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terça-feira, junho 02, 2009

Três poetas em conluio

Três poetas em conluio

 Luiz de Aquino

 

         Abstenho-me de contar quotidiano, de analisar fatos e façanhas. Hoje, resumo meu texto a um poema decorrente, produto da leitura de dois poemas, dois poetas. E aqui vão as nossas vozes, a começar pela professora e poetisa Sílvia Neves, de Porangatu, Goiás:

 

         Silêncio

 

No silêncio da cidade pacata

Aguça-se a percepção

Da melodia da existência

Contrapondo-se à essência

 

 

Na noite não se ouve ruídos

Enquanto o corpo descansa

A mente grita a ausência

Do barulho cotidiano:

 

 

O disse-me-disse

Da injustiça muda

Do desejo reprimido

Do suor expelido

 

 

Da doença que abrasa

Do desempregado sem casa

Do idoso que chora

Do visitante que vai embora

 

 

Do homem sem dentes

Da dama cega ardente

Do cavalheiro surdo

Da boiada no sol quente


 

 

Do som do berrante

O cansaço do estradeiro

Do mendigo errante

E a labuta do boiadeiro

 

 

Da moça que namora

Um amor que aflora

Com rapaz anda de bonde

No jogo do esconde- esconde

 

 

Da mulher que trabalha

No varal roupas anis

A animação do cachorro

Meio ao canto dos bem-te-vis

 

 

Do zunzunzum do mosquito

Um bando de periquitos aflora

Um despertar pelo canto do galo

No frescor da afetuosa aurora

 

 

No silêncio

A vida prossegue

Numa luta sem voz

Suave..

Atroz...

 

 

E aí vem Brasigóis Felício, poeta em tempo integral, analítico em profundidade das coisas humanas, incluindo-se a múltipla alma do poeta Pessoa...

 

       O ESTEVES DA TABACARIA

 

Queria ser como

o Esteves da tabacaria

- sem poesia

e sem metafísica. Não como

Fernando Pessoa, o poeta,

que lá ia comprar

o seu fumo e a sua palha.

 

Olharia a pedra

e veria a pedra

e não uma forma imóvel

do rosto de Deus.

 

Se eu não fosse tão cheio

de certezas, tão carregado

de livros e medos,

seria simples e humilde,

como os que renunciaram

à vitória e à derrota.

 

Sabendo que a verdade

é uma terra sem caminhos,

seria tão silencioso

como as folhas na relva,

ou a solidão da neve

ou tão vasto como as aves

que não precisam de escadas

para voar na amplidão do céu.

 

Passaria a vida entregue

à minha desimportância

a fumar minha cigarrilha

na calçada do nada,

dando bons dias aos passantes

sem me sentir consumido

pelas moendas do tempo.

 

Passaria pelos dias

sem lamentar a passagem

da vida que viria

se tudo não tivesse dado em nada

como tudo dá, quando tudo acaba.

 

Seria um ser

tão sem destino

que todos os caminhos

levariam a quem Eu Sou.

 

Passaria pelos outros

mortos vivos como eu

indiferente ao vazio em que vivem

sem ter que cumprimentar os vizinhos

por mero protocolo

de civilizado aparente.

 

Não seria tão irônico e sibilino

como um cão filosófico

a vagir teorias pós-tudo

como animal raivoso a rosnar

em defesa de seu osso.

 

Se eu não fosse tão cheio

de certezas, tão carregado

de livros e medos,

seria simples e humilde,

como os que renunciaram

à vitória e à derrota.

 

 

Sabendo que a verdade

é uma terra sem caminhos,

seria tão silencioso

como as folhas na relva,

ou a solidão da neve

ou tão vasto como as aves

que não precisam de escadas

para voar na amplidão do céu.

 

 

 

Abelhudo, cheguei com a minha colher-de-pau...

        

Meu canto à Silvia

 

Os versos de Sílvia silvam

no silêncio dos meus tímpanos

vetustos (por isso, cansados).

 

Os versos de Sílvia

têm cores de madressilvas

e rostos comuns de pessoas

sonantes, suadas, silentes.

 

Verseja a mestre-mestra

de letras e formas de artepalavra

e desperta olhar de analista

do poeta em brasa

que não dorme, nem é cinza.

 

Cinza é a cor da minha cabeça,

cabeça armazém de ecos

em meses repetidos tantas vezes, somatório

de dores e de flores, que não se é poeta

impunemente, nem esteio,

nem dormente.

 

Meu nariz não aceita, minhas vias

de ares e aromas não suportam. Por isso, abro mão

do Esteves e da cigarrilha, beijo Pessoa, abraço

a brasa do poetamigo sulgoiano e elevo

salvas à Silvia, a nevar no cerrado

nortegoiás.



 

Um beijo, L.deA. (Sílvia, permita-me sempre a revisão).

 

 

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras (poetaluizdeaquino@gmail.com). 

7 comentários:

Brasigóis Felício disse...

Poeta-amigo Luiz de Aquino: bela crônica, em que você tece um diálogo entre vozes poéticas, juntando três poetas amigos entre si - a Silvia é uma criatura adorável, poeta-professora de todas as horas. E você, com sua crônica, demonstra que a poesia, como a Irene Preta de Manuel Bandeira, não precisa pedir licença para chegar no espaço de Cronos. Evoé!

Deputada Cilene Guimarães Escritorio Virtual disse...

Parabéns pelo seu blog Poeta!!!

Juliana Valin disse...

Luiz, Bom dia!

Tudo bem???

- Só para registrar que adoro sua crônicas e poesias.

Abraços,

Juliana Valin

Melissa Linhares Frankust disse...

Só um grande poeta completaria um conluio com tamanha maestria. Alegro-me por lê-los sempre e digo que muito tenho aprendido com suas rimas, deliciado-me com seus versos e entregando-me aos seus poemas e crônicas.São três figuras que muito admiro.
Namastê.

Marluci Costa disse...

Lindo esse encontro de poemas! Que venham muitos outros. E que em cada um deles um novo poema aconteça, para nosso deleite.

Sílvia Neves disse...

Prezados amigos Brasigóis e Luiz....

Bom diaaaaaaaaa com a aura brilhante e o ventinho frio do Vale do Araguaia.......

Estou aqui no Vale do Araguaia terminando a orientação de algumas pesquisas e ontem ministrei uma aula on line (usando data-show e net) iniciando-a com a crônica - Três Poetas em Conluio. Eu já havia avisado aos alunos sobre a crônica, mas a surpresa foi geral. Eles não acreditavam que Brasigóis e Luiz se preocupariam com um cotidiano tão singelo. Expliquei para eles que o olhar dos poetas independe de requinte ou simplicidade e que vocês realmente atribuíram um enorme valor ao poema, ao cotidiano e também às pessoas do local...Exemplifiquei isso usando todos os poemas e os trechos de cada um provando que o valor real existia. Disse que eles poderiam entrar em contato com vocês e dialogar a respeito da crônica, solicitar poemas, crônicas e que vocês teriam muito bom gosto em enviar algo para eles por e-mail......Abri o blog e disse: Escrevam o que vocês perceberam ou o que desejarem falar para eles!!!... Ninguém escreveu. Disseram que vão ler algumas vezes e escrever depois.

OBS.: Os acadêmicos os vêem como celebridades que estão no topo da pirâmide... algo quase intocável....E todos são professoras... Como faço para mudar um pouco essa visão deles???


Abraços aos dois...
Sílvia Neves

Luiz de Aquino disse...

Silvia,

Muito obrigado!

Olha, o melhor caminho você já escolheu - levá-los a nos ler, é um modo de nos conhecer. De resto, é possibilitarmos sempre a proximidade, e nisso falo por mim e Brasígóis, pois temos, ambos, o mesmo patamar de postura mental e física ante a vida.

Luiz