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sábado, dezembro 21, 2013

Medo de chuva



Esta publicação poderia ser ricamente 
ilustrada com fotos, desenhos 
etc., mas as imagens das chuvas, 
este ano, estão muito menos românticas 
que as dos anos anteriores.



Medo de chuva


Lembranças de infância costumam trazer cores fortes e odores precisos. Diziam-me os que eram adultos quando eu era pequenino que minhas lembranças não eram exatas (aqueles adultos, em sua maioria ou quase totalidade já se foram para o plano superior), e eu não conseguia, ante esses argumentos, modificá-las; achava eu que minha memória estava precisa – afinal, minha memória não mentiria para mim.

Ainda hoje, sem o testemunho contraditório dos “meus mais velhos”, lembro-me das coisas com as mesmas cores e os mesmos cheiros. E sons. De uma coisa, porém, tomei certeza posterior: os adultos que eu imaginava muito altos não eram mais que pessoas medianas – apenas eu era miúdo. Apenas? Não: meus amigos também eram miúdos, como eu.

Os temporais nacionais desta estação, esta transição da Primavera do Verão, incomoda o Brasil total, amedronta o Sul e o Sudeste, encharca o sertão do Nordeste, escurece o céu do Planalto Central, desliza montanhas aí afora, Brasil adentro; e desaloja pessoas, destrói pontes e casas, corta rodovias, leva pontes, derruba postes e árvores etc. E na continuidade, mata pessoas. O momento das notícias do tempo são mais esperados que as do esporte (entenda-se futebol, que o resto é comentário, apenas).

Esta manhã, sexta-feira, 20, às vésperas do Natal, amanheceu sem chuva em Goiânia. E o silêncio das gotas despertou minha memória para os sons das chuvas noturnas nas telhas de nossa casinha na avenida Coronel Bento de Godoy, em Caldas Novas. E não era apenas o som dos pingos fortes na cerâmica do telhado: era um momento, ainda que impreciso. Uma noite de Primavera, ou de suas vésperas, entre 1952 e 1954.

Aquela chuva me acordou, e era madrugada quase ao fim. O dia clareara e minha mãe, veio nos chamar, as aulas sempre começavam às 7 horas.

As folhas das árvores e dos arbustos enfeitavam-se com as pérolas da primeira chuva. O chão do quintal e das ruas mostrava-se salpicado das gotas, e eu olhava aquelas formas e criava fantasias: eram formações como as de uma figura de livro mostrando crateras na Lua, mas podiam também ser miniaturas de castelos – se as formigas e outros insetos construíssem castelos.

Mas a vida cheirava diferente. A gente dizia ser “cheiro de terra molhada”. Sobre isso, discuti com a professora, dona Vanda Rodrigues da Cunha: não é, não; é só cheiro de chuva. Se fosse cheiro de terra molhada a beira do córrego também tinha esse cheiro”. Ela me olhava em silêncio por cinco ou dez segundos; depois, beliscava-me as bochechas e me abraçava apertado, e eu não gostava, sentia-me asfixiado (década depois, ela me contou que se surpreendia com meus argumentos, sempre diferentes do que ela esperava).

E era, então, aquele cheiro... O cheiro da terra que recebeu água da chuva, mas só de pouca chuva, porque quando chovia demais o cheiro sumia. Prenúncio de frutas maduras nos pés, e nós meninos a reagir naturalmente, sem ensaios nem planos mirabolantes: iríamos povoar quintais e árvores, feito os periquitos em festas.

Tempo bom, aquele! Não tínhamos medo das chuvas, só mesmo alegria com sua chegada. Medo de chuva era coisa de adultos – pais e mães a nos chamar para dentro de casa, fechar janelas e portas, acudir com baldes as goteiras (quase todas as casas tinham goteiras) e ouvir histórias de adultos, contando de rios cheios e pontes cobertas.

Mas de que nos interessavam pontes intransitáveis ou rodadas nas enxurradas? Nosso mundo era o dos quintais e das ruas sem calçamento; os perigos ficavam só para a gente-grande. Problema deles, uai!


* * *





4 comentários:

Regina Ruty Rincon Caires disse...


Luiz, que linda sua crônica! Gosto do seu jeito de escrever. (...) você fala das mesmas coisas que vivi, das mesmas lembranças... Parabéns! Continuarei seguindo seu blog. Abraços...
Regina Ruth

Maria Helena Chein disse...

Luiz,
que crônica gostosa, linda, com aquele gostinho de chuva, terra molhada,
de lembranças que são minhas também.
E você se lembra ainda da outra chuva que destrói, alaga e traz sofrimento
a tanta gente.
Gostei muito do texto!

Beijos.
Maria Helena

Nairte Borges disse...

Oi... Boa Noite!
Adorei sua crônica sobre a chuva... sabe que eu tinha muito medo de chuva... e sempre acabava
na cama da minha mãe... ela já sabia e me chamava... muita saudades...
Hoje tenho uma cachorrinha shih tzu.. coitada... é só começar a chover que ela corre para o meu lado.. e de noite.. coitada..
Não sabe onde fica.....
Recordações... muito bom!
Obrigada Luiz.
Nairte

Mara Narciso disse...

Que gracinha de ideia infantil tão certa e coerente. De fato, terra muito molhada perde o cheiro. Beira de córrego também. Bela crônica de também gostosa saudade, Luiz de Aquino"