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domingo, abril 08, 2012

Quebra-línguas na tevê e uma mensagem de Páscoa


Quebra-línguas na tevê



Ah, quanta sandice! Não bastassem os jornalistas e atores em cena, além de  detentores de cargos eletivos e outros entrevistados (muitos deles, profissionais liberais, “cientistas” políticos e até mesmo professores) demolirem a regência, a concordância e a ortografia (nas legendas de notícias, como na tevê por assinatura), agora inventaram de mudar pronúncias.

Bem: lá pelo início da década de 1980, sob os ares da redemocratização e o fim da censura, muitos profissionais acharam que romper com as regras gramaticais era insurgir-se contra a autoridade auto-constituída (coisa da ditadura que alguns imbecis desmemoriados dizem hoje que não existiu; tudo bem: Mahmud Ahmadinejad, ditador iraniano, jura que nunca existiu o holocausto na II Guerra). A campanha das Diretas Já difundiu Brasil afora (e adentro) um lema que deveria ser escrito “Muda, Brasil!”, mas a mídia, obedecendo a um – sim, apenas um! – publicitário aceitou divulgar “Muda Brasil”, como se a expressão se referisse a uma mulher que não falava...

A coisa pegou, gente! Vinte anos depois, outro publicitário, seguidor, talvez sem consciência nítida disso, do que ordenou “Muda Brasil”, implantou por aí, em outdoors e pela tevê, nos jornais e revistas, um programa chamado “Acelera Goiás”, igualmente sem pontuação.

Também nas últimas duas ou três décadas, a imprensa reinventou a gramática, impondo pronome oblíquo em início de frases: “Me considero suficientemente preparado para...” – escreveu um coleguinha repórter, com a anuência do editor e para bronca do entrevistado, que dirigiu-se ao repórter exigindo correção: “Moço, sou um professor de Língua Portuguesa, jamais proferi essa frase e você me comprometeu”, exigiu ele.

Como disse na primeira linha, as pessoas, na tevê, referem-se ao ano como sendo “esse ano”, e o mesmo se dá com semanas, meses, não diferem esse de este. São os mesmos que inventaram “Chegou em São Paulo”. E quanto às regências? “A casa que eu morei”; “O rapaz que eu gosto”; “Já vamos lhe chamar” – são frases comuns nas telenovelas, nas conversas entre apresentadores e repórteres e entrevistados. O mais triste é que o consumidor médio desses produtos televisivos acaba apreendendo essas excrescências como corretas.

Mas, venhamos e convenhamos: os professores não ensinam corretamente nem exigem dos alunos (ah! É comum também ouvimos na tevê “e nem”. São duas conjunções aditivas – uma acrescenta, a outra exclui; e agora?). É que, contam-me eles, o MEC (sim, o Ministério da Educação e Cultura, sob Fernando Haddad) mandou normativa (que os professores ficam impedidos de discutir) determinando que, se a comunicação se fez, esqueça-se  a gramática. E assim, nós, os idosos de hoje, pessoas que concluímos o ginasial sabendo escrever corretamente e capaz de nos envergonhar se apanhados em errinhos dessas naturezas, convivemos com profissionais pós graduados que pagaram para que alguém redigisse seus TCC (isso mesmo: abreviaturas não se pluralizam), suas dissertações de Mestrado e suas teses de Doutorado (em maiúsculas,  pela dignidade desses títulos, apesar de alguns titulados).

Agora, os da tevê chegaram com uma novidade intragável: referem-se à capital de Chipre como “Nicossia”, isto é, pronunciando o S dobrado e acentuando tonicamente a palavra do I. Ora, gente, está nos livros de Geografia, nos dicionários e enciclopédias: é Nicósia, e assim como está grafado deve ser pronunciado. Mas é que jornalistas televisivos estiveram por lá, cobrindo um jogo da Seleção Brasileira, e ouviram os nativos dizerem “Nicossía”.

Só falta voltarem de Londres dizendo que falamos errado, que o nome da cidade é London. E certamente passarão a pronunciar “parrí” para a capital francesa.


* * *

E, cumprido o dever semanal desta crônica, valho-me agora da mensagem de minha amiga Leda Selma, contida com densidade e carinho, neste poema: 

TRANSFORMAÇÃO
              
              Lêda Selma

A travessia é libertária,
e nos transporta para a margem
onde a lua se esparrama,
e o grão brota, cria, recria,
e dissemina ramadas
sob aragens de inverno.

Na libertação, o atalho
para o cimo e para o voo.
E, na bifurcação que atordoa
dilemas, descrenças e medos,
a passagem para o sonho,
e as sanhas em estiada.




Uma PÁSCOA abençoada, a prenunciar boas alvíssaras para a semana que se inicia!
Beijão, Lêda -  http://poetaledaselma.blogspot.com









Um comentário:

Mara Narciso disse...

Apesar de leitora incansável, falta muito, mas vou a cada dia aprendendo mais. Comunico-me com relativa facilidade, mas tenho muitas dúvidas ainda. Fico de olho nos seus escritos para não perder nenhuma dica.