinhas

coloridas.

 

Posso te olhar profundamente

e te fazer dormir. Posso

te olhar mais de perto

e lançar meus acenos,

dizer palavras exóticas, predizer

maravilhas.

 

Aí, eu te transformo numa rã:

beijo-te a boca

e te faço rainha de mim

para vida inteira.

 

 

Obrigado, Alunos! Obrigado, Professor!

Viva a nossa Escola Evangelina Duarte Batista!!


L.deA.

 

terça-feira, junho 23, 2009

Canudo (não) é tudo!

Canudo (não) é tudo!


Luiz de Aquino


Sarney merece tratamento de majestade? Lula ainda não aprendeu a “liturgia do cargo”. Como fica a segurança pública em Goiás, com essa greve da Polícia Civil? Supremo extingue a exigência do diploma universitário para jornalistas. Segurados do Ipasgo na marginalidade... Tanto tema para uma só crônica! Ando com saudade do tempo em que era editor geral.

O presidente Lula, de lá onde estava, disse que Sarney “não é uma pessoa comum”. Não é mesmo! E pensar que, por um tempo, acreditávamos que o escroque era Toninho Malvadeza, o ACM. Hoje, e não é por ter morrido, ele parece administrador regional diante do cacique maranhense, amapaense etc. (dizem que é ele quem comanda Roraima, onde estabeleceu um preposto, o senador Jucá). Nesse ato, Luiz Inácio usurpou o papel de algum assessor de Sarney. Mais apropriadamente, um jornalista; com isso, Lula tornou-se o primeiro beneficiário da decisão do Supremo Tribunal Federal de dispensar o diploma para o exercício da profissão.

Jornalista (penso que diplomado) Alexandre Garcia falou por quase toda a Nação, no “Bom dia, Brasil” da TV Globo neste 23 de junho (justo quando nascia minha sobrinha-neta Sofia; parabéns, Leda e Gustavo!). O apresentador dizia, com suas palavras, que Sarney devia ser o primeiro a tratar-se como pessoa especial não cometendo atos que comprometem sua biografia de ex-presidente (da República, do Senado algumas vezes e de boa parte do Norte-Nordeste).

Em Goiás, a Policia Civil (de apenas três mil e quinhentos membros) faz greve. Falta tudo – salário digno, armas, munição, delegados, escrivães, agentes, viaturas, combustíveis etc. e tal). Apegamo-nos à PM, que tem mostrado eficiência e, justamente por isso, inverte opiniões (há alguns anos, falava-se em acabar com as policias militares; hoje, parece, os governos estaduais acabam com suas policias civis).

Médicos de Goiânia credenciados no Ipasgo não conseguem atender os segurados do instituto estadual porque algumas clínicas e hospitais não aceitam a promiscuidade dos funcionários rasos com poderosos que pagam , em média, trezentos reais por consulta. Alguém responde por isso? Olhem, não é culpa dos médicos, mas dos donos e dirigentes de clínicas.

Falando em dirigentes, volto aos jornalistas. No blog do jornalista (formado) e excelente músico Amauri Garcia encontro essa frase:

Você faria quatro anos de um curso cujo diploma não tem o menor valor no mercado? Qual será o significado do diploma de jornalista, senão um valor sentimental?

Ah, eu faria, sim! Nenhuma escola de Administração se fechou no país. A profissão de administrador é regulamentada, os profissionais têm conselhos federal e regionais, e inúmeros são os executivos de várias formações acadêmicas a administrar empresas e departamentos (muitos sequer têm formação superior alguma). A não exigência do diploma, penso eu, garantirá a permanência (já consagrada) de articulistas que se dedicam a temas específicos. Um jornalista articulista, ou mesmo cronista, costuma abranger uma gama sem limite, abordando vários assuntos.

Mesmo com a exigência da formação específica pouco após 1964, muitos são os jornalistas sem diploma específico. Acredito (e o bom senso induz a isso) que os veículos e empresas de comunicação tendem a buscar os melhores, e cabe agora aos diplomados demonstrarem que são melhores. Acho que isso já vem acontecendo (apesar de uma boa parcela dos formados escorarem apenas no canudo, deixando de lado os conhecimentos gerais, o domínio da Língua Portuguesa e da escrita, a boa pronúncia etc.).

Portanto, sejam bons profissionais e continuem estudando. Só o diploma ainda é muito pouco. Exercitem a escrita, leiam muito, conheçam de arte e literatura, de música e teatro (parece que jornalistas acadêmicos só gostam de cinema), de esporte e de leis (Constituição, Código Penal, Código Civil etc.) e saibam conversar, escrever e, principalmente perguntar, porque uma jovem repórter de campo, num segmento esportivo de tevê, esclareceu com muita propriedade: “Atletas só respondem tudo igual porque os repórteres perguntam tudo igual”.

Poxa, aprendi bem com aquela menina, certamente recém formada! Pena que não vi seu nome (falha do diretor de imagens, certamente; vai ver, não é formado).

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membroda Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

domingo, junho 21, 2009

Um mimo, o poema que me dedica Sandra Falcone, vejam:




Sandra Falcone e Luiz de Aquino. Goiânia, junho/1998. 




Traço a traço

 

 

se do que fomos

dia a dia

gritamos 

palavras

aos ventos

 

ainda que tão curta

tenha sido

a nossa  madrugada breve

ainda que o tempo nosso

corra

 

haverá sempre um desenho em nós

de nós

traço a traço

 

 
 
Luiz de Aquino, Sandra Falcone e José J. Veiga 
em Goiânia, junho de 1998


sábado, junho 20, 2009

Um pé nas minas de Pirenópolis


Um pé nas minas de Pirenópolis (*)


Luiz de Aquino - poetaluizdeaquino@gmail.com.br






Meu canto telúrico remonta, certamente, à pregação da primeira professora, Dona Vanda Rodrigues da Cunha, em Caldas Novas. Moça bonita, de longos cabelos negros, ênfase na fala e uma insistente apologia às qualidades dos rios de água fria e às fontes termais da pequenina urbe sul-goiana.


Assim aprendi a amar minha terra: a partir de Caldas Novas até os não-limites pátrios, com ênfase para dois pontos especiais – o Rio de Janeiro e Pirenópolis – antes de me fazer goianiense pleno.

Em casa, estimulado pelo pai, eu cantava canções e valsas de serenata. Meu velho, ainda muito moço, tocava ao bandolim ou ao violão as peças de sua infância, acompanhado pelo inseparável José Pinto Neto, boêmio-símbolo da minha terrinha natal. O repertório de meu pai compunha-se, pois, do cancioneiro nacional divulgado pelas rádios e ainda as de compositores goianos, especialmente os de Pirenópolis – obviamente, com destaque para as da lavra do meu avô paterno, de quem herdei o nome.



A saudade é também forte êmulo. Aos dez anos, fui morar com minha avó Inês, no Rio de Janeiro. Concluído o curso primário, ingressei no Colégio Pedro II, onde concluí o ginasial e iniciei o Clássico. Em vésperas do aniversário de 18 anos, retornei a Goiás e matriculei-me no Liceu de Goiânia, onde concluí o Clássico. Casei-me, tive meus filhos, cursei Geografia na Universidade Católica e, ali, estreitei amizade com o professor José Sizenando Jaime, pirenopolino de ótima cepa.


Meu avô e meus tios, meus primos e novos amigos, além (claro!) da beleza da mulher da terra fizeram-me assíduo na velha Meia-Ponte. Apaixonei-me pela cidade, seus vultos e sua História, sua veia de literatura e música. A luz da lua sobre as pedras do Rio das Almas, vazando o balaústre da ponte fazia renda nas areias da praia. Subia ao morro do Frota, às grimpas da serra da pedreira, rumo aos Pireneus, errava nas miúdas estradas de fazenda, cantava ao luar e atrevia-me (naquela época dos anos 70 do século passado, hoje não...) a tirar agudos de um belo cavaquinho que jamais mereci.



Ao mesmo tempo, poetizava. Escrevia para exaltar as pedras das ruas e dos rios, o verde das pastagens e da natureza, o frio do Rio das Almas, a cantiga feliz das cachoeiras. Sob esse clima, cometi, numa das minhas primeiras publicações em jornais,

uma crônica alusiva à cidade e à Festa do Divino: “Tem maromba, ronqueira e banda-de-couro”. Não tardou muito e produzi, em parceria com José Pinto Neto (sim, o amigo de adolescência de meu pai) uma canção: “Sentimento pirenopolino”. No gosto popular da cidade, essa canção é chamada de modo mais simples e sonoro, embora menos abrangente: “Manhãs alegres”.



Em síntese, estes tantos anos de amor à cidade mostram-me, hoje, que tenho material de prosa para um livro festivo, alusivo à terra-berço de meu pai e de cuja Academia sou membro fundador e ex-presidente.

Cuidarei disso.




(*) As fotos (exceto à minha com o Gabriel ao colo) são de Dalva José Pereira que, como eu, nutre uma paixão irresistível pela antiga Meia-Ponte de Nossa Senhora do Rosário.

Luiz de Aquino, poeta e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.

quarta-feira, junho 17, 2009

Ônus de saber





Ônus de saber


Luiz de Aquino

A poucos meses de completar sessenta e quatro anos, registro a marca de seis décadas de letras: no início, ante a insistência de Dona Vanda, professora, e de Dona Lilita, minha mãe; depois, motivado por uma curiosidade quase mórbida. Todos os dias, aprendo um pouquinho mais. A renda desse investimento é tamanha que os fiscais de tributos não sabem mensurar.

Creio que também os políticos, tão ocupados com seus nobres afazeres, não pensaram, ainda, em subtrair-nos mais impostos, sob um novo título. Se pensaram nisso, vão repassar aos que acumulam informações e experiência os custos de... Digamos, dos auxílios moradias, das “ajudas de paletó” ou do “vale-moça” (que custou até mesmo a presidência do Senado a um deles).


Ah, sim! Eu não queria falar, mas falei. O Senado! Já ouvi de um político que por lá viveu oito anos, a dita “Câmara Alta” é o paraíso, o céu! São oito anos de mandato contínuo, todas as mordomias possíveis etc. e outros etc. Aos poucos, a gente foi conhecendo alguns itens do paraíso, desde a maçã até a Eva.

Mas eu comecei querendo contar dos estudantes que nos procuram (os antigos profissionais... Ia escrevendo “velho”, mas criaram um preconceito burro contra a palavra, então me chamo de antigo). Tornamo-nos repositórios de informações várias para esses jovens que, hoje, são ávidos de conhecimentos. Eles não se satisfazem com nossos livros e matérias de jornais, querem saber exatamente das coisas que não contamos. Atendo-os com rara felicidade, porque com os moços se aprende mais.


Nos últimos dez anos, atendi um sem-número de estudantes, desde meninos do Fundamental, adolescentes do Ensino Médio, jovens de graduação, de especialização e os solenes mestrandos e doutorandos. Respondo-lhes os questionários, verbais ou escritos; gravo com eles em som ou em som e imagem e, sempre, presenteio-os com algum livro meu, escolhendo sempre o que lhes seja afim. Mas dou meu preço: para a vaidade da minha velhice (agora, sim, escrevi), peço sempre uma cópia de seus trabalhos. Alguns se esquecem, infelizmente (para mim).


Há poucos dias eu me queixava a uma moça, do curso de Jornalismo, desse esquecimento de alguns meninos e moços. Ela, de um modo um tanto distorcido (eufemismo: foi mesmo mal-educada), disse-me que “odeia” isso de o entrevistado pedir cópia, e que nesse sentido tem a aquiescência de seu professor. Duvidei: conheço o professor, é um homem de excelente formação jornalística, artística e de educador; um homem distinto, pois. “Se deu (a entrevista) foi porque quis”, disse-me a moça grosseira. Estranho... Em três meses, ouvi grosserias de três moças, as duas outras com nítido preconceito de idade. Estarão os moços mais cuidadosos no trato com os mais velhos?


Deixemos em paz a moça mal-educada. Se ela vir mesmo a ser jornalista, não lerei o que escrever, nem a verei na tevê. E se ela se descambar para a política, não votarei nela. Poderá vir a ser presidente do Senado, rica e oligarca, dona de incontáveis imóveis e, ainda assim, receber auxílio-moradia.


A propósito, gostaria de mandar um recado. Ao presidente José Sarney, sim. Acreditei sinceramente quando ele disse não saber que havia em seu contracheque o auxílio-moradia. Sarney ganha tanto que aquela verbinha não lhe faz diferença. Seria como três reais a mais no meu contracheque. Assim, e imaginando que Sarney vive muito bem, e viverá sem incômodos se acatar meu conselho, sugiro-lhe que doe o total dos seus proventos de senador-presidente às academias de letras das unidades federativas em que é príncipe.

E mais não digo.



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

sexta-feira, junho 12, 2009

Viagem à saudade




Viagem à saudade





Luiz de Aquino








A poesia se veste da Língua, dá a mão ao tempo e sai por aí, com a justa vontade de ser feliz. E aí, ou então, a poesia se interioriza de filosofia, lê nos muros retalhos de arte, censura a sujeira dos predadores, empolga-se com quadris das fêmeas (nem todas, admito) e lambe o chão pelos pés bem-tratados destes tempos de influência de hábitos indianos em cores da novela de Glória Peres.


Viagem, distância, ares e chão, asfalto e trilhos. Viagem ao ontem de quatro, cinco décadas. As ruas dos ônibus, nos subúrbios do Rio, continuam as mesmas, algumas em paralelepípedos carroçáveis, o baú com rodas parece desintegrar-se, feito um Airbus 330 de bandeira francesa. Mas o ônibus não voa e ostenta placas municipais. Uma hora de sacolejos e desembarcamos em Marechal Hermes, “do outro lado”, ou seja, além da linha do trem. Subimos os degraus, quase 50, da velha estação em estilo inglês. Faço fotos, muitas, descemos no lado oposto, o “lado de cá”, o lado onde morávamos, anos 50 e 60 do século que nos viu nascer.





Ah, me esquecia! Para essa andança de saudade e poesia, chamei meu primo Leonardo, o Dáguila. Léo chegou há dois meses, depois de viver vinte anos em terras do Tio-Sam e Osama. Diz a mim que se sentiu triste, nos primeiros dias no Rio, ao ver que “a minha gente anda triste, só olha pro chão”, mas se deu conta de que é indispensável se olhar o chão – há que se evitar pisar cocô de cachorro. Pouco depois, queixa-se da “ turbulência de superfície”.




Descemos do ônibus e quase batemos de frente com um tipo que pensávamos extinto – um amolador de facas, com sua roda de esmeril, a correia, o pedal e o som típico da pedra a comer metal. Em frente, junto à estação, um miniônibus, ou van, ostenta o itinerário “Marechal Hermes – Madureira”. Mudou o veículo: antes, eram velhos carros com uma linha intermediária de bancos escamoteáveis, apelidados por “pererecas”.


Passeamos as ruas, revemos nossa antiga casa na Rua João Vicente, fotografo a placa 1495. Circundamos quarteirões, fotografo a casa da Tia Celina (Rua Regente Lima e Silva, 131), alcançamos a Avenida General Osvaldo Cordeiro de Farias, vejo a casa onde morava Luperce Miranda.

A Escola Evangelina, da nossa infância, a Rua Alexandre Gasparoni, a transversal onde reina, solene, o velho Clube Marã, a Rua Brigadeiro Delamare, a casa do primo Humberto (antes, dos tios Luzia e Rolemberg). Tarde de longa e boa prosa, o passado fazendo-se presente, como atestou Quintana.






Almoçamos num restaurante onde antes era padaria. Sentamo-nos “à goiana”, isto é, de frente para a rua, vendo os passantes, analisando tipos. Silhuetas femininas de expressivos bustos e magnânimas ancas (como são bundudas as cariocas!), mas há também as descuidadas, as que ostentam minissaias, apesar das varizes e celulites.




Dispensamos o ônibus, escolhemos o trem, o velho e bom trem da Central (agora, da Super Via). Viagem rápida, um alto falante a dizer os nomes das estações, atiçando a memória. Léo desembarca no Maracanã, junto à antiga estação-primeira de Mangueira, toma o rumo da Vila Isabel. Viajo alguns minutos mais, salto na estação de referência, a Central. E atiço ainda mais a saudade nas calçadas do antigo Ministério da Guerra, do Itamarati, do Colégio Pedro II...


E volto ao hoje.


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Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras e escreve aos domingos neste espaço. E-mail:
poetaluizdeaquino@gmail.com