Páginas

sexta-feira, fevereiro 17, 2023

Avenida Iris Rezende, a Leste-Oeste...


Avenida Iris Rezende,

a Leste-Oeste...

 

Ontem, quinta-feira, 16 de fevereiro, o escritor PX Silveira, sempre atento aos fatos da historiografia de Goiás, divulgou artigo excelente sobre a persistente, dispendiosa e inútil questão sobre a troca do nome de uma das mais importantes avenidas da capital, a Castelo Branco, pelo do memorável líder Iris Rezende Machado, falecido há pouco mais de um ano, dez meses após transmitir, pela última vez, um cargo eletivo – o de prefeito de Goiânia, pela quarta vez. 

O confrade, numa apreciação incontestável, avaliou assim: https://www.aredacao.com.br/artigos/182545/iris-rezende-e-o-rolo-compressor-das-homenagensExcelente a análise do autor sobre esse affaire, fruto de práticas errôneas e viciosas. Dar o nome de Iris a um viaduto foi um tanto aquém do mérito; e foi patético o projeto de, no Senado Federal, propor o nome dele para o Aeroporto Santa Genoveva, em total desalinho com a história, posto que ao doar terras para a construção do novo Aeroporto de Goiânia, na década de 1950, o benemérito Altamiro de Moura Pacheco fez constar na escritura, como cláusula irrevogável, o nome com que homenageava sua genitora.

No enfoque do escritor e historiador, apoio-o com meu desencanto ante o desalinho de 35 vereadores, que buscam forçar situações para trocar o nome da Avenida Castelo Branco, nome esse absorvido ao longo de quase meio século. E desde o falecimento de Iris venho observando, calado, um grave esquecimento: quando governador em seu primeiro mandato, eleito na retomada das eleições diretas para os governos estaduais (1982), Iris tirou os trilhos da Estrada de Ferro Goiás (RFFSA) da área urbana de Goiânia, fixando o fim da linha no então distrito de Senador Canedo; e anunciou, na ocasião, que o trecho ocupado pelos trilhos férreos daria lugar a uma grande avenida, uma artéria pública a unir a ponta dos trilhos a Trindade, atravessando Goiânia no sentido Leste-Oeste.

Essa é, para mim, a legítima homenagem: Avenida Iris Rezende Machado. Assim, dignifica-se o homem público que foi vereador e presidente da Câmara, deputado e presidente da Alego, prefeito (cassado em 1969), governador (após a Anistia), ministro de Estado da Agricultura, outra vez governador, senador, ministro de Estado da Justiça e, rejeitado nas urnas no âmbito do Estado – por conta, como se tem por evidente, do rejuvenescimento do eleitorado e o sumiço dos líderes amigos pelo interior afora – e, desde 2004, três vezes eleito prefeito da capital. 

Iris e sua mulher Iris

Eleito, por último, em 2016, recusou-se taxativamente a lutar por mais um mandato em 2020. Transmitiu o cargo em 1° de janeiro de 2021 e faleceu no dia 9 de novembro do mesmo ano, em São Paulo.

A teimosia dos edis goianienses em impor seu nome à avenida Castelo Branco é algo que nos desperta a hoje decantada vergonha alheia, tantos são as opções disponíveis. Curiosamente, ninguém aventou trocar o nome de alguma via cujo titular de hoje já não seja por demais homenageado.

Goiás tem mania de repetir homenagens à exaustão – sem contar as homenagens que dignificam figuras questionáveis pelo conjunto de sua obra em vida. Dentre os homenageados com justiça e louvor, gosto sempre de citar o nosso primeiro prefeito, professor Venerando de Freitas, que criticava tais repetições. Dizia ele: “Ainda estou vivo e quero continuar assim por um bom tempo; mas já sou nome de três avenidas em Goiânia”.

Sob tais sinais, cumprimento PX Silveira pela lucidez de seu texto e faço votos de que, decidindo-se a Câmara Municipal por dignificar a grande avenida Leste-Oeste com a homenagem ao admirável líder, não repita o nome a tantos outros logradouros.

 

*  *  *


Luiz de Aquino é membro da  Academia Goiana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.

sexta-feira, fevereiro 03, 2023

Glória para sempre...

 


Glória,
para sempre

 

Depois de um dia de eleições nas Mesas das duas Casas do Congresso Nacional, o menor mês do ano só começou no seu segundo dia, sob grandes impactos nacionais: somente nada menos que três grandes referências ocorreram na Polícia Federal, com depoimentos do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, do senador Do Val e do delegado de carreira da própria PF Anderson Torres, último ministro da Justiça de Jair Messias Bolsonaro e secretário, por apenas quatro dias, da Segurança Pública do Distrito Federal.

O primeiro “pediu” para ser interrogado ao declarar que “na casa de todo mundo” (no restrito universo dos áulicos e auxiliares de Bolsonaro) havia uma “minuta do golpe”; perante as autoridades designadas para colher suas declarações, ele “metaforizou” tentando esclarecer: disse que “era apenas uma metáfora”. Abro parênteses: os gramáticos, os lexicógrafos, os críticos literários, os professores em salas de aulas e os escritores e redatores em geral debruçam-se, agora, sobre os conceitos das figuras literárias, de estilo e de linguagem, buscando novos conceitos para “narrativa” e “metáfora”, que se tornaram modais nas “narrativas” dos políticos e, por desdobramento, dos profissionais de comunicação. Fecho.

A agenda do dia, porém, foi alterada, subitamente, nas primeiras horas da manhã, com a notícia da morte de Glória Maria, a pioneira repórter da televisão brasileira, criadora de um padrão de trabalho novo e surpreendente, desde o início de suas ações, ainda como estagiária, na TV Globo do Rio de Janeiro. Uma cara nova, uma voz nova, um jeito novo de se apresentar ante as câmeras, dando ao telespectador a sensação de “estar ali”, ao vivo, vendo e compreendendo tudo...

Era a quebra de hábitos que marcaram, na época, os canais de notícias: tanto nos textos dos jornais e revistas quanto no modus operandi dos repórteres e apresentadores, exigia-se que textos escritos e falas em rádios e tevês fossem “padronizados”, o que sempre chamei de “pasteurização dos textos” (por extensão, da postura dos colegas das mídias vocal e visual). Glória Maria quebrou aquilo, impondo, espontânea e natural, o seu “modo de ser”, que logo caiu no gosto do consumidor.

O que agradada o consumidor cai bem nas preferências dos patrões. E foi o que vimos. Não tenho, pois, nada a acrescentar a tudo o que li, vi em vídeos, ouvi no rádio e vi no JN de ontem, 2 de fevereiro, num extenso e rico trabalho de reportagem a muitas cabeças e corpos, para recordar e informar ainda mais quem foi, até aquela manhã, a mulher mignon que se agigantava no ambiente de trabalho, contaminando de energia e otimismo os colegas e de embalsamento os sentimentos da clientela televisiva. Indiscutivelmente um ícone, ela abriu caminhos para:

1) a pessoa pobre buscando estágio (que logo se fez emprego registrado e uma longa carreira de sucessos diários);
2) a pessoa preta a cursar universidade e fazer carreira sem desvio de função;
3) a mulher trabalhadora, especialmente em atividades de nível superior;
4) a definição do ofício do repórter de tevê;
5) a mulher preta;
6) o enfrentamento à misoginia, ao preconceito de raça e cor, à cultura do subemprego para os "menos favorecidos" e à afirmação do conceito de que o preto, a mulher, o pobre, o favelado – enfim, o que não tem "quem indique" (o famoso QI) – é tão ou mais capaz do que o favorecido pelo sobrenome, pela conta bancária do pai, pelo prestígio da família, por fatores como os olhos e a pele claros possa realizar.

Nos últimos 50 anos, ela é uma das mais expressivas "caras da Globo" – se não a mais dentre todas. Vai-se com a comoção nacional, como o foram Garrincha, Vinícius, Elis Regina, Clara Nunes, Nara Leão, Tom Jobim, Aldir Blanc, Elza Soares, Jô Soares, Gal e Boldrin, Pelé...

Nossa!... São tantos os que nos deixaram assim!... Restam-nos a esperança e a fé na essência de outros valores, dentre, principalmente, os moços de agora. Estamos reconstruindo o Brasil, preparando a nação em suas altas qualidades nas ciências – campo em que os valores não atingem o gosto das massas populares – quanto nos esportes, nas artes, nos ofícios das mídias. Vivemos, nos últimos dez anos, instantes políticos conturbados que resultaram em quatro anos de estagnação e retrocesso nos processos de continuidade positiva, tendo como pano de fundo um gênero musical que não contribui com o refinamento das sensibilidades nem com o senso crítico. É hora, pois, de retomarmos o antigo caminho, o rumo do horizonte de luz e estímulo à crença de que, sim, podemos fazer melhor.

 

* * *

Luiz de Aquino, jornalista,
aprendiz menor.