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terça-feira, abril 28, 2009

Eu quero mais ministros de cor


Luiz de Aquino

 

Vez em quando, ouço de alguém aparentemente bem-formado (quero dizer, gente que cursou universidade) que a solução para os nossos problemas está na volta do regime militar. Nesses momentos, sinto uma dor no estômago e algum hormônio ruim invadir-me o corpo, chego às raias da depressão. Mas reajo, ciente de que, para o nosso bem, essas pessoas não conseguem dar eco a suas vozes. A não ser por esparsos momentos, como aquele jornalão paulistano a decretar, em seu editorial, que o Brasil, de 64 a 85, viveu uma “ditabranda”.

Sim, leitor, a Folha decretou. Aliás, a Folha aprendeu a decretar justo nos tempos em que reinava a “ditabranda”. Não foi à toa que disseram que, naqueles tempos, era a Folha o jornal de “maior tiragem” no país. A referência não era ao número de exemplares rodados e distribuídos, mas, sim, ao número de “tiras” nos quadros de sua redação.

Por um tempo, os resquícios da ditadura militar foram chamados de “entulho democrático”, como se os aceitássemos como sobras de construção que enfeiam e incomodam. Alguns idiotas qualificam a ditadura como “militar e civil”; nunca vi nada mais insensato, pois os civis que participaram do golpe foram logo alijados do processo e só tiveram vez os baba-ovos, eternos mariposas da luz do poder, como ACM, Sarney e outros menos expressivos.

Mas o triste é que o entulho continua por aí. Os oportunistas, os agregados eternos do poder não soltam o osso. Empoleram-se ao poder como mariscos na rocha. Mamaram na ditadura até o fim e, com a boca torta pelo hábito, mamaram na era Sarney, no curto reinado de Collor, na regência de Itamar e no império de FHC. E continuam apegados nos mandatos de Lula.

Os mais espertos conseguiram empregos vitalícios. E nesses cargos “ad vitam” existem, felizmente, os que trazem consigo o lastro do conhecimento intelectual e técnico indispensável. Falo do ministro Joaquim Barbosa, em realce desde o instante em que, semana passada, afrontou o presidente do Supremo com a coragem dos que nada têm a temer. Ou perder.

Certo, o ministro! Felizmente que outros há de sua estirpe. Infelizmente, uns outros preferiram alinhar-se ao duvidoso presidente, dono de atitudes corajosas, mas inexplicáveis ao bom senso, como teimar em manter em liberdade autores de graves lesões à Pátria, escudados no poder do dinheiro e da influência que a pecúnia exerce sobre alguns. De imediato, nada menos que oito ministros alinharam-se com o presidente – mas a Nação Brasileira alinhou-se com Joaquim Barbosa.

Está certa, a Nação. Temos de nos alinhar com os nossos iguais. E a Nação, neste caso representada pela sua maioria pensante e trabalhadora, esta que tem vergonha na cara, enxerga no homem mestiço, símbolo da nossa identidade maior, aquilo com que sonhamos para o nosso Congresso e as assembléias legislativas e câmaras municipais. Ele agiu do modo como esperamos dos Executivos dos três níveis. Ele agiu, enfim, como queremos que ajam os ministros dos nossos tribunais.

 

 

 

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com. Blog: http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com.

 

quinta-feira, abril 23, 2009

Na Lapa...


Luiz de Aquino


Na Lapa…


O Rio de Janeiro continua lindo” (Gilberto Gil,
in
Aquele abraço. 1969?)


Digam o que disserem, filmem o que filmarem, a verdade é que, realmente, o Rio continua lindo. Apesar de viver, duas décadas depois, o horror de Medelín e Cali (Colômbia), com as batalhas entre bandidos e polícia, apesar do vertiginoso
crescimento da frota de automóveis (mal nacional dos últimos tempos), apesar do caos na saúde pública, apesar da corrupção de sempre (agora, mais evidente porque nos é dado o direito à informação), apesar dos seres humanos: o Rio continua lindo.
O Rio de Janeiro, disse recentemente Carlos Heitor Cony, não precisa da mão humana para ser belo. A natureza foi-lhe pródiga. Tão pródiga que até mesmo as mazelas tornam-se de belíssima plasticidade: barracos que parecem subir morros em procissão; a maior floresta urbana, fruto de reflorestamento dos tempos do Império; a arquitetura religiosa do Brasil Colônia e as edificações dos tempos do rei e dos imperadores, os aterros que deram chão sólido ao que era pântano, os arcos da Lapa, a Cidade Nova, o Jardim Botânico a zona portuária, a Esplanada do Castelo, o Aterro do Flamengo, os quartéis da Vila Militar e bucólico bairro de Marechal Hemes da minha infância... Resquícios (ainda que parcos) da Mata Atlântica precisam ser preservados (e restaurados). Inúmeros edifícios de época, nos últimos anos, são restaurados ou adaptados, e abrigam novos ambientes com nostalgia e conforto. Como se vê na Lapa de hoje.

A Lapa acomoda-se no meio do velho centro do Rio: o Mangue (Cidade Nova), o Estácio, a Cinelândia, a Glória... Os Arcos da Lapa, antes chamados de Arcos da Carioca, são caminho dos bondes remanescentes que a modernidade precipitada do governador Carlos Lacerda condenou à saudade (à minha inclusive). Tivesse eu algum poder de influência, sugeriria aos governantes da cidade, que há cinquenta anos foi apelidada de Belacap (em contraposição ao epíteto de Novacap para Brasília), a reinserção dos bondes na paisagem, linhas na orla, ainda que os “elétricos” só circulassem nos feriados e finais de semana. Seria de bom grado ir-se da Glória ao Recreio num lerdo e prosaico bonde, ah!...

Por ser 2009 o Ano da França no Brasil, os Arcos ganharam belíssima ilustração de olhares mestiços – uma das belezas cariocas advindas do tesão português ante as belezas exóticas dos nativos indígenas e dos migrantes involuntários escravos negros. Transpor os Arcos à noite é algo de encanto, uma magia só percebida pelos que têm alma boêmia e sensível ao samba e ao choro, legítimas traduções da essência carioca contagiante.


Não se vive a Lapa num dia. Menos ainda, numa noite. A Lapa é histórica e imortal. Lapa de Madame Satã, dos anos moços de Mário Lago e Noel Rosa, de Pixinguinha e Ernesto Nazaré, Braguinha e Almirante. Certo, gente, deixo de citar um montão de nomes, mas não sou injusto, apenas me rendo à falta de espaço. Nos casarões da Rua do Lavradio, desde o Palácio Maçônico do Grande Oriente do Brasil até o mais simples dos bares, tudo é vida, e como tal, tudo se reveste de mistérios. E de sonhos. Numa esquina, sem música ambiente, paro para conversar e matar a sede. É noite fresca, meus sonhos viajam ao passado adolescente e cobram-me o intervalo perdido. Sorvo um chope “black”, novidade da Brahma que ainda não chegou a Goiás, e procuro um táxi. Tropeço em choros, esbarro em sambas, vislumbro amores nascentes e aconchegos costumeiros.

Tenho de ir... Em poucas horas, retorno a Goiânia.




Luiz de Aquino é escritor... E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

terça-feira, abril 21, 2009

A chibata de volta



A chibata de volta
Luiz de Aquino

Cena banal na tevê, quatro vigilantes fardados desferindo chicotadas nos passageiros de um trem no Rio de Janeiro. Os ferroviários em greve, os trens poucos e com atraso expressivo (sem trocadilho) resultaram no que se esperava, um começo de caos. A greve se dava por conta dos baixos salários.

Salário baixo, para o trabalhador brasileiro, é redundância. É redundância também para os trabalhadores da Educação, em qualquer esfera.

E aí, para “impor a ordem”, os guardinhas da Supervia, a administradora do sistema de trens urbanos do Rio de Janeiro, resolveram bater nos passageiros. Como se a culpa dos salários baixos fosse deles, passageiros. Ou como se os passageiros fossem culpados dos males que atormentam aqueles quatro guardas. Vamos adivinhar: um deles bateu porque tinha medo da turba revoltar-se e atacá-los, afinal, eles eram apenas quatro e um vagão daqueles comporta, normalmente, trezentos passageiros (naquelas circunstâncias, haveria uns quinhentos em cada vagão); outro estava nervoso porque a namorada dormiu de calça “jeans”, com o zíper voltado para trás; outro, porque sonhou que o Botafogo faria um gol no jogo do domingo seguinte contra o Flamengo (ele não notou que o gol era mesmo feito por um jogador do Botafogo, mas era gol contra); outro porque devia estar em greve também, mas não teve coragem de parar; o outro, este não... Este não estava nervoso, ele bateu apenas porque os outros três batiam, ele não passaria batido (epa! Desculpem, outro trocadilho bobo).

Escrevi, há tempos, que um sujeito se sente autoridade quando investido de suas funções de trabalho, ou, pelo menos, quando veste o uniforme de seu ofício. É o jaleco para o médico, a gravata para o gerente de banco, a toga para o juiz, a farda para o soldado (e, por extensão, para os guardas de segurança privada, também).

Há muito tempo que os trabalhadores brasileiros não conseguem sobreviver com apenas um emprego. São muitos os que se desdobram, dividem-se em dois ou três ou quatro, multiplicam-se em energia e tentam amealhar um ganho que lhes permita garantir casa, comida e roupa, mais escola e equipamentos que hoje integram de modo grave o quotidiano. Sabe-se que são muitos os policiais civis e militares que consomem horas de folga (tempo de se estar com a família ou nos estudos, no lazer ou no repouso) para aumentar a renda.

Será que aqueles guardinhas eram policiais em folga? Ou ex-soldados da PM? A gente vê, sempre, soldados em segunda atividade ou ex-soldados no novo emprego cometerem ou repetirem atos e atitudes típicos de sua rotina. Exemplo: isso de as viaturas da PM estacionarem nas calçadas. Contaram-me que é um procedimento padrão, ostentar a viatura e o policial, de modo a inspirar mais segurança.

Até aí, tudo bem. Mas viaturas de empresas de segurança privada também estacionam igual aos carros da PM. Dia desses, na esquina próxima à minha casa, um carro de segurança privada parou com as rodas traseiras na calçada, protegendo uma obra de construção civil. Olhei os tipos dos guardas, adivinhei pessoas da Polícia Militar em fardas outras. Minutos depois, um carro da PM parou ao lado daquele primeiro e os pedestres passaram a trafegar pela calçada. O sargento que comandava a patrulha nem se deu conta do deslize. E eu, com o medo das fardas adquirido nos tempos do arbítrio oficializado, calei-me.

Fiz bem. E se o espírito da Supervia estivesse incorporado nos de Goiás?


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

sexta-feira, abril 17, 2009

Meireles para presidente

Meireles para presidente

Luiz de Aquino


  • Anápolis é uma cidade diferente em Goiás. Não tem rodeios quando se trata de mostrar seus valores humanos. E assim é desde que surgiu como povoado, até os dias de hoje. Aliás, é bom destacar que todas as comunidades devem, sim, realçar seus valores humanos, ou cairá no esquecimento, sem fazer jus ao respeito dos demais núcleos humanos.

  • Curiosamente, nós, goianos, temos a mania triste de uma timidez injustificada. Isso já foi notado por vários vultos nativos, como Bernardo Élis, um dos maiores escritores brasileiros, de pouca expressão além das nossas divisas, ainda que membro da Academia Brasileira de Letras. Ou seja, ele era um dos vencidos pela própria timidez.
    Morei em Anápolis pouco mais de um ano, em 1966/67. Foi lá que comecei este ofício de articulista em jornal, pois notei que a cidade tinha suas marcas. A mais notável delas é valorizar seus vultos, sejam eles nativos ou integrados. Henrique Meireles nasceu lá. Célia Arantes mudou-se para lá. Para mim, são eles os dois mais significativos referenciais vivos da cidade, sem desmerecer tantos outros.
  • Ah, a Célia! Escritora versátil e ser humano de luz própria, destacou-se pelo seu talento com as letras e a competência nas relações pessoais, o que fez dela, sempre, uma amiga indispensável, marcante. Célia sempre foi nosso ponto de equilíbrio, tanto na União Brasileira de Escritores em Goiás quanto nas suas atividades em sociedade, com ênfase para Anápolis, mas sem esquecer sua vivência goianiense da juventude, em especial no bairro de Campinas. Um tal de “avecê” tirou Célia do cenário sócio-literário goianiense, há alguns meses, mas Cristiane, filha vigilante, dá-nos boas novas quanto à sua lucidez e vivacidade, sua reação positiva às informações que ela, Cristiane, lhe passa.

    Conte-lhe, Cristiane, que a sua Anápolis, que já nos rendeu um Henrique Santillo, paulista em criança, mas anapolino pelo resto da vida, prefeito e senador, governador e ministro da Saúde, mostra ao Brasil e ao mundo outro Henrique, o Meireles. Orgulham-nos ambos, tanto quanto também ela, Célia, nos orgulha. O Henrique agora em voga é tido, num conceito quase unânime no Brasil e no meio econômico internacional, como o grande maestro das práticas acertadas.
  • Na quarta-feira desta semana, no programa do Jô Soares, cinco mulheres de altíssima cotação profissional, analistas de política e de economia, analisavam com rigor quase ferino as atitudes do governo ante a crise. Num dado momento, uma delas ironizou o fato de Henrique Meireles dizer que “o pior da crise já passou”. Logo em seguida, ela própria elogiava o presidente Lula por dois momentos: o primeiro, ao nomear Meireles; o segundo, por manter Meireles.
  • Lembro-me do adolescente Henrique Meireles no Liceu, presidindo a Confederação Goiana dos Estudantes, em oposição à UGES. Agora, vejo-o numa evidência a que poucos goianos chegaram (antes dele, também no Banco Central, houve Gustavo Loiola, de quem fui professor no primeiro ano científico, no final dos anos 1960; claro que me orgulho dele também).

  • E aí, falam nele para governador de Goiás em 2010. Será? Acho que Meireles tem mesmo é cacife de sobra para suceder o presidente Lula.


    Luiz de Aquino é escritor…

terça-feira, abril 14, 2009

Vem aí a Bienal do Livro. Bienal?

O autor com Bariani Ortêncio, Placidina Lemes
e Maria do Rosário Cassimiro



Vem aí a Bienal do Livro. Bienal?


Luiz de Aquino


Pois é. Alguns hão de perguntar, mas os do meio (e os bem-informados) sabem que não houve Bienal do Livro em Goiás há dois anos. E aí, tenho de bancar o chato, redundantemente, com a indefectível pergunta: “Não falei?”. Sim, eu preveni, desde as primeiras reuniões, lá pelos idos de 2003, que não devíamos falar em bienal, pois a experiência já nos ensina, infelizmente, que nem sempre esses compromissos de datas são cumpridos. A única pessoa que considerou meus argumentos foi Nasr Chaul, o inesquecível e competentíssimo presidente da Agência Goiana de Cultura, a nossa Agepel. Mas, também, por muito pouco tempo. No ano seguinte ele bancava a expressão “bienal”.

Podem ir aos dicionários. Bienal é um evento que ocorre a cada dois anos, lógico. Menos em Goiás. Quando presidente da Caixego (Caixa Econômica do Estado de Goiás, extinta em 1990), no final da década de 1970, Índio Artiaga realizou a Primeira Bienal de Arte. Ninguém fez a segunda. A bienal do livro também foi uma, em 2005. A de 2007 não aconteceu e não falta quem jogue pedras no Governo. Mas a gente sabe que Alcides Rodrigues tem um carinho muito especial para com a área. Infelizmente... Bem, vou deixar essa análise para outro dia.

Não sou dos escritores que festejam uma bienal do livro. A rigor, esses eventos são ótimos para os livreiros, isto é, para editores, fabricantes e comerciantes de livros. Nós, os escritores, somos lembrados para o banquete, mas não somos o prato principal, nem os adereços. As moças da recepção tornam-se mais importantes que nós.

Somos o louro da feijoada. Lembro-me bem que, na infância, meus primos Inazinha e Colombo infernizavam a mãe por pôr louro no feijão. A mãe, Tia Iná, punha, efetivamente, folhinhas da especiaria, removia-os cuidadosamente após, mas as crianças (hoje, respeitáveis cinquentões) detectavam o sabor. Sabe-se bem que é perfeitamente possível fazer feijoada sem louro.

Livros sem escritores existem aos montes. Vejam aí os de autoajuda, os didáticos, os técnicos e os religiosos. Livros literários são hoje menos de dez por cento numa livraria. Iremos todos à Bienal, é claro! Afinal, o homenageado é Bariani Ortêncio, um dos mais antigos membros da Academia Goiana de Letras (A propósito, a AGL, no dia da abertura da Bienal, 29 de abril, completará 70 anos). Eu próprio irei lá prestigiar o confrade. É que para nós, os nativos, nada virá além das querelas. Os livreiros contam conosco para formar a claque aos escritores famosos, aos sacerdotes que prometem o reino dos céus e aos espertalhões que prometem limpar nossas almas e mentes das nossas angústias.

Enfim, aplaudo o governador Alcides Rodrigues por realizar essa feira. Será, sim, a ocasião para nos confraternizarmos, para o encontro de companheiros que há tempos não se veem. Mas continuo achando que o Governo deve aos escritores um evento que nos valorize. Este, a feira, valoriza os empresários do livro e, por isso, deviam ser realizados por esses empreendedores. A nós nos interessa, sim, a motivação à leitura, as oficinas de análise e construção de textos, de encenação etc.

Vamos conversar, Governador?



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro
da Academia Goiana de Letras
.
E-mai: poetaluizdeaquino@gmail.com


sexta-feira, abril 10, 2009

Moeda ou livro

Moeda ou livro


Luiz de Aquino


Já havia escrito um parágrafo quando, sem querer, cliquei na página de e-mail. A cantora carioca Irinéia Ribeiro mandou-me uma crônica de Rodrigo Ratier, do site http://revistaescola.abril.uol.com.br/gestao-escolar/diretor/vale-mais-trocado-432764.shtml, com o títuloVale mais que um trocado”:

"Dinheiro eu não tenho, mas estou aqui com uma caixa cheia de livros. Quer um?" Repeti essa oferta a pedintes, artistas circenses e vendedores ambulantes, pessoas de todas as idades que fazem dos congestionamentos da cidade de São Paulo o cenário de seu ganha-pão (…). Para começar, acomodei 45 obras variadas - do clássico Auto da Barca do Inferno, escrito por Gil Vicente, ao infantil divertidíssimo Divina Albertina, da contemporânea Christine Davenier - em uma caixa de papelão no banco do carona de meu Palio preto. Tudo pronto, hora de rodar. Em 13 oferecimentos, nenhuma recusa. E houve gente que pediu mais”.

O autor continua, entusiasmado: “Nas ruas, tem de tudo. Diferentemente do que se pode pensar, a maioria dessas pessoas tem, sim, alguma formação escolar. Uma pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, realizada só com moradores de rua e divulgada em 2008, revelou que apenas 15% nunca estudaram. Como 74% afirmam ter sido alfabetizados, não é exagero dizer que as vias públicas são um terreno fértil para a leitura. Notei até certa familiaridade com o tema. No primeiro dia, num cruzamento do Itaim, um bairro nobre, encontrei Vitor, 20 anos, vendedor de balas. Assim que comecei a falar, ele projetou a cabeça para dentro do veículo e examinou o acervo…”.

Sugestão minha: Leitor, visite o site indicado e conheça todo o texto! É certo que Você, como eu, olhará de modo diferente para os pedintes das ruas. Talvez os distribuidores de panfletos não se incluam nesse perfil, pois são profissionais empregados e não trabalhadores autônomos das esquinas.

A vida atual, a que não mais podemos chamar de moderna, tem características muito estranhas. Se ontem (há pouco mais de uma década) entendíamos que os que rejeitam livros são pessoas mal-informadas - e, pior, mal-formadas -, hoje sabemos que um adolescente fuçando em centenas de páginas da Internet, sem limites de gêneros, está, sim, em pleno exercício da leitura. Ou, se preferirem, do aprendizado. Mesmo que indisciplinado (aquilo que já se chamou autodidatismo).

Nós, os mais velhos, somos detentores de uma erudição muitas vezes desnecessária e, em alguns casos, pedante. O aprendizado que se tem nos computadores é qualificado como perigoso, porque a “rede” se alimenta de qualquer coisa, sem critério seletivo etc. E daí? Nossas conversas de recreio, de botequim, dos salões de beleza e das esquinas é diferente?

Mas é muito bom constatar que, nas esquinas, há pessoas que gostam de ganhar um livro. Gostei! Gostei da ideia, também vou pôr uma caixa de livros variados no meu velho Fiat e testar a receptividade. Vamos ver se os malabaristas, os coletores de donativos para igrejas e abrigos de recuperação de drogados, vendedores de canetas e balinhas e os mendigos em geral receberão o brinde com um sorriso. Vamos lá, poetas! Vale a pena testar.



quarta-feira, abril 08, 2009

Com a cabeça livre


Com a cabeça livre


Luiz de Aquino



Nestes últimos cinqüenta e tantos anos de escrita, mais de quarenta deles publicando em jornais, trinta de estréia literária e os dias e horas absorvidos no processo da escrita, já perdi a conta das palestras em escolas, dos debates em congressos, das explanações em seminários e oficinas de textos. Mas gosto de reviver alguns momentos e (ou) circunstâncias. Como as dúvidas dos ouvintes e interlocutores e as perguntas mais corriqueiras.

Boa parte das indagações são previsíveis. Mas há sempre as questões surpreendentes. Ah, não! Não falarei das perguntas surpreendentes. Se o fizer, elas começarão a acontecer com freqüência e perderão seu encanto. Prefiro ficar com as habituais, as que já se tornaram habituais. A mais costumeira é “quando você começou a escrever?” e quase sempre é feita por alunos das séries de base. Concluí que essa pergunta é sugerida, ou sugestionada, pelas professoras. Por um tempo, pensei que aquilo me irritaria, mas percebi que o propósito não é situar na história de vida de cada escritor o momento do estalo, aquele em que o sujeito se percebe capaz de produzir literatura, mas, sim, pretende-se que a resposta seja um estimulante à petizada ouvinte.

Por exemplo, sei que quase todo escritor começa a se interessar pelo texto ficcional, ou pela qualidade dos textos indispensáveis (incluam-se aí os textos técnicos) ainda muito cedo, buscando prazer no ofício de escrever. Muitas crianças de primeira fase recriam filmes vistos, histórias ouvidas, contos lidos. Bariani Ortencio gosta de contar que, quando estudante, rabiscava nas últimas páginas do livros o final que ele gostaria que a história tivesse. Gabriel Nascente revela que interessou-se por poesia ao notar que Aidenor Aires, seu colega de Escola Técnica, lia e escrevia versos (na época, cursavam o ginásio e o despertar se deu na série que hoje equivale ao sexto ano Fundamental). O resultado foi que Gabriel Nascente estreou com um livro de poemas “Os Gatos”, aos dezesseis anos.

Mas o tal de processo da escrita não consiste só em se pôr caneta ou lápis sobre o papel, ou à prosaica e desusada máquina de escrever, e, para ser atual, sequer o processo da escrita consiste apenas em se dedilhar ao teclado do computador. A coisa começa muito antes, com a intensa atividade do senso de observação de cada um, com o aprendizado incessante das regras da Língua e o conhecer cada vez mais das atitudes e comportamentos das pessoas, os hábitos dos animais, a cor do céu, a dança das nuvens, a musicalidade das cachoeiras e a percussão das ondas nas pedras e areias... Escrever é traduzir, ao modo de cada um, o sentimento do autor ante a natureza que Deus criou e a natureza das pessoas. Ou a natureza da Natureza. Escrever começa com a percepção das coisas.

Mas existe a parte indispensável da escrita, que é o leitor. O leitor (e somos
todos leitores) é a parte passiva da escrita, o canal de recepção. É confortável para o leitor receber o texto, que resulta de uma infinidade de coisas acumuladas na cabeça do escriba observador. Mas há leitores estranhos, como aqueles que querem dizer ao autor o que ele deve escrever.



Não deve. Pode, sim, e sempre, sugerir temas, mas que espere o autor pronunciar-se ao seu modo. Um leitor, certa vez, questionou-me: “Leio sempre seus textos, mas não gostei quando você elogiou o Fulano”. Respondi na bucha: “Moço, não sabia que eram desafetos. Eu gosto de você, mas gosto também do Fulano, a diferença é que ele fez algo que, para mim, foi digno de nota”. Um outro expressou-se assim: “Gosto do seu lado poético; não gosto quando você briga” (referindo-se a textos eventualmente polêmicos). Respondo, também: “Acha que foi ruim quando briguei pela manutenção das árvores?”. Não, a pessoa gostou. “E quando questionei o bispo que excomunga familiares da vítima de estupro e protege o bandido?”. Também não. Mas o leitor não me diz qual foi a briga injusta.

Desisto de esclarecer. Melhor deixar que cada leitor eleja o que quer ler, mas, por favor, respeitem o direito de o escriba de discorrer sobre o que quiser. Afinal, num bate-papo (ainda tem hífen? Estou confuso) cada um diz o que pensa, não é?


Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.
E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com.

sábado, abril 04, 2009

A Língua ao Sol


A Língua ao Sol


Luiz de Aquino

 

Não precisava programar nada, então deixei o dia nascer, simplesmente. Fiz bem, bastava-me o sol. Menos: bastava-me sua luz. E o dia se fez de azul com nuvens, e a luz criava sombras, silhuetas de árvores e prédios, de bichos e gente. Um rádio toca ao longe, não gosto da música. Ligo a tevê, notícias de crimes e falsetas políticas, nada de arte nem de boas-novas.

Banho, escova de dentes, lâmina de barbear, o café, frutas e leite, conversa amena. Documentos, chave, carro, rua e sinais. Horários e conversas, informações indispensáveis, acertos e esperanças novas. O carro outra vez, a rua e os sinais, uma feira esquecida obriga-me a retornar, voltear seis quarteirões e, ao fim, desistir daquele intento, não há vagas próximas, nem nas ruas, nem nas garagens. Retorno à tarde.

Farmácia. Preços especiais com cartão-fidelidade. Aumento na tabela, mas só para medicamentos de uso contínuo. Só? Sim, apenas. Sem comentários. Estamos mesmo em fase de declarar rendimentos e gastos ante a Receita Federal... Nossos ganhos são controlados, o que gastamos fica limitado a um teto máximo, muito aquém do mínimo que efetivamente gastamos. Eis um caso de incoerência: aqui, o mínimo bate muitas vezes no que o Governo entende por máximo. Aliás, aqui chamam nossos salários e pensões de “renda”, e as taxas que parecem fixas recebem tratamento especial, de modo que, feito mágica, sugam-nos mais a cada ano. Pena que o presidente, tão popular, virou elite também.

Sombras. Nuvens claras. Nuvens de longe, muito longe, em tons plúmbeos, ameaça de chuva para o final da tarde. Ou, no jargão dos técnicos, no fim do período.

 Técnicos e profissionais liberais não falam gírias: têm jargões. Médicos conversam num dialeto que tem por esteira os “radicais gregos”; os juristas valem-se dos “radicais latinos” e são tão impolutos, ou embolados, que usam uma língua que o vulgo chama de juridiquês. É que a Língua

 Pátria, “última flor do Lácio, inculta e bela” (obrigado, Bilac!), também é luz; como tal, ilumina e faz sombras.

Todos precisamos de sol. E da Língua. Alguns, como eu, fogem da luz direta do sol, pois o tempo criou marcas, pintas indeléveis. O tempo também fez-me a pele mais sensível, a luz direta faz dor na pele. E tal como busco a sombra quando a luz é forte, existem os que correm da Língua bem falada, correta e bela, não tão inculta como a conceituou o poeta Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac. Incultos são os mais de nove entre dez falantes da Língua de Pessoa e Drummond, de Bandeira e Camões,  

de

 Quintana e Maria Helena Chein.

Certa vez, assustei-me comigo mesmo ao discutir longamente com quatro jovens, filhos e sobrinhos, acerca de coisas de escolas e provas. No calor dos argumentos, dei-me conta de que passava dos quarenta anos e não era mais um jovem estudante. Ledo engano, Dona Leda(ê) Selma... continuo menino, continuo estudante, curioso e ignorante como na adolescência. E já vivi quatro adolescências, ao menos.

Olho em volta, confiro meus instrumentos de trabalho e constato que não preciso sair do ambiente da Língua. Afinal, já escrevi “aquêle”, que mudou para “aquele” e, agora, não permitem que eu escreva “idéia” ou “perdôo”. Ou seja, todos nós, com cinquenta anos, somos museus vivos e circulantes da própria Língua.

O dia continua, o pensamento voa... Luz e Língua! Ninguém muda o sol. Muda a Língua...

E o trema? O belo sinal gráfico, doravante, só será visto no ângulo anterior dos quadris femininos, aquelas covinhas que enfeitam bundinhas de modelos e outras seminuas, insinuando-nos sonhos e nostalgia. Na grafia, somente em nomes estrangeiros: Müller, Bündchen... Aliás, a famosa modelo tem trema nos quadris (isso é lindo!).

 

 

Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras (E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com).