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terça-feira, dezembro 07, 2021

Pérsio Forzani, em encantamento

Pérsio Forzani, o mais expressivo e decantado artista plástico de Pirenópolis, despediu-se da matéria ontem, 6 de dezembro, 2021. A notícia bateu como um murro de baixo pra cima, feito um murro no queixo para arrancar a cabeça; lembrei-me de de um dos nossos últimos encontros. Aqui está a crônica, enfeixada por um poema especial para a festa aí narrada e que, caso eu me disponha a produzir um novo livro de poemas, este não será olvidado. 


Quando a Tocha Olímpica passou por Pirenópolis (2016),
Pérsio foi um dos indicados a  portá-la, com solenidade...

As mãos, sem firmeza, pediram ajuda; o sobrinho
Jerônimo, solícito, acudiu.



Pérsio, o de Pirenópolis







Imagino que quase todos os jornalistas tiveram, ao escolher o ofício, o mesmo estímulo que eu: a curiosidade ante o fato e o desejo de contá-lo. Mas isso, feito sem o efeito da boa escrita, é coisa de fofoqueiros. A diferença está justamente no amor ao texto.
Desculpem-me os leitores por essas costumeiras divagações quando me ponho a escrever. Produzir uma crônica é um dos meus grandes prazeres e não posso simplesmente imaginar que um gol é apenas um pênalti, sempre o concebo como uma articulação demorada, ziguezague que começa lá na área de defesa, evolui-se no meio do campo e se conclui na área adversária, no excitante desafio a zagueiros e goleiro, no balé de corpos e pernas, no malabarismo improvisado em frações de segundo para ver balançar a rede e erguer-se a torcida... (Poxa! Até para pedir desculpas eu divago; tudo bem, a culpa é da Copa do Mundo!).


O que me motiva, hoje, é Pérsio Forzani, artista plástico com documentos que nos mostram um homem de 79 anos. Na sexta-feira, dia 4 deste junho de 2010,  Pérsio foi homenageado em Pirenópolis, sua cidade de nascer e viver sempre. Não se tratou, porém, de uma festa antecipada das oito décadas, mas dos setenta anos em que Pérsio se dedica à arte de desenhar e pintar. Luiz Antônio Godinho, ao telefone, passa-me um recado:
– Você também está escalado para saudar Pérsio...

Quem exigia? José Nominato Veiga, idealizador da festa que envolveu desde este poetinha até o prefeito Nivaldo Melo, passando por pessoas de destaque na cidade, como o artista Elder Rocha Lima e o desembargador Joaquim Henrique de Sá.



Pois é! Pérsio, de tanta vivência, tem no olhar um brilho instigante: é a luz da juventude. As pernas, imobilizadas e contidas pela pólio na tenra infância, não o impediram de jogar futebol quando menino, como contaram os amigos e o vice-prefeito Tassiano Brandão, companheiros naquela infância. Falou-se lá em outros números: são mais de três mil telas espalhadas pelo mundo, a maior parte mostrando Pirenópolis. Num só projeto, há cerca de vinte anos, Pérsio reproduziu quatrocentas casas históricas da cidade. A encomenda foi do saudoso professor José Sizenando Jaime para sua obra em dois volumes sobre as vetustas construções da antiga Meia-Ponte do Rosário.


E eu, movido pela emoção ao ser convocado, juntei camisa, calça e outras peças numa maleta, convidei a cantora Regina Jardim a acompanhar-me à terra de seu tataravô Veiga Vale e, antes de sair, concebi um poema em homenagem ao amigo e ídolo, assim: 






Pérsio Forzani (o homem que pinta poesia)


Espalho-me ao tempo 
ao sol que define os dias, 
à Lua que benze as noites.


Nos anos mais verdes, 
colhi serenatas plantadas nas ruas
de pedras, sem régua ou compasso.


Ouvi versos cantantes 
e acordes dolentes; vi moças bonitas
nas janelas, silentes...


Era um tempo de estrelas 
e risos sem censura. A gente vivia
vertigens, e era feliz.


Sol, luar, orvalho! 
No verde, mais luz; mais vida
sob os astros.


Meus olhos desenham os morros, 
perfis sob azul infinito, moldados 
aos traços das línguas dos rios.


A ponte, o amor clandestino. 
Carmo, Bonfim, Matriz do Rosário, 
Lembranças de eu-menino...


Meus olhos colheram paisagens, 
Memória transforma em saudade, 
Pincel faz arte e riqueza.


Terra e gente meia-pontense:
Hino e presépio, história em imagem:
Obras de Pérsio, joias da terra.





Luiz de Aquino, poeta e
admirador, esperançoso
de reencontrá-lo no
outro Plano.

* * *

terça-feira, novembro 02, 2021

Não "Risque... meu nome do seu caderno..."

 
Há um ano, isto é, a 2 de novembro de 2020, publiquei meu poema "Dói de Dentro" (https://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com/2020/11/doi-de-dentro.html) neste blog; e o evoquei hoje, como um pequeno texto a homenagear nossos idos. 
A professora e poetisa SANDRA QUEIROZ (da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, AFLAG) comentou-o com um anexo, de sua lavra, que estampo aqui: 


Não "Risque... meu nome do seu caderno"
(Canção e melodia de Ary Barroso)

quarta-feira, outubro 20, 2021

Intimidades literárias

 

Os amantes, de René Magritte


Intimidades literárias

 

O homem é mais, muito mais, que um ser semovente, pensante e inquieto. Busca sempre os espaços, muitos espaços, e, com igual frequência, aglomera-se, associa-se, organiza-se, faz o bem e faz o mal. É um ser de dois gêneros – e suas variáveis – que primordialmente vive para a reprodução, ciente de que sua vida tem um começo e uma única determinante – a morte.


Entre o nascer e o desenlace, é-lhe dado todo o direito às escolhas. E o ser humano, em ambos os gêneros, faz tais escolhas todos os dias, a cada instante, motivado por fatos adjacentes ou por suas ideias – ou por ambos, concomitantemente. E, nesse fazimento de novos caminhos, comete feitos lícitos e alguns nem tanto, que ele, esse ser, mulher ou homem, busca preservar sob a pecha de “a minha intimidade”.


Aos escritores, como a outros artistas, é dado o direito à escolha de evidenciar seus ‘bem-feitos”, sem que se lhe cobrem a vida íntima, que, por óbvio, é do interesse exclusivo dos que compartilham dessa tal intimidade.


Ocorre-me um escritor. Um dos muitos que li com avidez, com quem aprendi muito por lê-lo e, para minha felicidade, de cuja companhia me enriqueci e pude considerar amigo; não porque eu tivesse algo a propiciar-lhes, mas por desfrutar de um aprendizado pessoal, com a liberdade de mostrar-lhes meus escritos e colher opiniões.


Goiânia, naqueles 1960 e tantos, era ainda uma cidade pequena. E seu pequenino universo literário, minúsculo. Era comum espalharem-se os escritores – e seus leitores – pelas calçadas que circundam o quarteirão do Grande Hotel. As quatro faces dessa quadra – as avenidas Goiás e Ahanguera e as ruas Três e Sete – eram os pontos mais agitados da cidade sob a luz solar. Além do primeiro hotel da nova cidade, tido ante a História como “uma das cinco primeiras arquiteturas”, ali estavam a companhia telefônica, o Banco do Estado, o Hotel Lord e seu afamado salão de barbeiros, o Café Central – ponto de efervescência pela aglutinação de políticos, comerciantes e fazendeiros, além de uma turba de aspecto duvidoso, tido pela boca-miúda como pessoas contratáveis para serviços escusos e condenáveis – pela moral vigente e pelas autoridades constituídas. Havia ali, também, no trecho da Rua Sete – a dos fundos do Grande Hotel – a sede de uma importante livraria, a Cultura Goiana. Chegou a ter três lojas no mesmo quarteirão – as demais estavam na Rua Três e na Avenida Goiás, ao lado do famoso hotel pioneiro. Por isso, a aglomeração de escritores e leitores naquelas calçadas. Essa massa de intelectuais espalhava-se também para os rumos da esquina da Avenida Anhanguera com a Rua Seis e o lado oposto da avenida Goiás, em frente ao famoso hotel já referido – as duas lojas do Bazer Oió, a única livraria fechada pela ditadura de 1964 a 85 em todo o país.


Pronto! O ambiente está demonstrado – ao menos o ambiente urbano em que praticávamos nossa vida social à luz do dia. Então, é hora de falar da personagem. Usava um boné de pala curta, modelo comum na Europa de ingleses, portugueses e italianos; dificilmente era visto em “mangas de camisa” ou sem dois ou três livros sob o braço. De pouca conversa, ligeiramente gago, não recusava prosa. Nesse modo de ser, acolhia também os moços curiosos, ansiosos da atenção de alguém famoso – e esse autor era, sim, já famoso: os jornais contavam de suas correspondências com grandes vultos do Brasil das Letras, da publicação de um conto seu num jornal alemão, do interesse de uma grande editora do Rio de Janeiro interessada em publicar suas obras.


Contista exímio, capaz de narrativa encantadora, desses que nos prendem desde a primeira frase até o suspense ao final, quando a mente continuava a supor os momentos após o ponto. Uns tempos após a estreia, com alguns livros de contos já por demais divulgados, aqui e além do rio Paranaíba, atreveu-se ele a um romance – e repetiu o sucesso que o marcou na jornada dos contos. Houve uma experiência em versos, mas não foi tão feliz na forma poética: voltou à prosa, tão rica de imagens e construções poéticas que os leitores o perdoaram pela tentativa nas sendas de Bilac, Bandeira e Drummond.


Aos poucos, inteirei-me de sua vida; soube da tentativa de viver na antiga capital federal, entre o mar e o maciço da Tijuca, ou num subúrbio da Zona Norte; importante mesmo seria estar na efervescência dos notáveis das Letras. Não conseguiu viver longe do cerrado, dos rios Corumbá e das Almas, Vermelho e Paranaíba. A escrita, porém, persistiu no seu tempo – afinal, desde sempre era de sua essência, de seu propósito de vida. Fez-se servidor público municipal, depois professor, escreveu para jornais, orientou principiantes, atendeu sempre ao apelo de professores de todos os níveis para falar aos jovens e às crianças.


Gostar dele sempre foi muito fácil. Era gentil com as pessoas, ouvia críticas – uma elogiosas, outras nem tanto – e a elas respondia como quem esclarecesse algo; tinha muito a ensinar, mas preferia conduzir o leitor à descoberta.


Discreto sempre, cuidava de isolar-se para as leituras e as escritas – como fazemos todos os que trabalhamos textos. Nessas ausências e silêncios, nem todo o tempo era consumido no ofício – algo de peraltice (ou de pecado) estava nas preferências do meu herói de causas literárias. O nosso ídolo mantinha, com a possível discrição, um miúdo apartamento num grande edifício ao lado do Mercado Central. Morei ali por cinco anos, e foi por isso que descobri dele algumas peraltices (quase falei “levadices”). Gostava muito, meu velho amigo, de dois tipos de mulheres – as negras e as loiras. Não se interessava pelos tipos indígena, morena ou oriental, mas sim pelas “escandinavas” e as do “navio negreiro”.


– O preconceito de cor foi criado pela mulher branca, quando percebeu que a preta lhe era superior – dizia ele.


Morava eu no mesmo andar da garçonière do velho escriba. Certo dia, sabia eu que ele estava em casa (o tapetinho com a inscrição Bem-vindo estava do lado de fora). Ao sair do elevador, vi uma mulher jovem e bonita, ligeiramente gorda; batia na porta, insistia, teimava... Entrei em casa; a moça continuava batendo na porta e tocando a campainha; saí de novo e decidi “informar”:


– Moça, desculpe-me, devia ter dito antes, ele viajou.


A mulher me olhou com desdém: abaixou a cabeça, empurrou o pequeno capacho com a ponta do pé e desistiu: caminhou para o elevador sem me olhar nem dizer tchau. Mais tarde ele passou por mim, junto à portaria; contei-lhe sobre quem chamava à porta e ele: “Não podia mesmo atender, estava com uma escandinava”.


Este foi um caso que presenciei; e, aos poucos, habituou ele a confidenciar-me algumas histórias. Havia as pitorescas e as complicadas, como a de uma “aventura catalana”, no dizer dele mesmo. Sempre que se via liberto, por dias ou semanas, das amarras do casamento, enviava dinheiro para a namorada que, no decurso de uma noite, tomava o trem para Goiânia. Ele não a esperava na estação, seria arriscado expor-se, mas a moça tinha consigo a chave do “rendez-vous” particular do contista.


Pois bem! Aconteceu, para surpresa do rái soçaite local, a separação, que logo virou divórcio, conforme a evolução das leis. A moça do interior alimentou esperanças, mas o amado decidiu-se por outra alternativa. Foi então que ela, incitada por invejosos e estimulada por um jornalista desses que, à falta de notícia, inventa uma polêmica – ou um escândalo – publicou um livro, contando particularidades de suas vindas secretas a Goiânia. E lá, do meio para o final da obra, em texto sofrível, a traída contou das lembranças:


– Você com seu bonezinho típico, as pontas dos cabelos escapando dos beirais do chapéu, totalmente nu passeava pelo apartamento com minha calcinha dependurada no...

 *   *   *

Este conto integra a coletânea O escritor como
personagem
, idealizada e coordenada pelo
jornalista Euler Belém e pelo escritor Ademir
Luiz, presidente da União Brasileira de Escritores
de Goiás, e foi publicado em 18 de outubro
de 2021 no
JornalOpção, de Goiânia.

Luiz de Aquino

quarta-feira, setembro 15, 2021

Aves das termas

 



Aves das termas



Palmas bailantes ao vento, 

palmas de buritis, frutos 

envernizados. Escamas lustrosas, 

convidativas ao toque. 


Buriti


 Entremeado, corre o riacho manso 

de água límpida, a dessedentar o solo e 

desenhar arabescos 

em terras úmidas de boa cultura.


 

Anta


Veredas nos vergéis do cerrado, caminhos 

de emas, antas e veados, palco de sonoros 

pássaros de penas várias, como 

as manchas vivas de paletas aquareladas.


Veados


 

Juriti, sabiá e pomba-rola, 

inhambus-xintã e chororó, bem-te-vi e socó, 

joão-de-barro e sanhaço; canarinho-da-terra... 

Feito uma orquestra de fartos ensaios. 


Serra de Caldas

 

Aves a povoar o alvorecer na serra, aquela 

Serra de Caldas, berços das termas 

das longínquas paragens ermas dos gentios 

a fugir em desvios do invasor entrante. 

 

Fogo-apagou


O vento agita palmas; como coqueiros 

a aplaudir os cantos das aves. Hora de o sol 

se pôr a Oeste, além do platô elevado; triste, 

uma rola diz adeus... fogo-pagô... fogo-pagô! 

 


Luiz de Aquino,
poeta

domingo, agosto 08, 2021

Pelo Dia dos Pais

 

Pelo Dia dos Pais



Léo, Élia Maria, eu, Lucas e Fernando (Dia dos Pais, 2019)

 

Gosto de datas comemorativas – comemorar é lembrar juntos. Gosto de Natal, de Ano-Novo, Dia das Mães, Dia dos Pais, feriados e aniversários. Algumas pessoas dizem-se avessas às datas, entendem que são artimanhas do comércio para faturar mais. E daí?

Daí que é legítimo, sim, comemorarmos as datas, sejam quais forem. Presentear é questão de escolha, ninguém é obrigado a isso. Quanto a ser pressão comercial, também não questiono porque, ao contrário dos negativistas do gênero, eu gosto de comércio, de propaganda, de promoções et cetera – alguém poderá dizer-me o que seria da vida sem o comércio? Só sei que as famílias se regozijam nas datas festivas e junto a elas vêm os cardápios especiais para tais ocasiões, algumas marcadas pela tradição generalizada, outras pelos gostos familiares.

Assim, temos as datas da coletividade, como o Natal e o Ano-Novo, bem como as datas cívicas. Existem as que se resumem aos casais, como o Dia dos Namorados e os aniversários de namoro, de noivado e de casamento (esta, com alcance aos filhos e netos). Mas temos também as que se voltam para a família, como o Dia das Mães e o Dia dos Pais.

Considero sempre que o Dia das Mães é “o dia dela”, porque não se lhe alcançamos jamais! A mãe reina sobre a família, soberana e única, e no segundo domingo de Maio fechamo-nos todos em torno da mãe e, conforme o caso, da matriarca, quando os filhos casados vêm com seus cônjuges e temos como que uma festa cigana! Mas o Dia dos Pais é o dia de toda a família, porque é por demais comum o fato de as mães se duplicarem ante o vazio de alguns pais (ausentes de presença ou por omissão).

Todos nós, penso eu, tem histórias de mães que realizam seu papel natural, intuitivo e sacro de bem-criar, com carinhos e atenção, com assistência e repreensão – cada coisa a seu tempo e intensidade -, mas a ausência do pai, por razões de morte ou separação, exige mais dessas mulheres. Muitas eu vi, de muitas eu sei, do redobrado empenho e também redobrado sacrifício para a plena cobertura das carências dos filhos. E ainda piores são os casos em que o pai atua em silêncio e omissão.

E assim, minhas saudações, no Dia dos Pais, vão um pouco além: acho de bom tom cumprimentar os pais, sim, mas sem me esquecer das mães; e por um dever de referência e estímulo, saúdo também cada filho: ao fazê-lo, recordo o Mandamento que nos obriga a atitudes dignas: Honrar Pai e Mãe.

 


*   *   *

Luiz de Aquino

sábado, julho 24, 2021

O caçula dos nossos Luízes

Luiz Fernando 



– o caçula dentre os Luízes de Aquino

 

Ele chegou com o Sol, as seis e meia deste hoje, 11 de fevereiro, 2021. Como era esperado!

O pai (meu filho Fernando) escolheu seu nome ainda na adolescência, e minha nora Flávia o gerou com esse tipo de amor que nós, homens, só entendemos um pouco, nunca por completo, quando nos pomos na condição de filhos. E seu irmão grandão, o Daniel, participou em silêncio e brilho nos olhos desde a notícia da gravidez.

Na linha direta de Luís José de Sá, que se tornou Luís Tomás de Aquino por escolha, inaugurando nova família em Meia Ponte (Pirenópolis) dos meados do Séc. XIX, passando por meu avô Luiz de Aquino Alves, somos nada menos que oito com Luiz no prenome (dois são netos meus, pois Luiz Henrique já se aproxima dos 25 anos), mas tem também José Luiz...

Vô Luiz (1898-1977), tio Luizico (Luiz Tomás de Aquino Alves, 1925-2011), Luizinha (Luiza de Aquino Alves, 1945), eu (1945), Luiz Antônio (1953-2015), Luiz José de Aquino Alves (1962) e Luiz José Neto (2017)... Tantos Luíses!

Israel, meu pai, com um tom de molecagem na voz, afirmava que “nenhum Luiz presta” – e narrava os Luíses da família, desafiando-nos. Entretanto, e por maiores que sejam os meus defeitos (ninguém os conhece melhor que eu), orgulho-me dos meus Luíses, o Luiz Henrique (1996) e, agora, o Luiz Fernando: o primeiro nos dá mostras de sua personalidade, sua boa conduta de moço trabalhador e carinhoso; do pequenino Luiz Fernando, aguardo as definições que virão nos primeiros anos para melhor compreendê-lo.

Se me compete abençoá-lo, Luiz Fernando, sei que tenho muito amor e energia para tanto.

 

(A grafia Luiz é bem brasileira; diz a regra que o nosso nome deve ser escrito com S: Luís – mas predominância do Z consagra a nossa escrita)


Luiz Fernando com o Vô Luiz de Aquino



domingo, julho 18, 2021

Amor passageiro

 Leia também em: 

https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/contos-da-pandemia-16-amor-passageiro-de-luiz-aquino-341565/


Pintura de Almada Negreiros



Amor passageiro


Tocava meu queixo
com a ponta dos dedos,
puxava o meu olhar e,
apaixonada, cantava
para o meu encantamento.
(L.deA.)

 

Acabo de me vacinar contra Covid-19. Cumpro essa rotina, agora com dose única, desde que, após três anos, a vida retomou a rotina, ainda que as pessoas adotassem novos procedimentos para a proteção individual ante a nova doença, surgida nas primeiras semanas de 2020. Ao deixar o posto de vacinação, vejo-a chegar com o pai numa cadeira de rodas. Lembrei-me de quando os vi, naqueles dias iniciais da vacinação, em fevereiro de 2021.

Era o tempo da prolongada quarentena, imposta pelo rigor da pandemia que assolou o mundo e a humanidade em plenitude. Uma ordem comum espalhou-se por todo o planeta, pelos lugares aonde chegavam notícias e temores. Nos primeiros dias corria-se às notícias, ora no rádio, ora na tevê, e todo o tempo possível voltava-se à busca de novidades.

Vieram as mortes. Uma em São Paulo, outra mais no Rio, outras alhures e tentava-se alcançar proteção, evitar que o mal atingisse o que se tinha por próximo – mas pouco tempo se deu até que a moléstia se aproximasse. E vieram os casos graves, as primeiras mortes, a incerteza quanto ao tratamento e, súbito, a morte também chegou perto. A solidão do recolhimento era como a tábua do náufrago: a única esperança de salvação.

Álcool em gel; álcool líquido a 70 graus. Máscaras que, rapidamente, sumiram do mercado e dando lugar à criatividade de costureiras profissionais, além da mobilização em famílias para a feitura da nova peça indumentária, que rapidamente se fez tão usual quanto qualquer peça de roupa no uso quotidiano.

Então, fez-se preciso preencher os dias. Trabalhos domésticos, velhos discos e filmes e os indispensáveis livros. A releitura. Alguns livros ainda não lidos. Livros adquiridos entre amigos e parentes, muito por ler, pois! Mas os dias ganharam cores mortas e odores à beira do insensível. O refúgio escolhido: livros de poemas e romances – uns com o peso bem medido dos temperos inusitados, outros insossos como as frases comuns das pessoas inexpressivas.

Foram muitos os meses até que surgisse a grande esperança – a vacina. Houve o empenho da imprensa e dos médicos, pressão da Organização Mundial da Saúde, e muita gritaria antes que démarches fossem iniciadas. Por fim, as primeiras doses e um programa de prioridades quanto a quem seria vacinado primeiro. Aos meados dos meus anos quarenta, sabia que teria de esperar meses e meses até sentir a agulhada no braço para a primeira dose do imunizante. Mas, como repórter, estava sempre em pontos da linha de frente das ações – e, daquele dia em diante, os postos e as filas para a vacina eram a minha pauta.

Corria a terceira semana, ou a quarta, quando a vi. Descia do carro e dava alguns passos até a porta direita, que abriu e acolheu aquele homem, de poucos cabelos grisalhos e alguma dificuldade na locomoção. Deu-lhe, com graça, o braço esquerdo e lentamente caminharam à recepção; em poucos minutos, sorrindo feliz a moça filmava, com o celular, as ações que culminaram com a picada e a injeção segura do líquido salvador no braço do pai – sei porque ela o chamou, como que festejando.

Saquei o telefone e liguei-o para a entrevista, com som e imagem. Nome, idade, profissão... A filha antecipou ao homem idoso e aquela voz deixou em mim uma esperança legítima. Legítima, sim: ela falava comigo como se pretendesse falar mais e, por isso, surpreendi-me ao lhe pedir o número do celular, ao que ela atendeu de pronto, sem receios nem barreiras. Por três ou quatro vezes eu liguei; e pelo menos em duas ocasiões ela chamou. E por sentir que era bem recebido, propus um café.  

O primeiro encontro foi rápido, inusitado... No próprio carro à porta de sua casa. Sem medos nem zelos, ela aceitou a porta aberta; entrou e passou-me a mão esquerda, que colhi e beijei, atraído por um perfume delicado, estonteante. Não percebi o instante em que, tirando a máscara e removendo também a minha, ela me beijou. Acho que me mostrei um tanto surpreso, talvez assustado, ao que ela me tranquilizou:

– Você sugere confiança – ao que retruquei:

– Não se cuida?

Sim, ela se cuidava. Costumava ler meus artigos no jornal e acompanhava meu trabalho na televisão. Por isso dizia confiar, mas insisti em propor cuidados.

Não adiantou muito. Já nos beijávamos com sede e lascívia. Ouvi frases de despertar-me delírios, justo após, com decidido atrevimento, acariciar-lhe os seios.

– Eu me excito com muita facilidade – disse ela.

Com delicadeza e segurança, toquei-lhe o peito direito e fiz descer a blusa; divertida, ela explicava com indisfarçável felicidade:

– Vê que meus mamilos são pretinhos? Tenho raízes, orgulho-me delas!

As circunstâncias eram arriscadas, um namoro avançadinho no carro, à luz do meio-dia em rua movimentada... Interrompemos os toques e combinamos para mais tarde. Corri para casa, cuidei de arrumar o apartamento para recebê-la.

À noite daquele mesmo dia, trouxe-a ao meu miúdo e aconchegante apartamento no Marista. Apartamento de solteiro namorador, sempre cuidei de manter à mão boa bebida e comidinhas várias para antes e depois do amor. O ambiente era favorável – afinal, era indispensável preparar o clima de romance – e de amor, quem sabe?

Soube. Eu ansiava pelo beijo morno e molhado, o passeio mútuo das línguas cúmplices, a textura e a temperatura da pele morena. Entre um beijo e outro, ela dizia coisas e eu também murmurava ternuras.

– Vai conhecer melhor meus morenos.

Ela falava dos detalhes afros de sua pele: além dos mamilos e aréolas, os pelinhos bem tratados, aparados, bem como as axilas depiladas e escuras, atestando a origem.


Tanto mais se amorena
quanto menos roupa tem,
e eu lhe beijo esses morenos
porque sei que me faz bem.

 

Por outros momentos, noites ou dias, e outros locais, em viagens escolhidas, amamo-nos com uma intensidade incomum, feliz e árdua. Mas em poucas semanas as rotinas retomaram nossos dias e nosso tempo. Não sei em que momento nos demos conta das ausências, dos silêncios, das mensagens interrompidas. E não mais nos vimos.

Agora, ei-la de novo num posto de vacinas. Trazendo o pai. Cuidando dele.

Afasto-me discretamente... À simples visão de uma cena repetida senti tremerem-me as pernas. Acho que, mais tarde, devo lhe telefonar.

Ou não?

 

Pintura de Marc Chagal

 *   *   *

Luiz de Aquino

sexta-feira, junho 11, 2021

Dia 12, zero hora

Dia 12, zero hora

 

De repente, os namorados todos
se viram assim (como nós)
olhando fundo nos olhos,
querendo cavar segredos
que os lábios não dizem.

 

E os lábios se calam
e se colam silentes
selando o momento de amor
que vê nascer esta véspera
de Santo Antônio.

***  ***  ***

Poeta Luiz de Aquino




Recato-me

 

Recato-me

 

Cada verso que brota 
desse coração letrado e leve 
(sensível) 
mostra luz, lírica e sabença.  


Houve um tempo 
em que era tentado a voltar-lhe 
outros versos, pobres (meus).

 

Bobagem! 
Poetisa plena 
dispensa a mão menor.

*  *  * 

 Poeta Luiz de Aquino