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(Charge colhida na Internet) |
O do Zé Estêvão
Esta crônica foi escrita em
30 de agosto de 2005 e publicada logo em seguida – dois ou três dias após.
Relendo meus arquivos, gostei de recordá-la e de recordas o ambiente em que a
mesma se criou. Republico-a como uma homenagem aos amigos aqui citados e com
quem não tenho estado há algum tempo (vale dizer: é a segunda vez que ela é republicada - a primeira reedição foi em fevereiro de 2009; mas há sempre quem não a tenha lido).
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Tenho momentos de vazio e saudade.
Quem não os tem? Aí, saio como quem anda sem rumo, mas sei aonde ir e ver. Ver
pessoas especiais. Andei aí, sorri boas-noites e me sentei prosista de falar e
rir. Ouvi Valdemar a contar de coisas que confessei um não-saber comum: quem
será Zé Estevo, de quem falei crônicas passadas, este ano mesmo? Ele me contou,
justificando o bordão goiano, sul-goiano de longa data que repercute na memória
do menino que eu era: “Tá no cu do zé-estevo!”.
Para os de longe − os do norte de
Goiás e os de além-rios de Goiás Sul − explico que é um falar comum das gentes
da minha terra: se alguém está mal, diz-se aqui que “tá no cu do zé-estevo”, e
Valdemar me explica o causo, sucedido em Jataí, lá pelo começo da quadra de 50,
quer dizer que há mais de cinqüent’anos. E eram dois os irmãos Estevão: um
Jerônimo, outro José. Jerônimo, um dia, apareceu de médium, pregando coisas e
prometendo curas, distribuindo bênçãos e raizadas, para a alegria e a
felicidade de um sei-lá-quantos de tristes.
A vida corria bem e nada havia que se
questionar, que os que Jerônimo salvava nem precisavam, vai ver, se salvar de
nada mesmo. Uma espinhela caída nem sempre é causa de dor; e um amor desfeito
não mata ninguém, basta que um novo amor se anuncie e o mal de antes está
curado. Foi então que Jerônimo entendeu de salvar o mano José − o que vem a ser
esse mesmo, o Zé Estevo, no modo mais goiano de falar fácil, o que antecede o
modo tacão de moços escribas nos bites da Internet.
Um punhado de ervas aromáticas cujos
odores nem eram lá do agrado do possível doente, a infusão em água insuspeita,
raizada curtida de véspera em álcool de fazenda (quase cachaça), e pronto! No
dizer de Jerônimo, o mano Zé estava curado. Mas, há que se perguntar, curado de
quê? Sabe-se lá! O Zé estava apenas magro, mas de nada se queixava. E como não
era de contrariar o mano Jerônimo, deixou-se medicar.
Vai daí que, desde então, siô, a vida
do Zé virou uma merda! Zé emagrecia ainda mais, apareceu com olheiras quase
pretas, de tão roxas, e o corpo manchado de muitas pintas grandes. Fosse só
isso, estava tudo quase bem: Zé Estevo se apanhou de uma caganeira que nada
segurava. Por isso, então, e de imaginar o quanto sofria o anel terminal do
tubo digestivo do pobre do Zé, o povo logo inventou de apelidar qualquer
situação de aperto com a famosa frase: “No cu do Zé Estevo”.
Dei-me por feliz − não pelo suplício
do esfíncter do diabo do Zé, mas pela explicação que me ofereceu o Valdemar.
Pena que, ocupadíssimo com a missão de saborear aperitivos sofisticados, meu
velho amigo Marcelinho Pão-e-Vinho, delegado de uma pequenina e pacata cidade do
interior de Goiás, não tenha ouvido a história. Haverá ele, então, de saber dos
fatos por estas linhas, que ele há de ler quando o correio entregar-lhe a
cópia, já que Pão-e-Vinho, o delegado filósofo, não é de navegar nas ondas
internáuticas.
* * *
8 comentários:
Luiz, querido poeta!
Até prá falar de "causos" engraçados, voce tem um jeito especial de contá-los. Adorei conhecer a origem da famosa frase dos desesperados.Adorei o texto!
Obrigada por partilhar essa deliciosa crônica!
Um abraço,
Tania
Sr. poeta Aquino, que crônica deliciosa, que belo engenho, que sutileza e que ternura. Hoje o meu dia foi cacete e eu estava aqui moendo lembranças de minha saudosa Jataí, e de repente, como num achado, a sua crônica chega para me tirar de um estado de espírito precário, doloroso, de saudade mesmo. Obrigado e obrigado por este belo presente — ainda que tenha custado, para espanto de muitos, a alegria do Zé.
Abraço afetuoso do Guimarães Filho
Universidade de Coimbra, nesta seca, Portugal
Sr. poeta Aquino, que crônica deliciosa, que belo engenho, que sutileza e que ternura. Hoje o meu dia foi cacete e eu estava aqui moendo lembranças de minha saudosa Jataí, e de repente, como num achado, a sua crônica chega para me tirar de um estado de espírito precário, doloroso, de saudade mesmo. Obrigado e obrigado por este belo presente — ainda que tenha custado, para espanto de muitos, a alegria do Zé.
Abraço afetuoso do Guimarães Filho
Universidade de Coimbra, nesta seca, Portugal
Delícia de história, Luiz, delícia de texto!
bj
Mirian
Luiz,
É de longa data que eu leio suas poesias. passa o tempo e cá estou eu buscando novidades suas para ler. Amo seu estilo e seus escritos, amo esse jeito goianez de criar estórias.
um grande abraço,
Maria White
Sou tão tímida e encabulada que não gosto de palavrão, mesmo que seja uma palavrinha de duas letras. Vão-se os homens e os ditos populares permanecem. Acaba sendo engraçado.
Muito bom!
Parabéns
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