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terça-feira, junho 30, 2009

Taleb viaja, o Gordo acena...

Taleb viaja, o Gordo acena...


Luiz de Aquino


Acabara de chegar a São Paulo, era noite fria, inverno, 1998. Daqui, de Goiânia, informei a Lúcia, amiga goianiense vivendo na Paulicéia, do horário e do hotel em que ficaria. Mal depositara a mala na mesinha, o telefone. Era ela. Contou-me do dia, triste e tenso, denso, o dia aquele, o mesmo dia em que assinara, ante o juiz, a separação (o marido apaixonara-se por uma menina de vinte e um anos, metade da idade dele).

Desliguei o telefone, colhi na mala a roupa para após o banho. Antes que abrisse o chuveiro, novamente o telefone. Uma voz forte, de homem, e brava, xingava-me de filhodaputa e acusava-me de “dar em cima” da mulher do dono da voz. Ex-dono, entendi eu, mas por experiência própria tentava entender as razões do homem brabo ao telefone. “Eu sei onde você está, seu corno, e vou aí te pegar”, dizia o tal, transferindo para mim a condição que, naquele momento, ele tinha de si. Eu discutia, um tanto vacilante, sabia que não diria nada para acalmar o cara nem o convenceria de nada. Pensava apenas em sair daquele hotel, já olhava em torno, sabia de outros bem próximos...

“Vou aí te pegar”, repetia a voz decidida. Resolvi ficar brabo também, tinha de ganhar tempo. Mas o valentão na outra ponta da linha resolveu concluir, e arrematou assim: “É o Jorge Taleb”. Só tive uma reação – chamá-lo de filhodaputa, no mesmo tom em que ouvi dele -. E caímos na risada. Eu não imaginava que o “turco” também conhecia a Lúcia.

Como se vê, éramos, os dois, confidentes da moça. Ela voltou a morar em Goiânia, mas poucos meses após tomou um chá de sumiço, e parece que foi definitivo. De todo esse entrevero, ficou para mim (e para o Jorge também) a alegria de uma brincadeira bem bolada. Desde aquele inverno de onze anos atrás, todas as vezes em que nos víamos a história vinha à tona e cometíamos novas risadas.

Na segunda-feira, anteontem, começo da tarde, ligou-me o Nilson Gomes. Deu-me conta da morte do Taleb, o velho amigo dos tempos de Don Quixote, “a esquina mais famosa de Goiânia”, no dizer do Luiz Augusto Pampinha. E foi o Pampinha o primeiro dos amigos, dos colegas jornalistas da velha-guarda goianiense, o primeiro que vi na Igreja de São Nicolau. Amigos muitos, colegas e políticos, e parentes. E ainda os indefectíveis “patrícios”, a fina-flor da sociedade árabe, segmento importante na formação social de Goiânia. Taleb despedia-se, silenciosamente, dos velhos camaradas, os que lhe causaram risos ou lhe foram fontes e parceiros nos comentários prévios de notícias e de temas de crônicas e artigos (feito eu, muitas vezes).

Não esperei o fim da missa. Demorei-me no adro da Igreja, despedindo-me de amigos (e saudando alguns que ainda chegavam). Senti que o nosso meio, este dos acima dos cinquent’anos, vai se empobrecendo no volume de nomes e corpos. Lá dentro, e antes da missa, olhei derradeiramente para o velho amigo, companheiro de mesa e de letras. Lembrei o Gordo da Praça (que tive o prazer de conhecer há poucos meses) e não o vi. Mas ao sair, dei-me com ele. Perguntei “e agora?”, ele apenas respondeu confirmando que saía das páginas do jornal.

Penso que não. O Gordo da Praça existe (Mary Anne não sabia, pensava ser apenas uma figura da imaginação de Taleb) e não precisa se ausentar, como homenagem ao amigo que fez dele uma lenda. Taleb, o autor de textos bons e belas análises, vai nos cobrar a presença do Gordo em alguns textos futuros.

A gente cuida, sim, meu Jorge, amigo velho! Hoje mesmo, vou brindar com café, numa prosa curta com o Gordo. Vai com Deus, Taleb!



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras (poetaluizdeaquino@gmail.com). 

7 comentários:

Sônia Marise Teixeira disse...

Oi! Uma bem humorada homenagem....meio irreverente, é verdade, mas se ajusta ao Taleb que foi também meu amigo e meu colega na CELG. Nós trocávamos figurinhas, textos para revisar, muitos papos...Eu gostava dele.Vi-o pela última vez num velório ou missa de sétimo dia, sei lá....

Antônio Americano disse...

Caro Luiz,
Belíssima crônica. Não tiver oportunidade de conhecer o Jorge Taleb pessoalmente, uma grande perda.
A propósito, no final do primeiro parágrafo há uma troca de letras, nada que empane o brilho da sua crônica.(METADA).
Infelizmente, na nossa idade as noticias que vamos receber dos velhos amigos é só essa: sabe que o fulano faleceu?
Hoje tenho medo de perguntar pelos amigos que há muito não vejo, com medo de receber essa resposta.
Abraços
Americano

Efigênia Coutinho disse...

Luiz de Aquino, é sempre gratificante ler você, pois consegues reinventar a própria vida, dentro das cenas de suas crônicas.

Venha conhecer:

O MELHOR BOLO DE CHOCOLATE DO MUNDO...

Efigênia Coutinho
Escritora

marcia disse...

Nesta crônica tão bem desenhada a despedida, apenas como uma simples leitora, posso dizer que me encantei . Parabéns

Luciana Pessanha disse...

Meu amigo Luiz, seus textos são sempre surpreendentes, agradáveis. Gosto muito do seu trato com as palavras, elas ficam dóceis, macias, moldadas pela sua habilidade. Grata por habitar este espaço conosco, amigo!
Forte abraço

Maria José Lindgren Alves disse...

Triste, mas belo texto. Gostei muitíssimo.
Maria

Eliana f.v. - Li Andorinha disse...

Parabéns pelo lindo e emocionante texto Luiz de Aquino!
Com tuas palavras nos conduz com suavidade...
Juntou alegria, saudades, e principalmente o carinho da amizade verdadeira!
Agradeço feliz por te ler
Abraço mais carinho admirados
da Eliana