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sexta-feira, dezembro 26, 2014

A escola que nos falta



A escola que nos falta



Há alguns dias, vendo o telejornal Bom Dia, Brasil – da TV Globo – atentei para uma análise de Alexandre Garcia acerca da Educação que se pratica no Brasil (ou, antes, do desinteresse com que os governos tratam a Educação, nos três níveis). A matéria, no todo, mostrava ranchos de pau-a-pique, cobertos com palha de palmeiras; a ausência de instalações dignas não apenas no que era a única sala de aula, mas as moitas do mato próximo valendo de instalações sanitárias; a indignidade dos veículos usados para o transporte escolar; o descaso geral nas relações dos poderes públicos para com o processo da Educação e sobretudo nas relações de trabalho do professor, coisa que se estende para todos os profissionais do ramo, em maior e menor escala conforme se esteja em unidades federativas mais abastadas.

O veterano jornalista chamou a atenção para um referencial muito importante: o Brasil sequer andou perto de ser lembrado para algum Prêmio Nobel – mas o Chile tem dois, e a nossa vizinha Argentina, cinco! E brincou: “Cinco a zero para a Argentina”.

A presidente Dilma Roussef anunciou, há poucos dias, o nome de Cid Gomes – engenheiro e político – para o Ministério da Educação. Aqui, abro um parêntese: raríssimas vezes tivemos um educador na Pasta da Educação. Ao tempo em que se chamava Ministério da Educação e Saúde, os médicos detinham a primazia na escolha – para o ministério e para as secretarias estaduais. E desde a separação, o cargo é dado a políticos, tal como agora se repete.

Contudo, Cid Gomes anunciou uma medida interessante: a realização de um exame nacional para professores, nos moldes do ENEM ou do ENAD. Segundo ele, o propósito não é demitir ninguém, afastar ninguém; o que se quer é avaliar o professorado e, assim, promover medidas de melhoria na qualidade profissional.
 Nas muitas décadas desde quando alguns dedos engessados apontaram-me e conseguiram afastar-me do magistério, passei a freqüentar as escolas básicas para falar de literatura e cidadania com estudantes e professores. Assim, busquei manter-me informado sobre o andamento e as andanças do ambiente escolar; assisti, a uma distância próxima, à decadência do ensino (fala-se muito que a escola privada é muito superior à pública; o que sinto é que a rede particular não evoluiu, apenas a pública decaiu, pois os políticos tiraram seus filhos da rede pública).

Em suma: a designação de um político para a Educação repete o desinteresse. Existe uma diferença abismal entre professores educadores (os que se formam para isso em cursos de Pedagogia e Licenciatura) e os professores universitários (a rigor, mestres de ofícios vários, sem formação pedagógica). O órgão máximo da Educação nacional deveria ser regido por um educador cercado de educadores. O ex-ministro Cristóvão Buarque sugeriu que o Ministério da Educação cuidasse da educação básica e que o ensino superior se atrelasse a outra pasta – a da Ciência e Tecnologia; esta seria, sim, uma medida expressiva no rumo do aprimoramento da causa educacional.

A este tempo, há que se voltar com maior atenção à formação academicista na escola de base. A proliferação do entretenimento de má qualidade – como o que se faz na música brasileira, nivelada por baixo com artistas de pouca formação tanto na elaboração das melodias quanto na concepção das poemas-canções que se acasalam para o resultado canto e instrumental – é responsável, também, pela queda do nosso padrão escolar.

Não basta, pois, generalizar as escolas de tempo integral. É indispensável que se trabalhe uma valorização vertical da qualidade do que se ensina, com a larga prática da atividade artística acasalada com currículos melhor elaborados.

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sábado, dezembro 20, 2014

Política e negócios. E Língua

Política e negócios. E Língua


Esta semana, ouvi no rádio uma palavra nova: “economicidade”. Fui pesquisar e achei-a no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Como está lá, também, “empregabilidade”. E como o meio nacional dos negócios usa esses termos! Muitos neologismos, às vezes, outras vezes expressões em desuso que alguém descobre em textos antigos, sei lá!

Uma novidade que me incomoda mesmo é “empreendedorismo”. Associo-a a outros substantivos do mesmo formato e sou conduzido a pensar que a palavra deveria ser “empreenderismo”, já que trata da ação de empreender. Mas fazer o quê? Não sei de onde partiu – foi coisa muito recente – aquilo de substituir “jogos para-olímpicos” por “jogos paralímpicos”. Pelo pouco que conheço da Língua, esta “última flor do Lácio inculta e bela”, a fusão do “a” final de “para” (a sugerir paralelismo) com a inicial “o” de “olímpico” deveria eliminar o “a”, ficando “parolímpico”, e não essa maluquice de “paralímpico”.

Se foi invenção de coleguinhas da área de esporte, danou-se! É que não se fazem mais jornalistas como antigamente: os chamados “cronistas esportivos” do passado sempre me pareceram mais cultos. Aliás, a regra se aplica a vários segmentos profissionais, infelizmente. Como bem analisou Alexandre Garcia, recentemente, é por conta da péssima qualidade da Educação no Brasil que nunca conquistamos um Prêmio Nobel (o Chile tem dois; a Argentina, cinco!).

Se seguirmos o raciocínio que pode ter norteado quem inventou isso de “paralímpico”, é provável que chamemos a próxima edição dos milenares torneios gregos de “Jogos Límpicos”. Os seguidores de Galvão Bueno devem deliciar-se com essas bobagens.

Na linha dessa permissividade calcada nas falhas do nosso sistema educacional, chegamos ao meio político: o deputado petista que relatou os trabalhos da CPMI da Petrobrás apontou mais de 50 pessoas para serem processadas, por sua sugestão; mas isentou todos os políticos envolvidos nos trambiques!

Ora... O segmento dos negócios anda praticando cursos de capacitação como jamais se fez na história deste país! Eu mesmo, induzido por alguns amigos, fui cursar quase cem horas de treinamento para me tornar “Coach” – coisa que está na moda, gente! É interessante, sim, mas é incrível notar o quanto os “treinees” são desinteressados quanto ao verniz das coisas da cultura. Aliás, cultura para eles limita-se apenas aos comportamentos setoriais. Esse meio tem a mania de “inglesar” suas falas. Assim, eles não falam em caso quando querem exemplificar algo – eles dizem “case” (a pronúncia é “queise”). Não param para um lanchezinho (lanche é uma boa palavra inglesa bem aportuguesada; até parece palavra nossa), mas realizam um “coffee break”. Eu, hem?

São as falácias na Língua Portuguesa, causadas pelo despreparo dos que se acham muito sabidos – afinal, eles integram o segmento mais bem pago. Falar bem para quê? E esse comportamento (ou “cultura”) é o mesmo dos políticos que sofismam em seus discursos e relatórios, agindo e propondo medidas que satisfaçam o poder maior ou seus partidos – verdadeiros bastiões de blindagem eficaz, desde que o sujeito se mostre mais fiel que os cãezinhos de suas escolhas.

E arremato com o nosso modo goiano de demonstrar insatisfação: 

– Ah, nem!


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domingo, dezembro 14, 2014

Negócio de poesia


Encontro de muitos amigos, festa para não esquecer, sob os auspícios da EBM. 

Negócio de poesia


Escrevo para formalizar a gratidão. Para chegar a este novo livro,  Poesia Completa, vali-me de toda a minha vida de vivências (aprendizados e experiências; umas felizes, outras amargas, que a doçura se dá num momento ou não chega a tempo, ainda que muito desejada). Afinal, revisei cada poema dos que publiquei em 11 títulos anteriores, num total de 14 livros (pois que em dois deles agrupei respectivamente três e dois livros: Sarau e De Amor e Pele).
Presença ilustre de Amaury Meneses, artista plástico. Obrigado, meu Mestre!
Tudo começou com aquilo de cantar em serenatas, já aos quatro anos de idade, acompanhando meu pai; tinha, já naquela época, o gosto de dormir ouvindo minha mãe em leituras de um livro chamado Histórias da Carochinha. Depois veio a escola e os gibis; depois, a descoberta da poesia – algo parecido com as canções, mas sem melodia.

Com Danilo Verano, Amauri Garcia, Thiago Blazissa e Júnior.
E veio o curso ginasial, o estímulo do professor J. G. de Araújo Jorge; o convívio com poetas na minha turma de colegial, no Clássico do Liceu de Goiânia. E mais tanta coisa boa! Até que José, Waldeci e Antônio Almeida, os Irmãos Kelps, liberaram-me em volume este livro, que contou com a paciência e a competência de Sandra Rosa e Tatiana. E a visão artística da Cacau, a minha querida Anna Carolina Cruz, filha da Wanessa Cruz (da Arte Plena), que ciceroneou-me em contatos mil.
E houve também o Iúri Rincon Godinho, e ainda a Jô Sampaio, que assinam apresentação e prefácio do autor e da obra. E o Júnior, que cuida de projetos. E o Danilo com seu trio.
Os filhos Lucas, Léo, Fernando e Élia Maria. E o neto Gabriel
Wanessa acertou com a Marília, do Espaço EBM – uma dessas construtoras que vêm modernizando ainda mais esta moderna Goiânia de tanta riqueza arquitetônica. Atrás desse conceito, o das construções (Cacau, a minha parceira de capa, prepara-se para a formatura em Arquitetura), temos toda a engenharia, os processos legais e formais da gestão urbana, a geração de empregos que mobiliza um exército de técnicos e operários. Isso me alegra! É a atividade humana em (r)evolução.
Com os acadêmicos Miguel Jorge e Moema de Castro e Silva Olival, da AGL.

A acolhida surpreendeu-me! Pessoas talentosas em seus afazeres vários, mas saltou-me aos olhos e sentidos a alta capacidade de relação – aquilo que, nos anos dourados, diziam ser “fino trato”. Senti isso nos comentários dos amigos aos quais a área de contatos da empresa telefonou finalizando o convite.

Só posso agradecer, de coração e de lágrimas (sim, sou emotivo e não faço reserva disso). Sem vocês, Marília e equipe, a minha festa não teria tanto brilho.

Eu e o cartunista JLima (Arteiro Geral)
Ah! Resta ainda dizer que, feito uma homenagem, inseri na folha de guarda do livro  caricaturas e retratos que, ao longo de quase 40 anos desta carreira livresca, colecionei; são carinhos de amigos artistas, cartunistas, gente que capta no traço a nossa alma. Simbolizo-os na figura única presente, o talentoso J. Lima (Arteiro Geral), já que os outros não puderam me atender. Eles, os artistas do traço, dizem que uma imagem vale por mil palavras – daí a minha homenagem de agradecimento na forma apenas de seus desenhos de mim.

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sábado, dezembro 06, 2014

Poesia de ontem para sempre

O livro-homenagem do poeta Ademir Hamu à sua neta Leninha


Poesia de ontem para sempre



Meu velho amigo Ademir Hamu presenteia-me duplamente com seu novo livro: Leninha - Poesia, Samba e Rock. Ele, que é um misto de médico e professor, de poeta e homem feliz, batizou-se em letras e livros com Travessia de Gente Grande, nos primórdio dos anos  80 – a última década do mundo mágico da MPB.

Depois, vieram seus filhos, Bebel e Lucas, e outros livros, até uma série já inaugurada de biografias de vila-boenses notáveis – importante contribuição para a o historiografia de Goiás, mormente para a antiga capital. Em meio a isso, outros volumes de poesia da lavra do incansável goiano nascido em Paracatu, Minas Gerais.

Ora: goianos somos, quase todos, filhos de baianos, maranhenses e outros nordestinos; mas principalmente de mineiros e, em menor incidência, de adventícios de outras regiões. Bom mineiro, melhor goiano – assim é o meu amigo Ademir, o poeta dermatologista. Tornou-se tão goiano que, claro, ele é hoje minoria absoluta em sua família de goianos nativos.

Nessa trajetória livresca, deu-me carona em algumas de suas obras, do que me orgulho. Mas neste Leninha - Poesia, Samba e Rock ele me fez presente: o livro festeja sua neta primeira, a Leninha (filha de Bebel e Hugo). Trata-se de um belíssimo álbum de fotografias, cuja montagem visual (diagramação e capa) traz as ricas assinaturas do casal Luciana Fernandes e Alessandro Carrijo (a quem devo a riqueza visual do meu As Uvas, Teus Mamilos Tenros, com desenhos de Pollyanna Duarte).

Ademir ilustrou as fotos de Leninha com versos universais de poemas e canções, misturando versos de expoentes brasileiros (de Manuel Bandeira e Vinícius de Morais até Cazuza e os modernos sertanejos) com notáveis estrangeiros: Steve Wonder, Ray Charles, Bob Marley, Maiakovski... Não dá para citar todos, mas a surpresa que me coube foi a de figurar em duas ocasiões do livro!

A capa concebida por Anna Carolina
Cacau, com minhaa caricatura por Nathan


A coincidência se dá por receber este mimo justo quando eu conferia, na Editora Kelps, o resultado final do meu livro Poesia Completa, que lançarei no dia 11, quinta-feira, na sede da empresa EBM, na Alameda Ricardo Paranhos. Recordei-me que foi lá Kelps, há 30 anos, que publiquei meu terceiro livro (De Mãos Dadas com a Lua; o segundo de poemas). Era o segundo feito pela pequena Gráfica Pirâmide (primeiro nome da Kelps): antes, só o já citado Travessia de Gente Grande, de Ademir Hamu).

Enfim e em síntese: este meu novo livro é o conjunto de 11 volumes anteriores – que, se publicados título a título, seriam 14 volumes de poesia, pois naquele a que chamei Sarau juntei três livros, e dois outros constituíram o mais recente, De Amor e Ontem.

Esta crônica é, pois, um duplo convite: busquem conhecer Leninha - Poesia, Samba e Rock e venham ao lançamento do meu Poesia Completa. O mundo é muito mais bonito com poesia!

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.




sábado, novembro 29, 2014

A rua virou um rio

Crônica publicada no DM (Diário da Manhã, de Goiânia) em janeiro de
2001. A velha cantilena das enchentes e dos dramas que elas nos
trazem – em contraponto com a seca que ameaçou impor a sede
à nossa maior metrópole. Republico-a em nome da memória,
nesta semana em que Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo
fecharam um acordo sobre o Rio Paraíba do Sul (L.deA.).




A rua virou um rio

  

         Há horas, o céu era de um azul forte, bonito, permeado de nuvens alvas como uniforme de antigas normalistas. Alguém se lembra das normalistas? Aquelas moças que, após o ginasial, escolhiam fazer a chamada Escola Normal, que tinha aqui em Goiânia sua maior referência no Instituto de Educação.

         Ah, no Rio de Janeiro também! Existe ainda um belo casarão, em arquitetura de estilo, na Rua Mariz e Barros, na Tijuca, que, até os anos 70, era referencial obrigatório na saudade carioca. Da infância, ficaram os versos de David Nasser (música de Benedito Lacerda) que Nelson Gonçalves imortalizou: 

                   Vestida de azul e branco
                    trazendo um sorriso franco
                    num rostinho encantador
                    minha linda normalista
                    rapidamente conquista 
                    meu coração sofredor”.

         Mas não é de normalistas e de samba-canção que trato nestas linhas. Falo de céu azul e nuvens brancas que, em pouco, se vestiu de um pesado cinza, com tons mais escuros no quadrante sul. Em pouco, grossas gotas marcavam compasso de dobrado e rapidamente era choro em notas graves de cordas e arcos em orquestra. Corre-se a fechar janelas, proteger-se da água sob ação de ventos e rapidamente o ar se resfria. Não demora a ganhar, a chuva, seu ritmo de poema longo e monótono. Não ligar computador, que está conectado à rede e pode haver raios. Havendo raios, perde-se o modem, é capaz. Faz-se calma a rua, lá em baixo. Ninguém nas calçadas, poucos carros transitam lentos; faróis acesos, embora seja dia.

         O garoto de cinco anos delicia-se com o que vê – a rua virou um rio, diz ele, sugerindo um poema moderno, três versos apenas, mas não é haikai, que não tem a métrica: 

                   Rio
                   porque a rua
                   virou rio. 

         Bem podia ser haikai, sim: 

                    Foi-se a rua. 
                    Sob célere torrente 
                    virou rio.

         A noite já vem, e com ela o telejornal ao pôr do sol, pois que há horário de verão. O modesto rio da torrente aqui em frente apenas sugere o lamaçal que obstruiu avenidas, fez escuro, apagou sinais de luz dos cruzamentos, enfureceu córregos e transformou vidas. Há entrevistas de bombeiros militares, esses que chamamos defesa civil. Famílias em desabrigo, funcionários barnabés a buscar guarida para tantos. Existem casas desocupadas, a prefeitura as oferece – mas eis que foram invadidas por sem-tetos desde ontem, diz o locutor. Um pai chora ante a câmara, e a casa acaba de cair: só resta a parede de fachada.

         Agora, fala o coronel-bombeiro-militar-defesa-civil. Sua entrevista também é interrompida, a água furiosa arranca mais barranco. No peito da gente, dói uma dor feito verruma: sensação de impotência, vontade de fazer alguma coisa, ajudar, sei lá!

         O locutor volta à tela e conta: outra margem de córrego também acumula desabrigados e, entre estes, gente que nas enchentes do ano passado ganharam casas, casas próximas às casas que os sem-tetos invadiram ontem. E não estão lá porque, assim que as chuvas passaram, venderam suas casas e voltaram para a margem do córrego.


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domingo, novembro 23, 2014

Educação, Cultura e Esporte

Educação, Cultura e Esporte


Há um tempo, não muito, conversávamos uma professora universitária e eu. Inevitavelmente, caímos no tema Educação e ouvi dela que “não tenho como me ocupar de formar o cidadão; a mim me cabe formar o profissional”. Não me foi difícil mostrar-lhe que a escola básica, isto é, as fases da tenra infância, seguida do processo da alfabetização e do fundamental, e ainda o que chamamos hoje de Ensino Médio, são os momentos em que, de fato, se forma o indivíduo; os cursos profissionalizantes, ou seja, a universidade, visa de fato à formação do profissional.

Ainda alcancei a universidade com algo entre 20 e 30 cursos, considerando a diversidade nos cursos de licenciatura (formação de professores) e nos de engenharia, cada habilitação equivalendo a um curso; hoje, quantos cursos já no universo acadêmico? A atividade humana multiplicou-se e convivemos hoje com milhares de novas atividades, muitas delas integradas em segmentos diferentes, re-universalizando as relações humanas (sim, pois houve um tempo em que receávamos que um médico especializado em tratar do dedo mindinho não se entenderia com um polegar).

Sou também do tempo em que as escolas ensinavam, por exemplo, Canto Orfeônico e Trabalhos Manuais, e as aulas de Línguas estimulavam-nos à leitura e à prática de escritas como o poema, a descrição, a dissertação, a carta... Éramos motivados a escrever. E assim, convivi, na mocidade e também na fase madura da vida profissional com bons redatores, ainda que não literatos. E dos meus contemporâneos, os que não escolheram tocar algum instrumento tornaram-se, ao menos, bons ouvintes, capazes de selecionar músicas de melhor qualidade, acopladas a letras de apelo poético (os professores de Letras ensinam que “letra de música” é canção – um termo variante do poema).

Nas últimas décadas, como sempre fiz ao longo de muitos e muitos anos, visito escolas. Converso com professores e estudantes, revivo meus tempos de professor e reanimo-me à escrita. Percebo que existe uma geração profissional em salas de aula a denunciar falhas em sua formação acadêmico-profissional; no meio acadêmico, professores reclamam que os alunos saem do Ensino Médio mal preparados – e entramos no ciclo vicioso.

O triste é que as autoridades da Educação preocupam-se com a pré-escola e com o Ensino Fundamental, mas abandonam o Ensino Médio à sanha comercial dos cursinhos que objetivam tão-somente fazer com que o aluno passe nos exames vestibulares – é o que nos preocupava em 1970, quando nasceu a “indústria dos cursinhos”.

Os governos falam em Educação apenas para referir-se à formação da mão-de-obra, e deixam a formação do cidadão para os quadros subalternos do Ministério da Educação; o Ensino Médio tornou-se o gargalo asfixiante entre aquilo de se fazer-o-cidadão e formar profissionais.

Por que digo tudo isso? Porque antevejo uma grande chance, em Goiás, para a melhoria do Ensino Médio e, com a extensão aos ambientes municipais, ao Fundamental; refiro-me à junção política das áreas de Cultura e Esportes à Educação. Há anos reclamávamos da falta de bons representantes esportivos nas Olimpíadas; e de uns poucos anos para cá, sentimos uma queda vertiginosa do nível cultural dos nossos novos profissionais acadêmicos – e,  por extensão, os de nível médio também (haja vista a disseminação da música comercial de má qualidade na preferência de grande parte dos profissionais liberais, ao lado da confissão nada constrangedora de notáveis quanto à leitura e ao teatro, por exemplo).

Essa reforma anunciada e em fase de apreciação pela Assembléia Legislativa poderá nos propiciar esta chance. Vai depender, muito, dos nomes escolhidos para os três postos – secretário e subsecretários.

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sábado, novembro 15, 2014

A reforma e a Cultura

A reforma e a Cultura


Na última quinta-feira, o governador Marconi Perillo assustou políticos, correligionários e alguns segmentos das atividades goianas com a proposta de reforma administrativa já aguardada com alguma ansiedade. Essa proposta, já protocolada na Assembléia Legislativa, reduz de 26 para apenas 10 as secretarias que constituem seu governo, aglutinando algumas atividades, de modo a racionalizar custos administrativos.

Essa é uma exigência que a sociedade brasileira faz ao governo da União, hoje formado de 39 ministérios e várias agências específicas. Recordo-me de, ao tempo de 12 a 15 ministérios, as Forças Armadas dividirem-se em três pastas distintas; criou-se um Ministério da Defesa e as três Armas caíram para o segundo escalão; a mudança apenas centrou em um ministro civil (e, convenhamos, os que até agora ocuparam o cargo valeram-se dele para se despontar na mídia; mas essas forças funcionaram sob seus respectivos comandos).

Aqui, numa reforma de 16 anos atrás, a Secretaria da Segurança Pública absorveu os comandos-gerais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, além da Polícia Civil que era, até então, a única grande instituição sob a SSP. Esta, agora, absorve a que cuidava dos presídios.

Dentre as 10 pastas remanescentes, cinco ficarão intocáveis: Governo, Planejamento, Casa Civil, Fazenda e Saúde. A Educação saiu fortalecida, acolhendo as de Cultura e de Esportes. Certamente, estes dois seguimentos serão dirigidos por subsecretários.

O que muda? Menos gastos em gabinetes; menos pessoas nas reuniões de secretários – salvo quando o governador convocar reuniões em que haverá de pormenorizar avaliações e novos rumos – ou cobranças. O andamento da máquina, creio eu, dar-se-á no mesmo tom e talvez até com mais eficácia; não há muito tempo, alguns procedimentos burocratizaram excessivamente na medida em que um secretário se empenhava em destacar-se a qualquer custo. E que custo!...

Por outro lado, o enxugamento da grandiosa mesa de reuniões refletirá, além da contenção de custos administrativos, em menor influência partidária na máquina de gestão. Vejamos: a estrutura federal, com tantos ministros, presidentes de agências e gestores intermediários como os presidentes de estatais e seus vice-presidentes, num universo bastante ampliado, resultou, por exemplo, no que a chamada Operação Lava-Jato da Polícia Federal mostrou na manhã da sexta-feira, dia 14/11: a prisão de 18 pessoas, entre presidentes de empreiteiras e dirigentes da Petrobrás e de subsidiárias – as razões já são por demais sabidas.

Bem, vou resumir: a política cultural no nosso Estado só se deslanchou quando tivemos autonomia na gestão e pessoas certas na direção. Voltar à Educação, sem que o gestor de Cultura e o de Esportes tenham competência já comprovada é regredir. Mas o equipamento físico e imaterial de ambos os segmentos são indícios de que o governo pretende continuar acertando – como temos visto no já citado segmento da Segurança Pública.

A política cultural – um segmento do qual entendo um pouquinho – continuará seu caminho, sem dúvida. Quanto à qualidade dos feitos, isso cabe a nós, artistas e intelectuais criadores de cultura.

Acredito nos propósitos e na seriedade de Marconi Perillo. E sei que todos nós, produtores culturais, estaremos atentos às ações da pasta da Cultura – autônoma ou “dentro” da Educação. E ressalto mais: no tempo em que a Cultura (dentro da Pasta da Educação) não se desenvolvia era porque os secretários eram médicos ou advogados, e como tais professores eventuais; hoje, se tivermos um secretário que seja de fato educador, a Cultura anda e o Esporte também. Educadores sabem o valor dos esportes e das práticas culturais na formação do cidadão.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, novembro 08, 2014

Vergonha alheia

Vergonha alheia



Lá pelos idos de 1964, um dos milicos multi-estrelados que ocuparam o pódio teria dito, repetindo de alguém mais antigo: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. Sim. Há quem a atribua ao terceiro presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, e também a outros estadistas de menor vulto daquele país, mas o verso ecoou por alguns espaços enevoados daquele abril.

Recordo que os defensores do golpe justificavam com essa frase, tida naqueles dias como se fosse do tal brigadeiro, mas alguém da imprensa cuidou de desqualificar o autor (sei lá o que aconteceu com tal jornalista). Sei mesmo é que a arrogância dos que se sentiam vitoriosos ao pronunciar a frase, com o indisfarçável propósito de justificar as prisões, os IPM e as torturas, durou pouco; os opositores imbuíram-se dela e passaram a conclamar consciência. Sei que esse foi um dos berços da resistência: a vigilância ininterrupta para resgatar a liberdade.

Mais recentemente, ouvi no rádio que ao colherem-se os louros numa outra revolução (1917, na Rússia), alguém indagou aos líderes sobre a liberdade ao povo, e a isso Stálin teria respondido com outra pergunta: “Liberdade para quê?”.

Desde a queda do muro de Berlim, os conceitos de esquerda e direita perderam o sentido no mundo. Caso ainda existam, é nas mentes de uns poucos, mas muito arraigadamente nas dos radicais de dois extremos que buscam preservar condutas e preceitos de antes. Esses dois extremos agem de modo a justificar como “em defesa do povo” as medidas contraditórias que a presidente reeleita tomou nestas primeiras duas semanas; o lado oposto, radical na mesma intensidade, tenta emplacar um movimento pelo impeachment da eleita (com base em quê, ora! Fez-se o jogo, dentro das regras; o resultado se deu rapidamente e não se o discute, fim de papo!).

Nas redes sociais, o clamor do ódio continua. De ambas as partes. São frases e apelos de provocações irracionais, raivosos, capazes de propiciar conflitos físicos em massa. Nos diálogos, há sempre os que propõem (alguns até exigem) a harmonia, a volta à paz, ainda que com o contraditório – tudo isso é do jogo democrático – mas há sempre os que transportam para este campo as atitudes das chamadas “torcidas organizadas”. Pessoas incapazes de exercer a conversa, a conferência, a conciliação das idéias.

E na mídia, o triste! Entende-se, a grosso modo, que profissionais da imprensa sejam pessoas melhor informadas e capazes de se expressar com desenvoltura. Mas a estes há políticos, alguns até parlamentares, da ala de apoio ao governo pregando a volta da censura, mascarada sob um eufemismo qualquer, tema esse que ressurge todas as vezes em que se noticiam irregularidades que envolvem o governo ou seus partidos de sustentação.

E do outro lado, alguns profissionais fazem o jogo miúdo dos radicais. Para bons ouvintes, frases e conceitos de Diogo Mainardi e Arnaldo Jabor enojam.  O primeiro, que abnega a pátria e vive longe, não corta o cordão; em seu ofício de ridículo oficial regiamente pago, procura sempre denegrir o país e a nação; agora, xingando os nordestinos que, em massa, preferiram Dilma a Aécio – dentre as boçalidade proferidas, chamou-os de bovinos (muitos nordestinos, em revide, associaram-no a outro animal com chifres).

Arnaldo Jabor difere pouco do burguesinho ítalo-ianque, mas desqualificou os eleitores do PT, tirando o foco centrado no Nordeste, mas estendendo-o até a “ignorantes intelectualizados”, certamente se referindo aos professores e artistas que se mobilizaram pró-Dilma.

Envergonho-me por eles...


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sexta-feira, outubro 31, 2014

Pela paz, sob o bom senso


Agora, cedo espaço ao texto magistral de Ianá do Prado Garcia deixo aos meus leitores a incumbência de avaliá-la! O meu juízo, já o fiz.




Pela paz, sob o bom senso


Vai ser grande, sou prolixa!

Sim, eu votei na Dilma. Não, eu não recebo bolsa família. Sim, eu participei das manifestações e continuo querendo mudança. Não, eu não acredito que essa mudança viria com a vitória de Aécio Neves. Sim, eu acho que a alternância de poder é algo saudável. Mas não, eu não quis entregar o poder nas mãos de Aécio Neves. Sim, eu sou a favor da democracia. Não, eu não sou socialista/comunista e nem petista. Eu simplesmente li, me informei e escolhi quem eu achei que seria mais adequado no atual contexto.

Acho que essa eleição foi realmente histórica. É bonito ver as pessoas participando e querendo participar. Mas infelizmente falta informação, interesse em adquirir informação e educação. Política não é como futebol que você escolhe um time por paixão e defende ele mesmo quando é rebaixado. E xinga o coleguinha que torce para o adversário. Na política é permitido ser "vira-folha", desde que use os critérios certos para isso. Na política se analisa bom desempenho, dentre outras várias questões.

Ao contrário do que tenho lido, o fato de eu ter votado na Dilma não me impede de exigir melhorias. Muito pelo contrário. É o meu dever. É o dever de todo mundo. Não tem absolutamente nada a ver "votou, agora aceita". Claro que não. Muita coisa precisa ser feita. MUITA. E temos - todos - que continuar cobrando mudança independente do candidato eleito.

A mudança que eu desejo é muito mais profunda do que "foraPT". A mudança que eu desejo é interna, é em cada brasileiro. Mudança de hábitos, mudança de cultura, mudança de ideologia. Pensar coletivamente. Enxergar o próximo como seu semelhante. E essas eleições mostraram que independente do candidato eleito, nada tinha mudado.

Ouvi pessoas dizendo que deveriam "separar o Nordeste do Brasil". Sim, eu cheguei a ler isso. Na cabeça dessas pessoas o Nordeste já não faz parte do Brasil, né? E pergunto a essas pessoas: o que te faz pensar que sua situação te coloca em uma posição privilegiada? O que te faz pensar que seu voto/opinião vale mais? E o que te faz pensar se uma pessoa não pensa como você, ela só pode ser burra?

Eu não sou do Nordeste. E eu estudei a minha vida toda. E li bastante para escolher em quem votaria. Como eu disse, eu não estou satisfeita com a situação do meu país. Mas eu não me iludo a ponto de achar que algum candidato nos salvaria do monstro da corrupção. Ainda mais um candidato que coleciona escândalos em seu nome. Acho que o maior erro está aí.


Em 2002 estavam tão insatisfeitos com o FHC/PSDB que elegeram o Lula/PT. Foi o voto de protesto. Depositaram nele toda a esperança de que o Brasil apagaria os 502 anos de história suja, de um povo corrupto e mudaria. Assim, em 4 anos de governo. Reelegeram o Lula. Elegeram a Dilma. E agora, novamente insatisfeitos, acreditando que toda a sujeira e a corrupção é culpa do PT, queriam eleger o candidato que prometia o milagre de derrotar o monstro da corrupção. O candidato que pertence a um partido famoso por censurar a imprensa e calar a oposição e engavetar CPIs. Vimos isso aqui em Goiás.


Votei na Dilma porque ao contrário do que dizem, ditadura, pra mim, é não ter voz. É não ter oposição. E um povo que xinga a Presidente de "jumenta", "anta", que a vaia em um evento do porte da Copa do Mundo dizer que vive uma ditadura? Não, não sabemos o que é ditadura.

Que venha a mudança. Que sejamos a mudança. Que cobremos de nós mesmos da mesma forma que cobramos do outro. E que continuemos cobrando dos outros.

Paz!

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“Cirurgias” na paisagem urbana

“Cirurgias” na paisagem urbana

Um dos meus propósitos  de escrita é despertar
discussões e buscar mudanças. Em 11 de janeiro
 de 2001,  o DM publicou esta minha crônica. 

Só se valoriza a casa estando-se fora. Não há cama mais macia, comida melhor temperada, ambiente mais aconchegante que no tal de lar-doce-lar. É um sentimento que nos assola se fazemos uma viagenzinha de poucos dias aqui por perto e, com muito mais intensidade, quando a distância acentua o valor das nossas preferências. Aí, a saudade não é só de casa, é também da cidade, com suas ruas de flores e sua gente do jeito que a gente conhece. Até o cheiro das ruas é diferente e lembrar o da nossa terrinha sugere intimidade.
Sou dos que juntam velhos papéis, velhas fotografias. Certa vez, lá pelo final da década de 1980, encontrei numa banca de jornais nas proximidades da Praça do Bandeirante, esquecidas, duas reproduções fotográficas da mesma Praça. Por aquela ocasião, os anos 80, a estátua do Anhangüera já estava integrada à ilhota central da Avenida Goiás, por iniciativa de Índio Artiaga. Mas as fotos, sem dúvida, remontavam aos anos do governo de Mauro Borges (1961-64): a estátua ocupava um círculo central, na confluência das duas grandes avenidas e, no chão de asfalto, a frase ufanista daquela gestão de muitas novidades: “Vamos criar a Dispetrolgo”. Minas criara a Petrominas, Goiás podia, então, ter também a sua distribuidora de derivados de petróleo. Afinal, o governo de MB havia criado Ipasgo, Secretaria de Planejamento, Iquego, Metago, Idago, Imbago, e muitas outras coisas terminados em GO, para o exercício da nossa patriotada cerradina...
Outra foto significativa é em preto e branco. Copiei-a no laboratório fotográfico de um dos jornais em que me orgulhava de ser repórter (acho que a Folha de Goiás, que se escrevia Goiaz). É uma panorâmica da Praça Cívica, tomada, parece, do alto do relógio da Goiás, nas proximidades da Rua 1. Guardo-a na página 856 da Revista Oeste, edição de outubro de 1944, onde está publicada. Ou seja, é uma foto de 46 anos atrás e, tendo o coreto em primeiro plano, mostra bem no centro o obelisco que a administração municipal permitiu, por volta de 1966 ou 67, ser substituído, a pedido do Rotary Clube, pelas estátuas que simbolizam as três raças.
Foi o ponto de partida. Em seguida, tanto agrediram a Avenida Goiás que seu canteiro sofreu inúmeras mudanças, até chegar à fórmula que outra administração, em 1976, impôs aos goianienses, desrespeitando a paisagem original da cidade de Pedro Ludovico e desenhando, com pedras portuguesas, o logotipo do supermercado Serve-Lar, de propriedade do então prefeito (o mesmo que redesenhou os canteiros centrais da Praça Cívica, também desfigurando a paisagem original da cidade).
De agressão em agressão, os amigos do primeiro prefeito mutilador acabaram por desfigurar a Avenida Anhangüera em toda a sua extensão, torrando uma fortuna advinda da malfadada venda da Cachoeira Dourada.
Espera-se, agora, que o bom senso seja recrudescido para que se corrija um erro de quase 40 anos: transfiram-se os “negrões” da Praça Cívica para a Praça do Trabalhador e restaure-se o obelisco central da Praça Cívica. Como o fez Hélio Mauro com o coreto da mesma Praça Cívica e o cruzeiro de pedra da Praça da Cruzeiro, igualmente mutilados em 1971-72.

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