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quarta-feira, junho 17, 2009

Ônus de saber





Ônus de saber


Luiz de Aquino

A poucos meses de completar sessenta e quatro anos, registro a marca de seis décadas de letras: no início, ante a insistência de Dona Vanda, professora, e de Dona Lilita, minha mãe; depois, motivado por uma curiosidade quase mórbida. Todos os dias, aprendo um pouquinho mais. A renda desse investimento é tamanha que os fiscais de tributos não sabem mensurar.

Creio que também os políticos, tão ocupados com seus nobres afazeres, não pensaram, ainda, em subtrair-nos mais impostos, sob um novo título. Se pensaram nisso, vão repassar aos que acumulam informações e experiência os custos de... Digamos, dos auxílios moradias, das “ajudas de paletó” ou do “vale-moça” (que custou até mesmo a presidência do Senado a um deles).


Ah, sim! Eu não queria falar, mas falei. O Senado! Já ouvi de um político que por lá viveu oito anos, a dita “Câmara Alta” é o paraíso, o céu! São oito anos de mandato contínuo, todas as mordomias possíveis etc. e outros etc. Aos poucos, a gente foi conhecendo alguns itens do paraíso, desde a maçã até a Eva.

Mas eu comecei querendo contar dos estudantes que nos procuram (os antigos profissionais... Ia escrevendo “velho”, mas criaram um preconceito burro contra a palavra, então me chamo de antigo). Tornamo-nos repositórios de informações várias para esses jovens que, hoje, são ávidos de conhecimentos. Eles não se satisfazem com nossos livros e matérias de jornais, querem saber exatamente das coisas que não contamos. Atendo-os com rara felicidade, porque com os moços se aprende mais.


Nos últimos dez anos, atendi um sem-número de estudantes, desde meninos do Fundamental, adolescentes do Ensino Médio, jovens de graduação, de especialização e os solenes mestrandos e doutorandos. Respondo-lhes os questionários, verbais ou escritos; gravo com eles em som ou em som e imagem e, sempre, presenteio-os com algum livro meu, escolhendo sempre o que lhes seja afim. Mas dou meu preço: para a vaidade da minha velhice (agora, sim, escrevi), peço sempre uma cópia de seus trabalhos. Alguns se esquecem, infelizmente (para mim).


Há poucos dias eu me queixava a uma moça, do curso de Jornalismo, desse esquecimento de alguns meninos e moços. Ela, de um modo um tanto distorcido (eufemismo: foi mesmo mal-educada), disse-me que “odeia” isso de o entrevistado pedir cópia, e que nesse sentido tem a aquiescência de seu professor. Duvidei: conheço o professor, é um homem de excelente formação jornalística, artística e de educador; um homem distinto, pois. “Se deu (a entrevista) foi porque quis”, disse-me a moça grosseira. Estranho... Em três meses, ouvi grosserias de três moças, as duas outras com nítido preconceito de idade. Estarão os moços mais cuidadosos no trato com os mais velhos?


Deixemos em paz a moça mal-educada. Se ela vir mesmo a ser jornalista, não lerei o que escrever, nem a verei na tevê. E se ela se descambar para a política, não votarei nela. Poderá vir a ser presidente do Senado, rica e oligarca, dona de incontáveis imóveis e, ainda assim, receber auxílio-moradia.


A propósito, gostaria de mandar um recado. Ao presidente José Sarney, sim. Acreditei sinceramente quando ele disse não saber que havia em seu contracheque o auxílio-moradia. Sarney ganha tanto que aquela verbinha não lhe faz diferença. Seria como três reais a mais no meu contracheque. Assim, e imaginando que Sarney vive muito bem, e viverá sem incômodos se acatar meu conselho, sugiro-lhe que doe o total dos seus proventos de senador-presidente às academias de letras das unidades federativas em que é príncipe.

E mais não digo.



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

9 comentários:

Vanderleia disse...

Muito bem feito pra essa moça mal-educada! Deveria sim era sentir-se honrada em ter seu trabalho lido por alguém tão capacitado para o fazê-lo....mesmo assim não pude deixar de rir por causa de sua birra....
Beijos!

Leida Gomes disse...

Oi, Luiz,

Primeiramente, quero dizer a você da minha grande satisfação de poder voltar a ler os seus ótimos e deliciosos escritos, pois, eles nos dão mais saber e também lazer, reflexão e alegrias com suas "velhas veias" que passam do romantico para o real, critico, humorístico e explosivo com grande maestria.

"Ônus de saber"? Ah Luiz, é uma pena, mas quem sabe paga um preço muito alto. A "Alta Câmara" é alatí$$ima, os políticos "trabalham" demais legislando para seus próprios bolsos$$$$. Os jovens estão sabendo tratar melhor os idosos? Bem, fatos e atos demonstram o que nós ja sabemos, pois os asilos têm vagas "sobrando". "Bolsas moça" e outras mais são necessárias para os que sabem menos e os que sabem demais (políticos). Sarney doar os provento$ dele para as acadêmias? Imagina se ele fará uma loucura dessa com seu "pobre" e muito "suado" dinheirinho! Afinal, ele entrou para a Acadêmia Brasileira de Letras foi logo de "Marimbondos de Fogo", rs,rs,rs...

Bem, é verdade que você deu as entrevistas porque quis, mas, as "jovens grosseiras e mal educadas" só procuram um velho escritor e jornalista porque elas precisam da sua experiência e seu saber cultural que elas não têm, pois, se tivesssem, procurariam um jovem de alguma de suas "tribos".

Luiz, parabéns, valeu, dei boas risadas com sua franqueza e pirraça, porém continue dando suas "cacetadas" de letras na "turma" porque o Brasil está precisando de jornalistas que falam a verdade, doa a quem doer... e com urgência!

Beijo,
Leida Gomes

Unknown disse...

Luiz de Aquino..

Não pude ficar séria durante a leitura de "Ônus do saber" ...Essa crônica está hilária!!(risos) Que maestria ao descrever as situações! Eu entendo que o pesquisador precisa fazer uma devolutiva (mostrar a pesquisa ao entrevistado, apresentá-la no local pesquisado, entre outras formas) porque o entrevistado contribuiu para que o estudante coletasse seus dados. Você tem razão! Nenhum professor orienta aluno de tal forma, nem aceita tamanhos impropérios...Pobre Sarney!!!(risos)

Boa noite e parabéns!!!

NECA disse...

A propósito de ser antigo ou velho, prefiro ser velha, mesmo. Antigo tem cheiro de mofo, é peça de museu. Todos querem viver muito, porém, ninguém quer envelhecer...que burrice! Prefiro os velhos, aos jovens. Os velhos são autênticos, não seguem estereótipos e paradigmas, apenas são! Pois sequer se preocupam mais com que os outros pensam sobre suas pessoas, mas se preocupam muito em serem eles próprios e isto é a excelência da vida!
Parabéns, meu velho amigo(ou amigo velho?!). Beijo! Neca

Mara Narciso disse...

Luiz,
Será que os jovens pensam que nós, em nossa burrice advinda da decrepitude, não percebemos o quanto alguns são grosseiros em seu preconceito? A esses dou sempre o velho (outra vez o mesmo adjetivo) conselho: morram agora, pois senão envelhecerão. Quanto aos políticos, melhor os considerar mortos, e fingir que não mais levantarão. Com o nosso esquecimento e sem mandato, serão de fato finados e finalmente nos deixarão em paz.
Bom dia!
Abraço, Mara

Keyser Soze disse...

A velhice, a antiguidade, a idade avançada, que seria de nós jovens sem os nossos velhose vice-versa, pois os jovens tem muito a ensinar talvez menos do que a aprender, mas esta troca de energia é fundamental, mas para isto é preciso driblar a soberba e se deixar exercitar a humildade. Parabéns pela crônica

Hugo

Keyser Soze disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Keyser Soze disse...

A velhice, a antiguidade, a idade avançada, que seria de nós jovens sem os nossos velhose vice-versa, pois os jovens tem muito a ensinar talvez menos do que a aprender, mas esta troca de energia é fundamental, mas para isto é preciso driblar a soberba e se deixar exercitar a humildade. Parabéns pela crônica

Hugo

Unknown disse...

Caro amigo
Parabéns mais uma vez, homenagem mais do que merecida!
Cntinuo me deleitando ao ler suas Obras.
Lindo e elogiável o trabalho do professor e dos alunos da "Evangelina".
Um grande abraço