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domingo, setembro 06, 2020

POEMA DOÍDO

 

 

Poema doído


 

Se um dia eu resolver me matar
vou ter que escrever uma carta, um bilhete,
uma frase, qualquer coisa
que fale de mim: dores e angústias,
risos e rendas.
Coisas que, enfim, cansei de fazer
sem me fazer entender. 


Se um dia desses aí
a boca amanhecer mais amarga,
eu me achar demais
ou achar o mundo demais,
me vou.


            (Ah, peço a Deus que me chame mais cedo!
            Há dias...).


Não interessa, às vezes, se o sol nasceu,
se há calor, se venta. As nuvens também
não interessam. Importa o peso das pálpebras,
dos braços, dos ombros caídos,
a dor letárgica do coração que não quer
bater compassado. Importa lembrar
tudo o que fiz
pra me sentir amado. Não desse amor
de marcar encontros, de se perfumar. 



Falar de coisas fúteis?
Tentar se firmar por conceitos frugais?
Falta amor de parceira;
contar o troco da feira,
os casos do dia, as contas
de um mesmo rosário
a renovar-se mês a mês. 



Amor de acordar juntos com saudade de ontem,
de acertar o passo quando se anda
de mãos dadas, de falar de pessoas outras
sem sentir nem provocar ciúmes
porque a gente não se sabe,
a gente se basta
como as mãos que descascam a mesma fruta.



Mas há dias
em que não sobra vontade de se barbear,
de dizer bom-dia, de beijar-lhe a boca.



            Há dias...


* * * * * *

Luiz de Aquino, escritor de verso e prosa, membro da Academia Goiana de Letras.

16 comentários:

Gugu disse...

A doideira- ou sera doidice ?,apenas da corpo e forma à leveza com que o poeta trata suas dores e todos os seus desafios. No todo, o que parece ser caótico se nos revela com todas as cores e nuances que só a alma de um menestrel pode produzir.

Samuel disse...

Ansiamos que a vida, mesmo no corriqueiro, supere o banal, vez que quando tudo se aparenta banal, a própria vida perde seu sentido na tão desejada magia que a faz especial e vital. Linda e reflexiva poesia!!! Parabéns poeta Luiz de Aquino!!!

Zanilda Freitas disse...

Esse "amor de acordar juntos com saudades de ontem" é especialmente gratificante e quando acaba dá vontade de morrer mesmo. Doído e forte seu poema, grande Poeta.

Mara Narciso disse...

Setembro amarelo é mês de valorizar a vida e ficar atento aos sinais de depressão nas pessoas próximas. Algo, como o que disse aqui, o vazio existencial, a desvalorização de si mesmo, a falta de esperança, a sensação de inexistencia de futuro, tristeza profunda e persistente, alteracoes fisicas de sono e apetite. Está tudo a vista e muitos não veem. Espero que seja um desabafo ficcional, sugerido pelo mês em pauta.Caso não seja, procure ajuda médica.

Mara Rubia disse...


"...Mas há dias
em que não sobra vontade de se barbear..."

Mas sempre haverá dias em que o poema brotará no cerne de Aquino...
E, então, nascerão novos dias para o apreciador, eu sou um ser desses que aprecia.

Mara Rúbia disse...


"...Mas há dias
em que não sobra vontade de se barbear,
de dizer bom-dia, de beijar-lhe a boca..."

Mas sempre haverá dia que brotará a rica poesia no cerne de Aquino... Dessas que faz o apreciador ansiar ver o brilho do sol...

Mara Rúbia disse...


"...Mas há dias
em que não sobra vontade de se barbear,
de dizer bom-dia, de beijar-lhe a boca."

Mas sempre haverá dias que brotará a rica poesia no cerne de Aquino... Dessas que faz o apreciador ansiar ver o brilho do sol...

Cosme Juares disse...

Prof. Cosme Juares disse...


Bom dia. Poema muito interessante. O eu- lirico apresenta uma metalinguagem por meio de uma possivel realidade. Há um tipo desabafo diante das diversas situações da vida. Momentos de indiferenças e ao mesmo tempo a busca de ser amado. Excelente poema 👏👏👏👏👏👏

Carmem Gomes disse...



Linda e doída poesia, caro poeta. A morte ås vezes nos parece o mais razoável! Mas ainda resta a alma. A alma dos entes queridos que ainda queremos perto. Vamos nos consolando, perdoando e aquele pouquitinho de amor que ainda resta, ajuda chegar ao destino ! Maravilha de poema, querido poeta !

Marina Teixeira Da Silva Canedo disse...

Marina Teixeira Da Silva Canedo disse...


O tema desse lindo poema revela um estado de espírito um tanto assustador mas bastante frequente como também preocupante. Há poesias confessionais e outras meramente ficcionais. Espero, com fé, que seja o caso da segunda opção, sinceramente.

Luciene Silva disse...

Ah! esta dor do amor largado, esquecido ou adormecido pela lida não escrita, amor sofrido por não estar sendo vivido.

Sem compreensão o amor do poeta vira solidão.

Te amo meu poeta, Minha Eterna Primavera, meu mestre em recomeço de vida.

Luciene Silva disse...

Ah! esta dor do amor largado, esquecido ou adormecido pela lida não escrita, amor sofrido por não estar sendo vivido.

Sem compreensão o amor do poeta vira solidão.

Te amo meu poeta, Minha Eterna Primavera, meu mestre em recomeço de vida.

Andréa Fonseca disse...

Há um certo tempo tenho que lutar para sair da cama, levantar, viver...
Lindo poema!

Maria Helena Chein disse...

Maria Helena Chein disse...

No Poema Doído, há ternura, lassidão, há saudades demais, que chegam e começam a derrubar paredes e telhados. Poema dos que vivem entre sentimentos e emoções fortíssimas que não dão trégua, mas os vencedores resistem para contar sua história, seus deslumbramentos.

Fatima Rosa Naves disse...

Sim, há dias que...

Unknown disse...

Desvendar o banal do cotidiano, revellando o carinho que une e espanta os gestos enfadonhos ou repetidos é a mágica desse poeta que não se repete. Luiz de Aquino certamente vai continuar nos surpreender.