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sexta-feira, fevereiro 03, 2023

Glória para sempre...

 


Glória,
para sempre

 

Depois de um dia de eleições nas Mesas das duas Casas do Congresso Nacional, o menor mês do ano só começou no seu segundo dia, sob grandes impactos nacionais: somente nada menos que três grandes referências ocorreram na Polícia Federal, com depoimentos do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, do senador Do Val e do delegado de carreira da própria PF Anderson Torres, último ministro da Justiça de Jair Messias Bolsonaro e secretário, por apenas quatro dias, da Segurança Pública do Distrito Federal.

O primeiro “pediu” para ser interrogado ao declarar que “na casa de todo mundo” (no restrito universo dos áulicos e auxiliares de Bolsonaro) havia uma “minuta do golpe”; perante as autoridades designadas para colher suas declarações, ele “metaforizou” tentando esclarecer: disse que “era apenas uma metáfora”. Abro parênteses: os gramáticos, os lexicógrafos, os críticos literários, os professores em salas de aulas e os escritores e redatores em geral debruçam-se, agora, sobre os conceitos das figuras literárias, de estilo e de linguagem, buscando novos conceitos para “narrativa” e “metáfora”, que se tornaram modais nas “narrativas” dos políticos e, por desdobramento, dos profissionais de comunicação. Fecho.

A agenda do dia, porém, foi alterada, subitamente, nas primeiras horas da manhã, com a notícia da morte de Glória Maria, a pioneira repórter da televisão brasileira, criadora de um padrão de trabalho novo e surpreendente, desde o início de suas ações, ainda como estagiária, na TV Globo do Rio de Janeiro. Uma cara nova, uma voz nova, um jeito novo de se apresentar ante as câmeras, dando ao telespectador a sensação de “estar ali”, ao vivo, vendo e compreendendo tudo...

Era a quebra de hábitos que marcaram, na época, os canais de notícias: tanto nos textos dos jornais e revistas quanto no modus operandi dos repórteres e apresentadores, exigia-se que textos escritos e falas em rádios e tevês fossem “padronizados”, o que sempre chamei de “pasteurização dos textos” (por extensão, da postura dos colegas das mídias vocal e visual). Glória Maria quebrou aquilo, impondo, espontânea e natural, o seu “modo de ser”, que logo caiu no gosto do consumidor.

O que agradada o consumidor cai bem nas preferências dos patrões. E foi o que vimos. Não tenho, pois, nada a acrescentar a tudo o que li, vi em vídeos, ouvi no rádio e vi no JN de ontem, 2 de fevereiro, num extenso e rico trabalho de reportagem a muitas cabeças e corpos, para recordar e informar ainda mais quem foi, até aquela manhã, a mulher mignon que se agigantava no ambiente de trabalho, contaminando de energia e otimismo os colegas e de embalsamento os sentimentos da clientela televisiva. Indiscutivelmente um ícone, ela abriu caminhos para:

1) a pessoa pobre buscando estágio (que logo se fez emprego registrado e uma longa carreira de sucessos diários);
2) a pessoa preta a cursar universidade e fazer carreira sem desvio de função;
3) a mulher trabalhadora, especialmente em atividades de nível superior;
4) a definição do ofício do repórter de tevê;
5) a mulher preta;
6) o enfrentamento à misoginia, ao preconceito de raça e cor, à cultura do subemprego para os "menos favorecidos" e à afirmação do conceito de que o preto, a mulher, o pobre, o favelado – enfim, o que não tem "quem indique" (o famoso QI) – é tão ou mais capaz do que o favorecido pelo sobrenome, pela conta bancária do pai, pelo prestígio da família, por fatores como os olhos e a pele claros possa realizar.

Nos últimos 50 anos, ela é uma das mais expressivas "caras da Globo" – se não a mais dentre todas. Vai-se com a comoção nacional, como o foram Garrincha, Vinícius, Elis Regina, Clara Nunes, Nara Leão, Tom Jobim, Aldir Blanc, Elza Soares, Jô Soares, Gal e Boldrin, Pelé...

Nossa!... São tantos os que nos deixaram assim!... Restam-nos a esperança e a fé na essência de outros valores, dentre, principalmente, os moços de agora. Estamos reconstruindo o Brasil, preparando a nação em suas altas qualidades nas ciências – campo em que os valores não atingem o gosto das massas populares – quanto nos esportes, nas artes, nos ofícios das mídias. Vivemos, nos últimos dez anos, instantes políticos conturbados que resultaram em quatro anos de estagnação e retrocesso nos processos de continuidade positiva, tendo como pano de fundo um gênero musical que não contribui com o refinamento das sensibilidades nem com o senso crítico. É hora, pois, de retomarmos o antigo caminho, o rumo do horizonte de luz e estímulo à crença de que, sim, podemos fazer melhor.

 

* * *

Luiz de Aquino, jornalista,
aprendiz menor.

13 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com você, mestre. Tempos melhores hão de vir.

Anônimo disse...

Suas crônicas estavam fazendo falta.

Parabéns pelas lindas palavras sobre Glória Maria - uma profissional da qual sentiremos saudades…

Fernando Quinta disse...

Voltou com força, mestre!!! Ótimo o artigo sobre a Glória Maria.

Luiz de Aquino disse...

ERRATA:
No início do quinto parágrafo, a palavra "agradada" tem uma sílaba a mais, o certo é "agrada". DECULPEM-ME!

Luiz Ubiratan Maia Cruz disse...

Parabéns, que bom! Voltar à ativa é importante.

Anônimo disse...

Prezado amigo e mestre.Feliz com seu retorno e que seja duradouro. Grande abraço.

Vânia Bávaro disse...

Você sempre encantando com palavras.
Obrigada pela homenagem a Glória Maria.
♥️🙏

Anônimo disse...

👏👏👏👏

Anônimo disse...

👏👏👏👏

Alice Prudente disse...

👏👏👏👏

Anônimo disse...

Belo texto!

Anônimo disse...

Sorte a nossa de termos um Luiz de Aquino nas nossas vidas,para expressar por nós o que nos vai na alma.

Kesia Leonardo disse...

Parabéns, a Glória Maria é tudo o que vc disse. Entretanto, sobretudo a Rede Globo, aproveitou a sua morte para desviar o foco sobre a minuta do golpe.
Kesia Leonardo