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quinta-feira, janeiro 25, 2007

“Tom é a trilha sonora do eterno”








“Tom é a trilha sonora do eterno”


Minha amiga Andrea Augusto, poeta carioca, envia-me belíssimo texto seu falando de Tom, nesta quinta janeiro 25, aniversário de São Paulo e de um certo Antônio Carlos Brasileiro de Almeida, que era também Jobim. Tom Jobim. Maestro e poeta, amante do sol e das matas, do mar e dos céus. Andrea começa sua crônica-homenagem adivinhando o que a quase unanimidade dos jornalistas, em rádios e tevês, revistas e jornais, colocariam como frase inicial de suas matérias-homenagens:

− Hoje, 99,99% das matérias sobre Tom Jobim começam assim: "Se fosse vivo, Tom completaria 80 anos..." Sinceramente? Não conheço ninguém mais vivo do que ele.

É verdade. Verdadíssima (se Leda(ê) Selma me permitir esse neologismo)! O homem que deu à bossa-nova a definição teórico-musical que compositores e cantantes buscavam, autor de letras poeticamente perfeitas e grande embaixador das belas coisas brasis “lá-fora”, a ponto de cutucar de modo denso a sensibilidade de Frank Sinatra... Esse Tom era muito mais Brasileiro que qualquer censor de todos os tempos. E ainda que não fosse o gênio que a unanimidade dos bons ouvintes de música reconhece, teria sido bom só por desfrutar das amizades que colecionou. Era o grupo da fina flor dos sensíveis e criadores brasileiros ao longo da conturbada segunda metade do Século XX.

E não falo só por Garota de Ipanema, por Desafinado e Águas de Março, não... Falo de Passarim, Samba do Avião, Wave, Só Tinha de Ser com Você, Eu Sei que Vou te Amar, Ela É Carioca, Chega de Saudade, Corcovado... Ah! Não dá... É tanta coisa linda, bonita de se ouvir e de se ver! É que as músicas de Tom, com letras de Vinícius de Morais ou dele próprio, ou de seja lá quem for, levam-nos a imagens altamente definidas em formas e cor. Wave, para mim, não é apenas uma “onda”, mas um crescendo que me sugere um avião em escapada do solo rumo ao céu de alturas e firmeza (não conheço nada mais seguro que um avião no ar).

Sim, querida Andrea Augusto, poeta e musa, Tom está vivo; apenas não produziu mais nenhuma obra-prima (melodia, letra, poema ou frase... Sim, ele era um excelente fazedor de frases lindas, como aquele inigualável conceito social: “O brasileiro só será feliz quando toda a população se mudar para Ipanema”. Que achado de bom humor!). Mas, responda-me: com tudo o que dele ganhamos, precisava mais?

Enquanto isso, divirto-me com as falsetas da mídia. As rádios brasileiras de hoje não citam mais os autores de músicas, alegam que o tempo do rádio é muito curto, etc. e tal. E, tanto nelas quanto nas tevês, vemos excrescências agressivas à língua e aos ouvidos, como má dicção, pronúncias erradas e erros insuperáveis de gramática básica: já não se fazem radialistas como antigamente. Vejo Tom e Elis cantando Águas de Março no Fantástico de 1970 e tantos e choca-me a imagem de um entrevistado a mascar alguma coisa (não era balinha nem goma de mascar; fazia um barulho desagradável) num programa ao vivo.

Nunca vi Tom, o maestro impecável, em má imagem ou em más maneiras na tevê. Ele se postava, em público, na mesma dimensão de sua arte, tal como tantos. E os “alguns”, expressiva minoria que marca pelo mau gosto, devia se pautar naquilo que pode, à primeira vista, parecer previsível, mas que se reveste de um previsível coerente.

Que o Brasil produza, ainda, muitos artistas para serem lembrados em boas lembranças. Que sejam lembrados tal como Tom, que a poeta Andrea Augusto define assim:

Tom é a trilha sonora do eterno.

sábado, janeiro 20, 2007

“Ainda somos os mesmos”...


“Ainda somos os mesmos”...

Brasil, 19 de janeiro. Saudade de Elis a cantar Belchior.

Muito já se falou e escreveu sobre os sonhos e planos de Ano-Novo. E muito também se questiona sobre a sensação de novidade que toma conta das pessoas ao virar da folhinha. “Folhinha” era como chamávamos, há anos, o calendário, em alusão direta à folha (ou às folhas) de papel que designam o ano, o mês, o dia. Já a palavra “calendário” deriva de “calendarium” que, por sua vez, tem origem em “calare” (convocar) e “calenda” (primeiro dia de cada mês).

A gente sempre se enfeitiça com o novo. Ao acordar, e especialmente se o acordar coincidir com o nascer do sol, sentimos essa sensação do novo ante o novo dia. Penso que o Ano-Novo nos traz a mesma sensação, daí o balanço das nossas ações, feitos e perdas do período que se encerra e a renovação de esperanças, os planos para a nova fase e um desejo quase premonitório de que tudo vai dar certo.

O conjunto de fenômenos naturais, no final de 2006, conturbou, e muito, a vida do povo do mundo. Furacões, terremotos, vulcões e outras coisas das intempéries atormentaram nossas vidas, mas continuamos renovando esperanças. Cheias de rios, mares revoltos, incêndios em florestas, acidentes aéreos, rodovias interrompidas ou danificadas a ponto de se tornarem intransitáveis... Tudo isso fez parte de um quotidiano triste nas últimas semanas. Supus que o ponto máximo fora o derrame de lama desde Miraí (“meu pequenino Miraí”, cantou Ataulfo Alves), em Minas, até Campos, no Estado do Rio, mas não: estava por vir a triste cratera urbana em obras do metrô de São Paulo. A cena de um caminhão caindo naquele imenso buraco foi dolorosa: nem a mais caprichosa técnica de efeitos especiais do cinema conseguiu, até hoje, um efeito parecido. Aquilo doeu fundo.

E vieram as reportagens, às centenas, a nos dar conta das fraquezas e das competências do Ser Humano, o “bicho sapiens” que, justamente por ser dotado de inteligência e capacidade de desobediência, tantas maravilhas constrói. Mas, também, tanta bobagem comete em nome do aprendizado e das descobertas. Aquele escorregar de areia e lama, buraco abaixo, causa em nós a ansiedade mórbida que prenuncia a morte de pessoas heróicas e dedicadas, como técnicos e operários da construção da via subterrânea, bem como de policiais e bombeiros em operação de resgate.

Heróis! Palavra mágica, vulgarizada por profissionais afoitos em metaforizar a qualquer custo. Vejo repórteres e apresentadores dizendo “heróis” sobre atletas vitoriosos, como se a não-vitória significasse frustração ou desastre. Até os cérebros nitidamente menores de exibicionistas em xous de “realismo virtual” (expressão de neologismo para designar bisbilhotice como se fosse arte) são chamados de heróis. E aí, no meio das chuvas, das enxurradas, das pontes caídas e das rodovias desmoronadas, de moradias destruídas e de um desespero que nos faz impotentes, vejo um repórter digno do nome a entrevistar militares bombeiros em ações de resgate. E o primeiro soldado responde, sem rodeios: “Herói? Isso é coisa de história em quadrinho”; o outro complementa: “Não sou herói, sou um homem preparado para o trabalho que vem a ser a minha missão”; e, ainda, um terceiro: “Se salvar alguém considero que realizei o meu trabalho”.

E aí, à falta de alguém mais a quem chamar de herói, uma equipe de jornalistas de tevê decide designar duas heroínas: as cadelas de um quartel de bombeiros que, treinadas para farejar seres humanos, farejam para encontrar vítimas soterradas. E, é claro, isso vem da terra cujos moradores modificam tanto as palavras que passam a chamar “poça” de “pôça” e muda o som da palavra “extra” para “éstra”.

E, assim, a semântica acontece...

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Bailarina



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Corpo no ar, esguio e sólido
ciente de tudo o que lhe é de direito
e suave.

Corpo cuidado e saudável, ornado de vestes.
Base de concretas e delicadas
sapatilhas.

Cabeça dotada,
isenta de dores e trauma,
apta ao domínio do espaço.

Ágil, leva o corpo ao ritmo
e às magias da trilha melódica
e faz das artes casamento
íntegro, impecável, perfeito!

Por momentos eternos
o baile acontece,
e tudo em volta se envolve
de encanto e leveza.

Os dias, as horas,
tudo o que vem depois e como foi antes,
volta à rotina, conduz a menina à dor do real.
É preciso sobreviver.

Mas para viver, há que ser arte!




(Do livro "Sarau" - Edição do Autor, Goiânia, 2003)

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Minas, Brasil e coisas gerais

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“Com a chave na mão / quer abrir a porta, / não existe porta; / quer morrer no mar, / mas o mar secou; / quer ir para Minas, / Minas não há mais. / José, e agora?” Carlos Drummond de Andrade



Conheci o Rio de Janeiro tão-logo o presidente Juscelino Kubitscheck anunciou que cumpriria a Constituição, transferindo a Capital Federal para o Planalto de Goiás. Desde então, descobri que ser carioca não é apenas nascer na Cidade Maravilhosa, mas investir-se de seu estilo, absorver seu espírito libertário. Ou libertino (conforme o momento ou as circunstâncias).

Note-se que grandes cariocas não nasceram lá: Nelson Rodrigues, Dorival Caymmi, Barão de Itararé, João Saldanha.... E muitos são de Minas: Otto Lara Resende, Carlos Drummond, Antônio Olinto, Ataulfo Alves, Ari Barroso... Diz-se, hoje, que o governador Aécio Neves é um carioca voluntário, tal é o amor que ele dedica ao Rio. Sempre achei que a cidade do Rio não devia ser capital do Estado; isso caberia a Niterói, que, citada hoje apenas como “cidade da Grande Rio”, não perde a antiga majestade.

Mas não é o Rio que quero louvar, hoje, e, sim, Minas. E Minas não são só as minas. Minas é o cerrado do Norte e do Triângulo, as araucárias e os cafezais do sul e a zona da mata, de espírito carioca. Minas são muito mais Gerais que apenas minas. Berço de notáveis: de Tiradentes a JK, de Felipe dos Santos a Tancredo, sem esquecer minha mãe, Dona Lilita (Conquista, MG), e um bisavô paterno, José Florentino Alves (Bom Despacho, MG).

Minas é recheada de adventícios, como a poeta e professora Cláudia Pereira, do Rio de Janeiro, agora em Ouro Preto, e Camila Diniz, paulista, editora do Suplemento Literário. Minas de agora passa por Dênia Diniz, Tida Carvalho, Márcia Piramo, Wilmar Silva, José Aloise Bahia, Luiz Edmundo, Tânia Diniz... Gente de livros e poesia, irmãos no ofício do verso e da prosa lírica.

Mas há os moços. Neto (José Alves), que por lá nasceu e veio crescer comendo pequi em Itapuranga; de volta a BH, é jornalista e cartunista, estudante dedicado à paixão de Líbero Badaró e Samuel Wainer. Neto me acolheu hóspede, coisa de amigo tolerante: não é fácil, para o moço mal entrado na casa dos vinte anos, suportar um recém sexagenário maníaco e ranzinza (acho que isso é pleonasmo).

E, igualmente perfeccionista no ofício da comunicação, Ariadne Lima, outra jovem na casa dos vinte. Foi ela quem, em contato com José Aloise e Wilmar Silva, possibilitou-me participar do projeto “Terças Poéticas”, que resultou, um ano depois, de uma rica antologia: “Terças poéticas – Jardins Internos”. Mas se foi esse um gesto de amizade, tal como o de Neto, destaco nessa moça o talento jornalístico, pois ser jornalista não é, apenas, repetir feito papagaio coisas havidas, mas filtrar os fatos e construir a notícia com o que a língua nos oferece de simples e belo.

Ariadne o faz nas letras notícias e em contos e versos diversos. Neto, também dedicado ao texto, enriquece-o com seu desenho peculiar. São, ambos, nomes do futuro de Minas. De Ariadne, dedicada jornalista na Fundação de Amparo à Pesquisa (do governo do Estado), enfatizo a matéria sobre o pequi, que é alvo de seriíssima pesquisa na Universidade de Montes Claros. A matéria está no número 27 (setembro a novembro de 2006) da revista “Minas faz ciência” (http://revista.fapemig.br/materia.php?id=313).

E aí, se eu já gostava de Minas por seu passado, traduzido nos nomes que citei nos primeiros parágrafos, aposto em Minas do futuro. E esse futuro, claro, passa por esses dois jovens jornalistas. Orgulho-me de ambos!

domingo, janeiro 07, 2007

Rés do chão, ao olhar

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O táxi, a chuva, madrugada,
o tempo, pessoas e a vontade.
Havia um quê de estranho.

É sempre assim a vez primeira,
um estar insistente e tenso
– tensão, tesão e medo.

Hormônios em êxtase e ávidos,
peles e pêlos ostensivos, nus.
Bocas sedentas, secas, quentes.

A noite anda, e aviva a chuva.
Há o ar de espera e ansiedade...
A mão diz adeus, a boca assente.

A pele, não; espera. E acerta
um dia além, futuro e breve:
o mérito é mútuo.

Chiado de rodas no asfalto,
longe e líneo. Olhar frustrado
e baixo: é linha de terra.

sábado, janeiro 06, 2007

Pretensão e má educação

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Ficou famosa, para o país e para a História, a resposta de Tancredo Neves, após sua eleição para o Governo de Minas Gerais, em 1982, a um de seus correligionários, ansioso por integrar a equipe, e no primeiro escalão. O homem seguia o noticiário, mas seu nome não aparecia como possível secretário ou equivalente. Às vésperas da angústia, o homem telefonou para Tancredo: “Governador, meus amigos me telefonam, outros me interpelam na rua, querem saber se vou ou não fazer parte de sua equipe; o que respondo, governador?”. E o folclórico Tancredo não titubeou: “Ora, diga-lhe que eu o convidei, mas você recusou”.

A ansiedade da população (ao menos da parcela consciente da população) é natural: todos querem saber quem dirá regras em cada segmento organizado do governo, e as especulações, nessa ocasião em torno da posse e da formação do secretariado, às vezes extrapola uma outra, a da maior paixão das massas. Refiro-me ao nome ideal (?) para técnico da Seleção Brasileira de Futebol.

Estranhamente, não se vê, nos noticiários, uma corrida a pastas estratégicas, como Fazenda, Educação, Saúde, Planejamento... Talvez essas Secretarias, por suas essências altamente técnicas, não despertem o interesse dos que buscam sinecuras. São os do “terceiro turno”: pessoas que não se manifestaram durante o governo anterior, nem durante a campanha em seus dois turnos, mas surgiram após os resultados como “velhos amigos” ou “admiradores incondicionais” do novo inquilino da Casa Verde.

Alcides Rodrigues não oculta que dará seguimento aos programas de seu governo anterior. Sim: vice-governador de Marconi Perillo nos dois mandatos, governador desde abril do ano passado e, agora, reeleito, não pretende, obviamente, modificar profundamente seus planos. A grande mudança, anunciada no segundo dia de governo, são as mudanças drásticas na área econômica. Sua equipe será alvo de mudanças à medida que se fizerem necessárias algumas adequações ou remanejamentos ocasionais.

Mas, e isso também é estranho, há um movimento nervoso e intenso de alguns renomados intelectuais, pretendentes da Presidência da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico. Por oito anos, Nasr Chaul deu conta, sem falhas de monta, da missão que lhe confiaram Marconi e Alcides. Três grandes programas sacudiram o meio cultural do Estado ( O FICA, o TeNpo e o Canto da Primavera), com repercussão além-divisas e além-fronteiras, tanto quanto além-mar.

Alguns desses pretendentes chegam às raias do ridículo. Em momento algum o governador Alcides Rodrigues pôs o cargo em concurso; em momento algum ele demonstrou interesse em realizar mudanças drásticas em sua equipe; e, ainda, em momento algum ele convidou interessados e encaminharem currículos ou (pior!) abaixo-assinados.

Houve, mesmo, reunião de “líderes” (dirigentes de entidades culturais), na qual os idealizadores da tal reunião ofereceram seus nomes para, num manifesto ao governador, serem indicados para a Presidência da Agepel. Esqueceram-se de perguntar, antes, se o cargo estava vago.

Ora, nomear é um ato da exclusiva vontade do governador. Substituir o titular de qualquer Secretaria ou Agência, também. Por outro lado, oferecer-se sem ter sido convidado é, no mínimo, um ato de arrogância de tais pretendentes, vez que se consideram melhores do que o atual ocupante.

Quanto aos signatários de tais abaixo-assinados, manifestos ou seja lá qual for o nome que se tenha dado a tais expedientes, é preciso que eles, também, repensem suas atitudes, sob o risco de serem tomados, igualmente, como pretensiosos, ou petulantes.

E, de resto, é bom lembrar que tais pessoas (os pretendentes ao posto) já tiveram, sim, chances de mostrar competência. E nada fizeram que mereça destaque.