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sexta-feira, junho 14, 2013

O do Zé Estêvão

(Charge colhida na Internet)

O do Zé Estêvão


Esta crônica foi escrita em 30 de agosto de 2005 e publicada logo em seguida – dois ou três dias após. Relendo meus arquivos, gostei de recordá-la e de recordas o ambiente em que a mesma se criou. Republico-a como uma homenagem aos amigos aqui citados e com quem não tenho estado há algum tempo (vale dizer: é a segunda vez que ela é republicada - a primeira reedição foi em fevereiro de 2009; mas há sempre quem não a tenha lido).  


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Tenho momentos de vazio e saudade. Quem não os tem? Aí, saio como quem anda sem rumo, mas sei aonde ir e ver. Ver pessoas especiais. Andei aí, sorri boas-noites e me sentei prosista de falar e rir. Ouvi Valdemar a contar de coisas que confessei um não-saber comum: quem será Zé Estevo, de quem falei crônicas passadas, este ano mesmo? Ele me contou, justificando o bordão goiano, sul-goiano de longa data que repercute na memória do menino que eu era: “Tá no cu do zé-estevo!”.

Para os de longe − os do norte de Goiás e os de além-rios de Goiás Sul − explico que é um falar comum das gentes da minha terra: se alguém está mal, diz-se aqui que “tá no cu do zé-estevo”, e Valdemar me explica o causo, sucedido em Jataí, lá pelo começo da quadra de 50, quer dizer que há mais de cinqüent’anos. E eram dois os irmãos Estevão: um Jerônimo, outro José. Jerônimo, um dia, apareceu de médium, pregando coisas e prometendo curas, distribuindo bênçãos e raizadas, para a alegria e a felicidade de um sei-lá-quantos de tristes.

A vida corria bem e nada havia que se questionar, que os que Jerônimo salvava nem precisavam, vai ver, se salvar de nada mesmo. Uma espinhela caída nem sempre é causa de dor; e um amor desfeito não mata ninguém, basta que um novo amor se anuncie e o mal de antes está curado. Foi então que Jerônimo entendeu de salvar o mano José − o que vem a ser esse mesmo, o Zé Estevo, no modo mais goiano de falar fácil, o que antecede o modo tacão de moços escribas nos bites da Internet.

Um punhado de ervas aromáticas cujos odores nem eram lá do agrado do possível doente, a infusão em água insuspeita, raizada curtida de véspera em álcool de fazenda (quase cachaça), e pronto! No dizer de Jerônimo, o mano Zé estava curado. Mas, há que se perguntar, curado de quê? Sabe-se lá! O Zé estava apenas magro, mas de nada se queixava. E como não era de contrariar o mano Jerônimo, deixou-se medicar.

Vai daí que, desde então, siô, a vida do Zé virou uma merda! Zé emagrecia ainda mais, apareceu com olheiras quase pretas, de tão roxas, e o corpo manchado de muitas pintas grandes. Fosse só isso, estava tudo quase bem: Zé Estevo se apanhou de uma caganeira que nada segurava. Por isso, então, e de imaginar o quanto sofria o anel terminal do tubo digestivo do pobre do Zé, o povo logo inventou de apelidar qualquer situação de aperto com a famosa frase: “No cu do Zé Estevo”.

Dei-me por feliz − não pelo suplício do esfíncter do diabo do Zé, mas pela explicação que me ofereceu o Valdemar. Pena que, ocupadíssimo com a missão de saborear aperitivos sofisticados, meu velho amigo Marcelinho Pão-e-Vinho, delegado de uma pequenina e pacata cidade do interior de Goiás, não tenha ouvido a história. Haverá ele, então, de saber dos fatos por estas linhas, que ele há de ler quando o correio entregar-lhe a cópia, já que Pão-e-Vinho, o delegado filósofo, não é de navegar nas ondas internáuticas.


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8 comentários:

Tania Maria Barreto Rocha disse...

Luiz, querido poeta!

Até prá falar de "causos" engraçados, voce tem um jeito especial de contá-los. Adorei conhecer a origem da famosa frase dos desesperados.Adorei o texto!
Obrigada por partilhar essa deliciosa crônica!

Um abraço,
Tania

Guimarães Filho disse...

Sr. poeta Aquino, que crônica deliciosa, que belo engenho, que sutileza e que ternura. Hoje o meu dia foi cacete e eu estava aqui moendo lembranças de minha saudosa Jataí, e de repente, como num achado, a sua crônica chega para me tirar de um estado de espírito precário, doloroso, de saudade mesmo. Obrigado e obrigado por este belo presente — ainda que tenha custado, para espanto de muitos, a alegria do Zé.
Abraço afetuoso do Guimarães Filho
Universidade de Coimbra, nesta seca, Portugal

Guimarães Filho disse...

Sr. poeta Aquino, que crônica deliciosa, que belo engenho, que sutileza e que ternura. Hoje o meu dia foi cacete e eu estava aqui moendo lembranças de minha saudosa Jataí, e de repente, como num achado, a sua crônica chega para me tirar de um estado de espírito precário, doloroso, de saudade mesmo. Obrigado e obrigado por este belo presente — ainda que tenha custado, para espanto de muitos, a alegria do Zé.
Abraço afetuoso do Guimarães Filho
Universidade de Coimbra, nesta seca, Portugal

Mirian Silva Cavalcanti disse...

Delícia de história, Luiz, delícia de texto!
bj
Mirian

Maria White disse...

Luiz,
É de longa data que eu leio suas poesias. passa o tempo e cá estou eu buscando novidades suas para ler. Amo seu estilo e seus escritos, amo esse jeito goianez de criar estórias.

um grande abraço,

Maria White

Maria White disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mara Narciso disse...

Sou tão tímida e encabulada que não gosto de palavrão, mesmo que seja uma palavrinha de duas letras. Vão-se os homens e os ditos populares permanecem. Acaba sendo engraçado.

Anônimo disse...

Muito bom!
Parabéns