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sábado, junho 06, 2009

Tempo inteiro para amar

Tempo inteiro para amar

Luiz de Aquino

Planto pinças no tempo memória, busco arquivos remotos e junto cores de auroras quando me acometo de amor. Mas de amor sou assaltado a todo instante, porque é este o sal dos meus instintos.

Para um 12 de junho, ano qualquer, pintamos o dia de arco-íris, de aurora polar e calor amazônico. Egoístas, fechamos nas mãos as mãos com que sonhamos. Abrimos vinhos e sorrisos, aquecemos em banho-maria o coração de Eros e Afrodite. Não existem lugares disponíveis nas casas de jantares nem nas de encontros de pares. As peles nos são eriçadas, os olhos se vestem de ternura e esquecemos os males quotidianos.

Vou à estante de poesia. Busco três livros, não preciso de mais, por agora. São poetas femininas (poetisas, no dizer de antes de Cecília Meireles), gente da minha esquina próxima, meninas vividas e amadas, e amantes conscientes de seus eleitos merecedores de versos (sim, porque não é qualquer humano merecedor de versos, muito menos se femininos).


Em “A dor da gente”, escolho duas estrofes de “Segredos de amor”, quando Leda(ê) Selma canta:


Na sala rosa

o abajur acende

o desejo filtrado

da penumbra”.

(...)

E da madrugada

estrelas vigiam nossa paixão

e ouvem segredos dizerem

promessas a meia voz.


Ah, o amor a meia voz! Acontece muito, eu sei. Mas acontece demais quando chega e, geralmente, desaparece depois de instalado. É assim que o amor se acomoda e vira intimidade, até (infelizmente) vir a ser presença incômoda. O amor “a meia voz” tem que ficar, tem que se repetir, renovando-se nas noites de “a sós” ou nos fortuitos encontros cruzados pela sala, na cozinha, no corredor. Quer melhor que roubar um beijo num momento desses? Assim, o amor nunca envelhece.

Viajo outro livro de poemas. Poetisa local (não que eu não goste de Cecília e Clarice, Lya e Martha, Adélia e outras mais, mas estas me são próximas), elejo Maria Helena Chein, em seu livro “Todos os Voos” (que feio o que nos impõe o Acordo... “Vôo” é mais bonito de se ler). Ali, acho o poema “Propósitos” e destaco esses versos:

...

Não venhas com tua boca

de salmos e beijos,

tornar-me confusa

a cada oração que recitas

em minha alma e meu colo.


E prossegue:


Vem, como amigo,

pronto para ouvir

trinados e rugidos

de meus dilúvios.


Amor de dilúvios! Belíssimo! Um achado! A evocação, ainda que negativa ( “Não venhas...”), sugere distância. Amor distante tem tempero diferente, sobrevive às lembranças e aos reencontros. Vivi amor de longo intervalo, e que belo não me foi o reencontro!

E, para fechar este curto espaço de um tema infinito, vou ao futuro, a uma década nonagenária, Berenice Artiaga, com o seu livro “Poentes Interiores”. Em “O Retrato”, ela diz:



Ele está me olhando sem me ver.

Prisioneiro da vida já distante.

A fé, a esperança no futuro ali guardados

Nos olhos mortos há longo tempo.

Não gosto de vê-lo assim preso no retrato.


Sim, Berenice, “filha do tempo” (mas o tempo não te alcança, não é?), é triste ver o amor contido num retrato... Mas amor é isso, amar é assim: ter por perto, conservar distante, guardar no tempo.

E ainda assim, a gente ama. Muito. E sempre.

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras e escreve aos domingos neste espaço (poetaluizdeaquino@gmail.com)

17 comentários:

Anônimo disse...

Amigo Luiz: Como é bom ler sobre o amor nestes tempos de caos.Um abraço poético.Jurema

POETA ALMÁQUIO BASTOS disse...

Ah, meu amigo poeta, como é bom roubar alguns minutos de nós mesmos e mergulhar na poesia com "tempo inteiro para amar". Parabéns a você e às poetas revisitadas. Abraços.

Mara Narciso disse...

O amor é tema recorrente para todos que escrevem. Não temos como fugir dele. É muito bom amar, apaixonar, falar desse amor, ler sobre o amor, sempre.

Cássia disse...

Que bonita sua crônica, Luiz. Um abraço.

Anônimo disse...

Belo Texto! Grande poeta!!! Parabéns! Seu blogger, maravilhoso...Ireci Maria

Otelice disse...

Meu Deus, isto aqui transpira beleza!
Parabéns pelo belíssimo espaço.
Que tal honrar-me com uma visita?
http://otelicesoares.blogspot.com

Aíla Sampaio disse...

Quanta sensibilidade, Luiz! Realmente "Egoístas, fechamos nas mãos as mãos com que sonhamos"... Gostei dos poemas feito intertextos na crônica.
Abraço, Aíla

Madalena Barranco disse...

Olá Luiz,

Começarei pelo fim, onde a vista de uma janela é poética por dentro e por fora. O "mensageiro do vento" pendurado toca e depois leio os trechos dos poemas dessas lindas poetisas (eu também prefiro "poetisa"). Elas são criativas, mas se pudesse escolher, eu diria que me encantei com a última começando pelo fim.

Beijos, querido, tenha um bom dia!

Carlos Máximo disse...

Bom dia, meu querido poeta, Luiz de Aquino!!!


Quanto primor na sua crónica de hoje! Sensilvelmente chorou-me a alma de poeta! É grandioso ler suas criações poeticas e faz bem para o ego.


Meu caro poeta, deixo-lhe meus verdadeiros aplauosos!


Cordialmente,

===============================
CARLOS MÁXIMO

Unknown disse...

Ah, o amor. Tão necessário e tão esquecido atualmente. Parabéns Luiz por mais essa pérola.
Forte abraço

Diva Ribeiro de Morais

Priscila Lopes disse...

Ótimo, rico!

Conheça nossa coletânea, então:
XXI POETAS DE HOJE EM DIA(NTE),
Letras Contemporâneas.

Está com um preço bem especial na Livraria Livros&Livros!

Um abraço.

Cristiane Arantes disse...

Li, até os que ainda não tinha tido tempo. Como sempre ótimos seus escritos. Adorei as poetas e seus comentário.

Parabéns. Fique em paz

Abçs



Cristiane Arantes

Flavina Maria disse...

Adorei essa sua crônica, Luiz, e a Leda Selma, com seus segredos, que me encantaram....
Que todos possam viver o amor em sua plenitude, pois sem amor e paixão, a vida perde toda a sua beleza.

Nara disse...

Especialmente divina a presente crônica. Encantada, Aquino... encantada!!!

Maria Helena Chein disse...

Gostei desta crônica a começar pelo título TEMPO INTEIRO PARA AMAR.
Depois, pela beleza do que você escreveu. Pelas duas poetas lindas com
seus versos e por eu estar junto delas, nesse mar de amor que é a vida
dos apaixonados. A nossa vida.

Obrigada, muito.
Beijos.

Maria Helena

Leda Selma de Alencar disse...

Nossa, Luiz, que lindo! Independente dos poemas de suas amigas, o texto é um belo poema. Adorei! Obrigada pela colher de sopa.

Beijocas. Lêda

Vanderléia disse...

Disseste com muita propriedade, querido Luiz, que o amor distante também pode ser mais duradouro, e que torna o reencontro ainda mais prazeroso!
Tempo inteiro para amar é uma realidade que vivenciamos cada dia, apesar dos infortúnios que nos cercam, mas o coração daqueles que amam a poesia sempre encontrarão um tempo para amar!
Obrigada por presentear-nos com essas pérolas!
Um beijo!