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domingo, fevereiro 24, 2008

"Cuida bem dessa bola..."

Um boi pelo bife

Não é da minha lembrança qualquer referência à preservação dos recursos naturais antes de 1960 (aproximadamente, é claro!). Sei que, por essa época, alguns cartazes nos colégios falavam que o Rio Grande do Sul não teria nenhuma árvore em 1970, caso não cessasse já o desmatamento. Foi por essa época que o Paraná desbancou São Paulo como produtor de café e, em 1963, um enorme incêndio nas plantações deixou milhares de vítimas, tanto em desabrigo quanto em falência de suas lavouras. Como sempre, a população brasileira mobilizou-se solidária. Ser solidário é uma tradição nacional mais consolidada do que o futebol e o carnaval.


Um dos mais belos cartazes em defesa do Planeta, para mim, veio do governo de Santa Catarina, na primeira metade dos anos 70. Era um garotinho (branco sulista) brincando com uma bola, mas a bola era um globo terrestre. E a legenda: “Cuida bem dessa bola. Deus não vai fazer outra”.

Na última quarta-feira, representantes de várias cidades goianas da vertente do Rio Paranaíba reuniram-se na minha Caldas Novas. O propósito: cuidar do grande rio que, com o Rio Grande, forma o Rio Paraná, tributário importante do Rio da Prata. O complexo Paranaíba, Grande e Paraná detêm dezenas de reservatórios geradores de energia, sem dúvida, é um dos maiores e mais importantes do mundo. E, agora, parece-me, as autoridades goianas ligadas ao meio-ambiente acordaram para cuidar do rio.


Somente sobre o lago de Furnas-Itumbiara, debruçam-se 16 municípios goianos e 12 mineiros. Isso, como tributação direta, pois a bacia do Paranaíba, em Goiás, responde por 43% do território do Estado e por 76% da população goiana. Há uns quatro ou cinco anos, tomei conhecimento de reuniões dos municípios mineiros para debater cuidados com o Paranaíba. Goianos participaram, timidamente, como convidados. Pelo visto, só agora os da margem direita se preocupam. Será que há estímulo financeiro federal? É possível.

Mas as autoridades federais incumbidas de salvar o futuro... Sei não! Fico por entender como fazem vista grossa ante a expansão do plantio da soja; e, agora, vem aí um novo surto, o da produção de cana para produzir álcool combustível. O cerrado está se tornando uma saudade, apenas. E ninguém diz nada.

No Pará, uma cidade chamada Tailândia revolta-se maciçamente contra fiscais do Ibama e apedrejam a Polícia Militar. Tudo porque as autoridades, sempre em minoria qualitativa, tentaram conter o desmatamento desenfreado. Segundo a imprensa, os madeireiros (patrões) incitaram os madeireiros (empregados) a insurgir contra as autoridades. Penso que é hora de uma ação drástica... Na região, há mais de 30 anos, o Exército se mobilizou contra a guerrilha do Araguaia. Agora, penso eu, a ação é decisiva. Não se trata de combater oponentes do regime, mas uma quadrilha que se propõe a exterminar o futuro.


Na tevê, vejo propaganda de uma das maiores mineradoras do mundo contando vantagem sobre extrativismo desenfreado. Um geólogo me diz, indignado: “Dentro de 50 anos, o Brasil não terá nada mais no subsolo, porque essa gente (os da propaganda ufanista) vai extrair tudo!”.

E ninguém faz nada. Aliás, faz: faz propaganda, bate no peito feito torcedor de futebol festejando o mais recente troféu. Só que troféu esportivo se tem ao término de cada campeonato, mas as jóias do reino, armazenadas por Deus, há milhões de anos, nos cofres do subsolo, estas...

É hora de ações severas. A gente precisa esquecer um pouco o sistema de captação pecuniária das Fazendas Públicas e pensar no futuro. Uma carga tributária da ordem de quase 40% do PIB e a economia sob crescimento real são argumentos suficientes para nos permitir cuidar das reservas.

Ou vamos continuar vendendo um boi para comprar um hambúrguer?

3 comentários:

Mara Narciso disse...

Dura crônica de denúncia, em tom mais que bravo, e que por isso mesmo emociona: bate na nossa cara o quanto estivemos omissos e cegos. Tudo sendo arrasado e ninguém faz nada? Faz sim, vista grossa para os amigos que desmatam.

Júlio Pereira disse...

há muitas maneiras de ver o mundo.. sejam elas poéticas ou cientificas, o importante é que sejam sempre fruto da verdade! Sempre!!!

Visitem o blog...

www.osilenciodaspalavraspartilhadas.blogspot.com

Madalena Barranco disse...

Querido Luiz, com certeza "Deus não vai fazer outra", pelo menos igual... Adorei sua firmeza em defender o que ainda nos resta no colchão de terra > a riqueza verdadeira! As pessoas que exploram os recursos naturais sem escrúpulos, são as criaturas mais egoístas que a Terra acolheu com seus braços generosos e que agora agem como serpentes mal agradecidas. Beijos.