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sexta-feira, outubro 31, 2014

“Cirurgias” na paisagem urbana

“Cirurgias” na paisagem urbana

Um dos meus propósitos  de escrita é despertar
discussões e buscar mudanças. Em 11 de janeiro
 de 2001,  o DM publicou esta minha crônica. 

Só se valoriza a casa estando-se fora. Não há cama mais macia, comida melhor temperada, ambiente mais aconchegante que no tal de lar-doce-lar. É um sentimento que nos assola se fazemos uma viagenzinha de poucos dias aqui por perto e, com muito mais intensidade, quando a distância acentua o valor das nossas preferências. Aí, a saudade não é só de casa, é também da cidade, com suas ruas de flores e sua gente do jeito que a gente conhece. Até o cheiro das ruas é diferente e lembrar o da nossa terrinha sugere intimidade.
Sou dos que juntam velhos papéis, velhas fotografias. Certa vez, lá pelo final da década de 1980, encontrei numa banca de jornais nas proximidades da Praça do Bandeirante, esquecidas, duas reproduções fotográficas da mesma Praça. Por aquela ocasião, os anos 80, a estátua do Anhangüera já estava integrada à ilhota central da Avenida Goiás, por iniciativa de Índio Artiaga. Mas as fotos, sem dúvida, remontavam aos anos do governo de Mauro Borges (1961-64): a estátua ocupava um círculo central, na confluência das duas grandes avenidas e, no chão de asfalto, a frase ufanista daquela gestão de muitas novidades: “Vamos criar a Dispetrolgo”. Minas criara a Petrominas, Goiás podia, então, ter também a sua distribuidora de derivados de petróleo. Afinal, o governo de MB havia criado Ipasgo, Secretaria de Planejamento, Iquego, Metago, Idago, Imbago, e muitas outras coisas terminados em GO, para o exercício da nossa patriotada cerradina...
Outra foto significativa é em preto e branco. Copiei-a no laboratório fotográfico de um dos jornais em que me orgulhava de ser repórter (acho que a Folha de Goiás, que se escrevia Goiaz). É uma panorâmica da Praça Cívica, tomada, parece, do alto do relógio da Goiás, nas proximidades da Rua 1. Guardo-a na página 856 da Revista Oeste, edição de outubro de 1944, onde está publicada. Ou seja, é uma foto de 46 anos atrás e, tendo o coreto em primeiro plano, mostra bem no centro o obelisco que a administração municipal permitiu, por volta de 1966 ou 67, ser substituído, a pedido do Rotary Clube, pelas estátuas que simbolizam as três raças.
Foi o ponto de partida. Em seguida, tanto agrediram a Avenida Goiás que seu canteiro sofreu inúmeras mudanças, até chegar à fórmula que outra administração, em 1976, impôs aos goianienses, desrespeitando a paisagem original da cidade de Pedro Ludovico e desenhando, com pedras portuguesas, o logotipo do supermercado Serve-Lar, de propriedade do então prefeito (o mesmo que redesenhou os canteiros centrais da Praça Cívica, também desfigurando a paisagem original da cidade).
De agressão em agressão, os amigos do primeiro prefeito mutilador acabaram por desfigurar a Avenida Anhangüera em toda a sua extensão, torrando uma fortuna advinda da malfadada venda da Cachoeira Dourada.
Espera-se, agora, que o bom senso seja recrudescido para que se corrija um erro de quase 40 anos: transfiram-se os “negrões” da Praça Cívica para a Praça do Trabalhador e restaure-se o obelisco central da Praça Cívica. Como o fez Hélio Mauro com o coreto da mesma Praça Cívica e o cruzeiro de pedra da Praça da Cruzeiro, igualmente mutilados em 1971-72.

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