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segunda-feira, janeiro 30, 2012

Aos novos amigos


Aos novos amigos





Revendo os arquivos, encontrei esta crônica, escrita e publicada em outubro de 2001, alusiva ao lançamento de um novo livro. Não era uma  obra nova, mas uma juntada de seis livros de poemas publicados entre 1983 e 1996. Lancei-o em João Pessoa, em setembro de 2001, e cometi uma noite de autógrafos na sede da União Brasileira de Escritores, na Rua 29.

O tempo voa, a vida passa, as pessoas mudam. Há, aqui, alguns amigos que hão de perdurar em minha vida... Alguns destes mudaram tanto em seu modo de ser e de olhar para mim que... Ah, deixemos isso de lado!
Gostei demais de encontrar a crônica. Ei-la: 
Enfim, estou ficando calejado: embora a emoção de um novo livro seja como a de um novo filho, a experiência nos faz mais seguros – desta vez, ao lançar meu livro de número dez, não esqueci nenhum nome. Nem os dos novos amigos.

"Meus poemas do Século XX
Ora, direis, e porque os esquecia antes? Ah, responderei eu, era a emoção do momento, a ansiedade ante o novo, o medo de ver a obra não cair no agrado dos leitores... Tanta coisa, siô!

Este livro, Meus poemas do Século XX, não traz nada de novo. Ele foi feito a partir de umas cobranças que eu não poderia resgatar senão pelo caminho da reedição. E concluí que seria melhor reeditar todos os seis livros anteriores de poemas num só tomo (putz! Chegou-me agora a velha palavra... Há quantos anos não a ouço nem leio? Acho que nunca a pronunciei senão como primeira pessoa do verbo tomar).

Manuelito, meu colega de BEG e há tanto tempo desaparecido... A última vez que o vi foi subindo a Rua S-4 quando eu acabava de me mudar; era julho de 1994. Manuelito não conseguiu adquirir o De mãos dadas com a Lua, publicado em 1984, e eu fiquei lhe devendo um exemplar. D’outra feita, prometi meus livros ao poeta e professor Antônio Carlos Secchin, da UFRJ e da Biblioteca Nacional. E muitas vezes tive que dizer às pessoas que me procuravam que esse ou aquele livro estava esgotado.

Desde junho último, os poetas André Ricardo, Antônio Mariano e Lau Siqueira provocavam-me, via Internet, para visitá-los em João Pessoa; e poetas como Diraci e Zezé Limeira fizeram coro. Daqui, Fausto Rodrigues Valle estimulava-me: “Luiz, vale a pena ir a João Pessoa; aqueles poetas são maravilhosos não só versejando, mas nas suas respectivas essências de pessoas...”. Bem, eu conhecera Lau Siqueira em São Paulo, após vários meses de contato, pois, como eu, ele também já era internauta. Só que eu não queria ir de mão abanando.

Vai daí, Coelho Vaz me convidou a integrar mais uma empreitada das Edições  Consrociadas UBE/Kelps. Juntei meus seis livros, pedi ao Sinésio que os revisasse e saiu este volume, tal como o idealizei, com capa e acabamento visual do talentoso Carlos Sena.

A festa de lançamento, que fiz na noite de 22 de outubro, segunda-feira, foi uma homenagem ao qüinquagésimo sétimo aniversário de casamento dos meus pais; só que, por estar doente, Dona Lilita não veio; o Véi Raé chegou trazido pelo meu irmão Ângelo e seus filhos Israelzinho e Francesco. Mais Nilson e Jorge Braga, Eleusa, Luís F. Valadares, Miguel, Valdivino, Marcelo Heleno, Leda, Malu, Fausto, Moema, Dênia, o reitor Queiroz, o presidente Zé Fernandes (faltou o presidente Eurico, deve ter tido algum compromisso), Aguinaldo Caiado (Chaul teve compromisso, Laila também) e Mara e Doró...


Mas não é desses amigos velhos que me propus a falar.. Aí, e para minha alegria, vi chegarem as poetas Nieda (acho que ela prefere poetisa) e Valquice, novas ubeanas; e mais a poeta Valquíria Coimbra, o poeta José Mendes Neto (perfeccionista na construção de belíssimos sonetos) e Ina e Marilda, mais Helen Nice e Márcio Veiga... Jorge Oliveira veio de São Paulo, abrindo a chance de nos conhecermos feito gente e não apenas como micreiros em rede. Agora, o livrinho que reúne seis em um está apto a cumprir sua missão de substituir lacunas. Mas é imprescindível lembrar a noite de 6 de setembro, em João Pessoa – mas isso será assunto para daqui a pouco.

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domingo, janeiro 22, 2012

Herói por dar ordens


Herói por dar ordens


Nos últimos anos, estes do primeiro século do milênio, tornaram-se comuns as notícias de grandes desastres. O automóvel, a motocicleta e o avião vieram para facilitar a vida, mas somaram-se aos conflitos da ganância humana e às transformações dos conceitos. Os desastres de trânsito e a queda das máquinas voadoras passaram também a ceifar vidas e a deixar seqüelas graves. O homem, que supomos ser  o único animal a ter consciência da morte, ampliou os motivos das várias mitologias. Preces e amuletos jamais deixaram de ter sua importância na ansiosa busca da paz, da segurança, das benesses dos deuses e dos santos.

Nestes anos de comunicação instantânea, com milhares de satélites artificiais a possibilitar a transferência de sons e imagens entre todos os pontos possíveis da superfície da Terra – e ainda entre todos os objetos voadores, no espaço da nossa atmosfera e até mesmo nas longínquas estações espaciais e naves-sondas que bisbilhotam outros corpos celestes –continuamos a usar objetos cujo magnetismo nos sugere sorte; e continuamos a recitar orações, sejam as que nos chegam de milênios ou as improvisadas. Para alcançar a sorte e a paz – a salvação, segundo muitos – continuamos a cantar e dançar.

Os desastres continuam: geleiras desaparecem porque desapareceram matas; ar irrespirável, contaminados por venenos que geramos para, paradoxalmente, “facilitar a vida”; alimentos contaminados por drogas que usamos para obter frutos, folhas e tubérculos maiores e mais vistosos; carnes comprometidas pelo abuso de hormônios nos animais da cadeia alimentar...  E velhos desastres, que por tempos pareceram esquecidos, assustam a humanidade. Aos ataques e atentados sangrentos juntam-se as ondas gigantes, os terremotos e os vulcanismos, os túneis e cavernas que desabam, os navios que adernam e afundam... E corremos para as preces e cânticos.

O susto desta semana veio do Mediterrâneo. Um transatlântico italiano cujo capitão, inebriado pelos encantos de uma jovem e bela moça, exótica e – talvez – personificando uma decantada sereia dos tempos das rudimentares navegações exploratórias, agiu como um moto-boy. Tentou fazer com que aquele navio, transportando mais de quatro mil pessoas – algo comparável a grande parte da população das cidades brasileiras –, ziguezagueasse entre ilhas costeiras da histórica Itália.

O que o enfeitiçou? O charme da moça loira? O vinho de boa origem itálica? Com que pó o chefe de cozinha temperou a massa? O orégano estava vencido ou a manjerona veio contaminada de agrotóxicos? Como capitão de um imponente navio turístico, certamente sabia das obrigações milenares de seu posto – e ainda assim abandonou seu barco. E o comandante da guarda costeira local, no rigor de seu ofício, determinou-lhe o retorno ao navio, com autoridade e energia. Só por isso, esse comandante passou a ser chamado de herói. Estranhamente, subitamente herói só por ter dado uma ordem óbvia – nivelado, pois, a um italiano cinco séculos mais velho – Cristóvão Colombo.

Nada de herói, apenas um profissional, um marinheiro, um militar cioso de suas responsabilidades. Mas perdoemos o povo italiano, que assim o classificou: em tempos de Berlusconi, aquela gente precisa, e muito, de um herói. Mas, por favor! Nada de entrar no conceito do apresentador de tevê que assim se refere a um bando de desocupados cuja causa nada tem de nobre.


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sábado, janeiro 14, 2012

O Rio e a saudade



O Rio e a saudade


Rio, meu Rio dos anos 50 e 60, antes do ônibus elétrico e do golpe militar! Aquele é o meu Rio de Janeiro, rio de gente e de almas felizes, alegres e plenas apesar da Corte Lusa, apesar do Império e da República nova que hoje dizemos velha. É o Rio da Cidade Nova na beira do Mangue, mais tarde puteiro e, mais recente, catedral do samba de escolas.

Rio capital, não a do Catete, e sim o Rio de um Itamarati nacional, sede nacional para apenas dois presidentes, os marechais das Alagoas; o palácio era o Itamarati escrito com desinência nacional (em Brasília, internacionalizaram o Paço das relações externas, com um ridículo e estranho, insosso e esquelético ípsilon de mãos para o alto, é um assalto; suprimam o i, aqui é o FMI!).

Rio Guanabara baía, herdeiro capital da velha Salvador doutra Bahia, rio de Brasil inteiro que a fez na migração carente dos que perseguiam sonhos: Rio de Norte e Nordeste, Brasil Centro-Oeste, oriental ou meridional que ao Rio afluía feito afluentes, vertentes humanas a povoar Copa, Ipanema e ermo Leblon; povos brasilis a mesclar brancos e índios em morros de negros egressos do cativeiro, matrizes de sambas e crônicas – ah, as crônicas! Machado e Lima e João do Rio a desaguar em Sérgio Ponte Preta e Rubem (s), Conny e Ruy Castro et cetera, et cetera...

Saindo para o colégio (1958)
Ah, eu, que me fiz escriba de fraldas em farda azul e bege do Pedro II Colégio da São Francisco Xavier... Sob as bênçãos da Tijuca bairro e pico, floresta e barra, fiz-me poeta pequeno e triste, saudoso de bondes e quebra-queixos, cuscus de baiana à porta da escola.

Noel reinara na Vila, Cartola na Mangueira, Candeia era rei na Portela e tantos mais em tantos Rios de janeiro ao Natal. Mas era no tempo dos anos dourados: quase homem, mas imberbe, senti a alma da cidade em versos de sol e de sal criados na areia das praias e em bares da orla Ipanema sob acordes de Tom: era Vinícius, o de Morais.

Lapa: Capital nacional da boemia...
Ele, o poeta, pariu a alma do Rio e do tempo de então, essa alma molhada e limpa, de azul e calor em versos de luz e harmonia que ainda ecoam aos nossos sentidos como gotas de uma chuva amena e fresca.

Rio que era a alvura na Esplanada do Castelo e o corredor de finanças na Avenida Rio Branco; Rio é a boêmia na Lapa, a pressa na Presidente Vargas e as greves ingênuas contra o aumento de tarifas dos bondes. Rio é a lembrança dos churrasquinhos de cotia no Campo de Santana, o sarro consentido nos trens superlotados (ah! Que saudade do riso maroto das garotas dizendo “faz isso não”, enquanto os olhos traduziam que sim).

E a Praça Mauá, do Cais do Porto e da Rádio Nacional! Boêmios sambistas poetas de rua, putas solenes ou vulgares, as luzes, a rodoviária antiga, a polícia em duplas de Cosme e Damião.


Rio dos anos verdes em Marechal Hermes,. Parque de diversões no campo de futebol defronte à Fábrica Nacional de Vagões, o campo do União Esporte Clube, que deu lugar ao imponente Botafogo; o Ginásio José Acioli, a Escola Técnica Mauá, o Campo dos Afonsos e os quartéis da Vila Militar. Coreto do lado oposto à minha Rua João Vicente (saudade do sobrado 1.495, esquina com a João Soledade). Velhas limousines-lotação até Madureira, Teatro Zaquia Jorge, a que morreu na Barra e fez o povo cantar no carnaval de 1957: “Madureira chorou / Madureira chorou de dor / quando a voz do destino / obedecendo ao Divino / a sua estrela chamou...”.

Era o Rio do jogo-do-bicho, contravenção reprimida à luz do dia, tolerada e compartilhada à noite. Tevê em preto e branco, novelas de rádio, futebol de várzea e festa no Maracanã em dia de Fla-FLu. Era o Rio antes das drogas e de Brizola versus Globo, de meninos emergentes garotos fanfarrões.

Ah, saudade!...

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Nada de mais, leitores queridos! Pincei esta crônica nos meus guardados, ela é de março de 2005. Republico-a só porque... porque... Ora, porque me deu saudades do Rio, uai!

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Lembrando Anatole Ramos






Anatole Ramos, em foto colhida na Internet

Lembrando 
Anatole Ramos




Daqui a poucos dias, festejarei um jubileu de prata. Há alguns anos tenho me dado ao luxo de festejar coisas assim: aniversários marcantes. É prêmio divino da longevidade que, ainda incipiente, anuncia-se para mim. Morrer, só se for por acaso. Vamos ao texto:


Acabei de ler teus Poemas Selecionados e “diria de ti (trecho de um dos poemas) que és o poeta do amor nas madrugadas. Deus te conserve, para mais poemas nos dares desse amor que anda tão raro e dessas madrugadas que andam tão desertas, porque essa é a hora em que os bandidos trabalham e os assaltantes cavam o seu dinheirinho. Por falar nisso, como consegues atravessar as “horas neutras da madrugada”, como dizia Rubem Braga, incólume? Tens, por acaso, acordo com os marginais ou ficas invisível?
Você revive, em seus poemas, o velho tema e não consegue ser chato nem demodê. Com isso consegue provar que sempre haverá uma forma nova de se dizer coisas antigas de maneira agradável, gostosa de se ler. Tem muito  poeta por aí que tem medo de fazer isso, para não sofrer críticas de vanguardeiros de araque, cabotinos copiadores de – no meu modo de ver as coisas – vigaristas da literatura, que abrem caminho  a cotoveladas e outras audaciosas manobras.
“Nosso bosque sem mais vida”deveria ser lido em todas as escolas, em aulas de fundo cívico, para fazer a meninada pensar e se formar na ideia de respeito ecológico.
Tenho certeza de que teus versos serão apreciados muito pelos novos leitores que conquistares. E vais conquistar muitos, especialmente leitoras.
Um abraço do ... (e a data: 17/02/87).



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Semanas antes, entreguei ao mestre Anatole Ramos um punhado de poemas – alguns  inéditos, outros divulgados em livros e jornais. Pretendia publicá-los numa brochura que integraria coletânea de uma editora gaúcha. A ideia foi de um jovem poeta dos pampas, Antônio Ioris, cujo pai era, na ocasião, produtor de soja no Sudoeste Goiano. O título, viu-se acima, seria “Poemas Selecionados”. Anatole, no pedestal de sua ampla experiência, adivinhou que, além da impecável revisão, eu queria dele um prefácio – para mim, o modo de inserir o amigo na festa que sempre é um livro: ele seria o convidado especial.

Ao entregar-me a folha datilografada, ele riu: 

- Usei dois tratamentos só para incomodar os chatos. 

Esse livro não saiu. O poema “Nosso bosque sem mais vida”, destacado por ele, fora publicado no jornal O Estado de Goiás, onde  marquei presença como repórter e articulista, tendo por patrão o saudoso Nelson Raphaldini e por editor o amigo querido, poeta inspirado e profissional competente Valdivino Braz.

Parênteses. Certamente, Anatole Ramos diria de Valdivino Braz o mesmo que falou de mim com relação a um comportamento honesto na produção literária; é que Valdivino e eu, entre uns raros outros, já naquela época éramos alvos das pedras da inveja, disparadas contra nós justamente pelos tais “vanguardeiros de araque” ou “vigaristas da literatura, que abrem caminho  a cotoveladas e outras audaciosas manobras”.

Mês que vem, esse texto completa 25 anos. Vale dizer que, naquelas décadas de 1960, 70 e 80, raríssimos escribas goianos deixaram de contar com os conselhos e orientações do Mestre Anatole, um dos mais legítimos intelectuais que esta terra de Leodegária de Jesus e José  J. Veiga conheceu. Os que não tiveram um prefácio escrito por ele foram agraciados com suas crônicas impecáveis.

Se Goiânia fosse uma cidade reconhecida e grata aos seus valores humanos, Anatole certamente seria patrono de uma rua, praça ou escola, especialmente no Bairro Feliz, logradouro que ele dividiu com a também inesquecível poeta Yeda Schmaltz – outra a quem a municipalidade deve uma honraria (aliás, os débitos são incontáveis, apesar da história ainda incipiente da cidade).

Somente agora publico este texto, festejando, com as minhas amigas filhas e netas do meu padrinho literário, a lembrança que não deixamos morrer.


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