Mensagem a Gilvane (*)
Ano novo, governos novos e muitas ideias velhas a serem resgatadas. Em resumidas proporções, parece que viveremos, nos próximos meses, uma ‘’renascença”. É que Goiás experimentou, no período de 1999 a 2006, um expressivo crescimento econômico e social, com as marcas das atividades culturais repercutindo a cada momento. Já em 1999, tivemos o FICA – Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, na Cidade de Goiás. Logo após, ganhamos outros dois: o Canto da Primavera (em Pirenópolis) e o TeNPo (teatro, em Porangatu; o N de “nacional” faz as vezes do M na palavra).
A meio do segundo mandato, Marconi possibilitou a Feira do Livro, que aconteceu por dois anos consecutivos; na segunda edição, adotou-se no nome Bienal do Livro. Para mim, um erro anunciado, porque a experiência anterior (em Goiás) com a bênção dessa palavra mágica resultou perdida. A primeira Bienal, com esse batismo precoce, foi a segunda, um ano depos da primeira; o governo anterior realizou a outra Bienal uma vez apenas, em quatro anos. Hoje, fala-se em continuar a Bienal, no Centro Cultural Oscar Niemeyer.
É claro que sou a favor de feiras de livros! Nelas, os que escrevem têm o prazer do leitor comum. Não é uma festa para escritores, a não ser para os que, convidados a palestrar, são agraciados com jetons satisfatórios. Participei dos primeiros esforços para a realização dessa feira que deveria ter se tornado bienal, mas caiu na lista dos eventos esporádicos. Depois, os organizadores alijaram-me e se esqueceram de convidar-me.
Foi daqueles tempos primeiros o meu aviso “profético” de que o nome Bienal (assim, com maiúsculas) seria desperdiçado. Ouviram-me apenas no primeiro evento, mas o segundo já aconteceu com o pomposo título.
Feira? A cada dois anos? Não! As pessoas gostam da palavra “bienal” – é o argumento. Mas esquecem-se, aqui, que as bienais famosas – sejam de livros ou de artes, no Rio ou em São Paulo – acontecem a cada dois anos, mas há instituições que cuidam delas ao longo de todos os dias do intervalo. As feiras de livros são um pitéu para os livreiros (editores, industriais gráficos e comerciantes), mas é preciso dizermos aos governantes – que supõem, com ótimas intenções, que essas iniciativas valorizam e fortalecem os escritores – que a coisa não é bem assim. Mas existem soluções.
Em lugar de imitarmos Rio e São Paulo com suas bienais, fiquemos com Porto Alegre, que há meio século realiza a sua feira de livros, em vias públicas, expondo-se ao tempo e às intempéries. Melhor ainda: fiquemos com Palmas e a sua feira anual. Escritores nacionais que lá aportam para a feira têm-na como a mais bonita e movimentada do país – isso na menor e mais nova das capitais. E com a Flip – Festa Literária de Parati. O evento da bucólica cidade litorânea fluminense, em tão poucos anos, é uma referência internacional.
Precisamos mesmo, em Goiás, é de uma Festa Literária, não apenas de uma feira; e que seja anual, porque bienal é algo que acontece a intervalos capazes de sugerir esquecimento, tal como temos visto (e vivido).
A Festa Literária de Goiás podia acontecer numa cidade do interior. Eventos assim, ainda que grandes, têm pouca evidência na capital. Mas em Bela Vista ou Itaberaí, em Santa Helena ou Corumbá de Goiás, em Pires do Rio ou Itumbiara seria de grande realce. E que não haja apenas barracas para vender livros, com eventuais palestras enfadonhas de escritores notáveis; nem sempre o “homenageado” com polpudos jetons é de boa fala. Nem sejam convidados profissionais que quase sempre são estranhos no nosso ninho.
Uma Festa Literária há de reunir, sim, muitos livreiros. Mas também escritores – na mídia ou não, mas escritores. Em seu decurso, escritores e professores de literatura, bem como leitores especiais (como teatrólogos e diretores de cinema, atores e críticos) venham ministrar oficinas. E que os autores locais tenham ampla e destacada participação – esse é o modo de valorizar escritores de casa. Que sejam bem remunerados, no mesmo patamar e ao mesmo tempo que os “escritores nacionais” visitantes (em evento no ano passado, cinco escritores goianos levaram nove meses para receber seus jetons; os visitantes receberam imediatamente; e valores muito acima que os R$ 500 destinados a cada nativo).
E que, também, se envolvam as demais áreas das artes. A literatura é ferramenta de todas elas: artes plásticas, cinema, teatro, folclore, artesanato, música... Haja ainda o indispensável concurso da área de Educação (em todos os níveis), bem como de vários municípios do Estado. Assim, indispensável é também o envolvimento da Academia Feminina de Letras e Artes, da UBE de Goiás, da Academia Goiana de Letras etc. Mas é também fundamental que participem os ativistas culturais de todos os demais segmentos.
Aí, sim, o setor literário de Goiás estará devidamente agraciado. Porque, até aqui, somente os livreiros levam vantagens.
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Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.