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domingo, agosto 19, 2018

Ouvindo rádio


Ouvindo rádio



Aqueles tempos após a II Guerra Mundial trouxeram mudanças radicais, sim. Contavam os professores (era o meu tempo de criança, os professores tinham um papel importante na vida das pessoas) que as guerras ensejavam grandes mudanças na tecnologia, na medicina e nos costumes.

Partiu de escritores e artistas americanos, chamados de beatniks (neologismo originário do inglês beat em fusão com uma partícula russa – nik – que aparecia em termos como Sputnik, lunik e outros), o movimento que contaminou a juventude – e o mundo nunca mais foi o mesmo

Falei do Sputnik – o satélite artificial soviético que assustou o mundo com o seu bipbipbip captado nos observatórios do mundo. Aquele aparelho é o símbolo máximo das novidades da época, mas, pelas ruas, os rádios a pilha se espalhavam rapidamente – como as calças rasgadas preferidas da juventude de agora. Os primeiros rádios pareciam um tijolo, pela forma de paralelepípedo e pela cor ocre dos estojos de couro grosso que os revestiam. O minúsculo fone de ouvido, assessório importante, chegou para durar mais que os rádios.

Pois é! Ouvia-se muito rádio. O rock and roll conquistava o mundo e a bossa nova também entrou na onda; nos estádios, os rádios eram indispensáveis. Os modelos menores, na dimensão de um maço de cigarro, eram trazidos nos bolsos das camisas. Notícias, música e radionovelas eram os motivos mais expressivos para os aficionados.

Era também o tempo dos grandes locutores. Mulheres e homens de vozes envolventes, com ótima dicção e uma busca incessante pelas melhores formas de texto e fala, com correção gramatical e vocabulário apropriado, capazes de ampliar o conhecimento dos ouvintes sobre quaisquer assuntos.

O rádio ainda é uma força no segmento da comunicação, mas hoje divide esse papel – essa importância – com outros veículos. O lamentável, para quem conhece um pouquinho da história desses últimos 60 e poucos anos, é presenciar a decadência do nível de aprendizado e da qualidade profissional que temos hoje.

Os apresentadores, âncoras, repórteres e outras personagens do mundo radiofônico (podemos incluir os da tevê) são orientados por excelentes instrumentos de trabalho, como o Manual de Redação da CBN (que ganhei de presente do meu filho Lucas). Infelizmente, os profissionais da rede noticiosa não leem o livro. Ou, se o leram (ou os que o leram) não assimilaram nada!

Regras gramaticais das mais simples são ignoradas solenemente. O uso abusivo de “muletas” – como a partícula “aí” – é uma tônica constante, com repetições insistentes. Palavras como “inclusive”, “insistem” e “interativo” transformam-se em “enclusive”, “ensistem” e “interativo”; e é corriqueiro falarem “indentidade, por exemplo.

Um repórter tenteou quatro vezes e não conseguiu pronunciar “poliomielite” – no que foi auxiliado pela locutora-apresentadora que, justificando (?) o erro, finalizou com a frase “tudo bem, tá dado o recado” (ah! O verbo estar, para eles, perdeu a primeira sílaba). Outro repórter, com a ênfase que se aplica em notícias de política, destacou que um candidato seria entrevistado “entre as 14 até as 16 horas”.

Noções de geografia e de história? Nada! Há poucos meses, na mesma CBN de Goiânia, uma repórter noticiou: “A polícia encontrou um corpo de mulher num córrego da Marginal Cascavel”.

Tudo isso poderia ser evitado se os profissionais respeitassem o que recomenda o Manual da própria rede. Ou que tivessem aprendido as regras ensinadas em sua formação escolar. Nas nada disso é levado em conta. Nem mesmo fato de, nas manhãs das segundas-feiras, um professor de Português prestar seus serviços à emissora.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.



domingo, agosto 12, 2018

Avós são pais sem broncas


Avós são pais sem broncas


Era perto das 17 horas, isso de fim de tarde, e a única coisa a fazer até o pôr do sol era matar tempo. E matar tempo, quando se está nas ruas, sugere-nos os primórdios da humanidade. Ou seja, em lugar do bucólico banco de jardim, escolha prosaica de poucas décadas passadas, busquei a luminosa e colorida caverna das lojas sofisticadas – um xópin na Rua 9, no setor Oeste. Tomei café (caro demais para o tamanho da xícara), apreciei capas de livros, ouvi dos vendedores a linguagem das feiras-livres (vendedores de livros não entendem de livros – muito menos da linguagem esperada num ambiente de livraria).

Andei à toa, porque tinha de esperar o fim da tarde. Ocorreu-me comprar pães, que naquele empório são de ótima qualidade. Chamou-me a atenção uma linda menina em seus dez anos, devidamente assistida pela avó, que determinava à mãe da pequena (e filha dela, a avó):

– Dê-lhe cinco reais, ela quer sorvete.

Afastei-me – o assunto não era da minha conta, e não é de bom-tom ouvir conversas alheias. Porém, nos minutos seguintes passávamos pela caixa – atrás de mim, a mãe contestava:

-– Não vai tomar sorvete, isso não é bom.

E a avó:

– Ora, ela quer! E se ela quer, que mal há nisso? Você, nessa idade, tomava vários por dia. E comia dois big-mac de uma vez!

– Mas eu sofri muito, não lembra? Sofri muito para emagrecer – justificava a mãe da menina.

– Mas venceu, – tentava finalizar a avó, em defesa da neta – pois está aí muito bonita e magra!

Como se vê, não pude evitar... E não me limitei a ouvir. Dei logo um palpite, dirigindo-me à filha-mãe:

– Muito bem, você é mãe e lhe compete educar. Mas a avó, não, avó e avô existem para deseducar.

A vovó ficou feliz:

– Isso mesmo! Eu quero que minha neta não passe vontade, vamos lhe dar o sorvete!

A mãe, a essa altura, quase se dava por vencida, mas não ocultava o desagrado. Foi então que me senti intrometido e inconveniente, mas o riso era incontido e, parece-me, isso deixou a mãe mais aborrecida. Já não lhe bastava sentir-se mortadela de sanduíche, entre a própria mãe a e menina filha, aparecia este velho a se meter na questão.

Quando consegui dominar a risada, tentei me justificar:

– A senhora me perdoe dar pitacos e rir assim. Sinto que a pequenina vai ganhar a causa, pois tem a avó por advogada.

Paguei minha conta e me afastei impune. No íntimo, cuidava de fazer uma autoanálise e, obviamente, perdoava-me por entrar no que nem era da minha alçada – ou competência. Mas, principalmente, vestia a carapuça de avô – esse parente que tanto se faz feliz pelos netos.

E temos de continuar assim, sem dúvida! Afinal, em pouquíssimos anos, tantos os netos quanto os pais deles nos terão esquecido.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


sexta-feira, agosto 03, 2018

Leodegária, poeta caldas-novense.



A poetisa caldas-novense Leodegária de Jesus, em crayon de Amaury Menezes.




Dia do Poeta caldas-novense



O poeta, a poeta. Há algumas décadas, os praticantes de poesia, mulheres e homens, acataram o conceito de Cecília Meireles que rompeu o rigor dos gêneros em “poeta, poetisa”. Ela escreveu essa pérola, que o cantor e compositor cearense Fagner vestiu de belíssima melodia: “Não sou alegre nem sou triste, sou poeta”.

De posse dessa senha, as poetisas brasileiras adotaram, em sua expressiva maioria, o masculino como comum de dois gêneros e temos “as poetas” em profusão, coma legitimidade de o termo masculino, com a terminação em “a”, permitir a posse do termo. Muitas são as poetas que preferem dizer-se poetisas, alegando sua força feminina. E as que adotam a forma que antes era restrita aos machos, alegam o mesmo direito. A poeta Leila Miccolis justifica: “Poeta. / Que em poetisa / todo mundo pisa”.

Esse preâmbulo é só para dizer que eu, poeta caldas-novense (como o adventício José Teófilo de Godoy, o saudoso Celso de Godoy, a franciscana Yashira e o premiadíssimo confrade Delernando Vieira), orgulho-me de contar que também é de Caldas Novas – nascida semanas antes do golpe que nos privou do Império – Leodegária de Jesus, a primeira mulher de Goiás a produzir poesia e publicar seus livros.


Sustentando meus argumentos nos trabalhos da professora e poetisa Darcy França Denófrio e do professor Basileu Toledo França, incomodei autoridades e acadêmicos de Caldas Novas para que nos manifestássemos com o mesmo orgulho para contar de nossa ilustre conterrânea. Assim, a presidente da Academia de Letras e Artes de Caldas Novas, a musicista Stella Fleury, e a secretária de Cultura do município, professora Gabriela Azeredo Santos, apoiaram-me e pudemos contar com a simpatia dos vereadores Léo de Oliveira, Geraldo Pimenta e Saulo Inácio.

Resumindo, a Câmara Municipal aprovou por unanimidade e o prefeito sancionou a Lei, que institui o Dia Municipal do Poeta em Caldas Novas – poeta para os dois gêneros – e a Comenda Leodegária de Jesus, a ser concedida por ocasião da data de 8 de agosto de cada ano, a partir deste 2018. O evento inaugural se dará, portanto, na próxima quarta-feira, 8 de agosto, às 19 horas, em sessão solene da Câmara.


A “memória curta” é algo que nos trai, sempre: não fossem os professores acima citados, Darcy e Basileu, a poeta Leodegária teria caído em esquecimento. A mídia contemporânea, despertada em 1965, quando Cora Coralina estreou com um livro de poemas, era a quarta poetisa goiana a fazê-lo. Ela foi antecedida, respectivamente, por sua amiga desde a adolescência Leodegária (com dois livros, em 1906 e 1928), a vila-boense Regina Lacera (1954) e a impecável Yeda Schmaltz (1964). Por isso enfatizo os autores que a biografaram, por suas obras de profunda pesquisa.


Dos arquivos da professora Darcy, destacam-se as cartas trocadas com Doralice, filha adotiva da nossa primeira poetisa, esclarecendo pontos que, por algum tempo, significavam dúvidas na vida de Leodegária, como um intenso e frustrado amor que motivou sua primeira obra, peça essa que recebeu críticas de vários pontos do país. Até mesmo Osório Duque Estrada expressou-se sobre Coroa de Lírios. 

Nos bastidores, evoco a lembrança de quem primeiro me falou sobre a poeta: o intelectual (músico, poeta, contista e ensaísta) José Pinto Neto; a jovem poetisa e assessora parlamentar Naftali Gomes; a bibliotecária Helena Carvalho, diretora da Biblioteca Municipal Professor Josino Bretas, ao lado dos membros da Academia local, em especial o escritor e jornalista Cristiano de Jesus.

Tanta informação – ou divagação – para tornar público esse evento, ao mesmo tempo em que provoco o público de Caldas Novas para comparecer e saber um pouco da nossa História e dos vultos que contribuem na construção da base cultural de nossa amada terrinha.

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Luiz de Aquino, jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras e da Academia de Letras e Artes de Caldas Novas.
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