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sexta-feira, junho 22, 2012

Homenagem da AGL a Anatole Ramos


Academia homenageia Anatole Ramos




Foi na Academia Goiana de Letras, quinta-feira, passada. Alegria minha por encontrar lá a prole e a “subprole” de Anatole Ramos – que completaria, neste 2012, oitenta e nove anos! Aliás, também bisnetos do Mestre havia lá, e isso lembrou-me o saudoso mestre José Sizenando Jaime: “Uma prole grande é graça divina”, dizia ele.

Essa festa estava programada desde os últimos meses do ano passado. Cibele, neta do Mestre, esteve na AGL e disse ao presidente Getúlio Targino Lima que pretendia oferecer livros de seu avô para a nossa biblioteca. O presidente não queria apenas receber as obras, mas acolhê-las com a dignidade que, entendeu ele, o autor merecia. E foi seguido pela unanimidade das opiniões dos membros da Entidade.

Ao comunicar o fato ao plenário da AGL, o presidente foi interrompido várias vezes pelos acadêmicos presentes. Inclusive por mim. E ao contar algumas passagens vividas com o meu padrinho literário, acho, entusiasmei-me e fui indicado por Getúlio Targino como orador na sessão homenagem, em data a ser marcada. E a marca chegou – dia 21 de junho de 2012.

Discorri tão-somente acerca do modo de ser do meu inesquecível amigo e conselheiro literário. É que, ao longo de 15 anos – de 1963 a 1978 – admirei-o em reportagens, artigos e crônicas nos jornais de Goiânia. Depois, li seus livros. E mais depois, isto é, a partir de 1978, comecei a desfrutar de sua companhia nas lojas da Livraria Cultura Goiana, nas cercanias do Café Central e no calçadão do Grande Hotel, pontos de encontro no tempo em que o Centro da cidade era zona nobre.

Em 1982, levei a ele originais de um livro meu e obtive não apenas uma revisão finíssima, mas também um prefácio de alta qualidade – como não seria diferente, vindo dele; esse livro, Sinais da Madrugada, saiu no ano seguinte. E com o prefácio, repito, que enriqueceu minha escrita. É que, ao apresentar-me, tal como ele me “viu” e “conheceu” naqueles poemas, e de discorrer sobre algumas poesias, ele concluiu:

“Excelentes peças poéticas, que apresentam um Luiz de Aquino que não sabe chorar mágoas nem fazer versos carregados de juras de amor. Na hora de lamentar-se, ele grita; na hora de amar, ele propõe sexo. Sem lirismo fresco, sem romantismo (...). Em tudo, porém, ele põe acento poético, em tudo há conotação lírica (...). A poesia de um boêmio que fala em sexo com amor e carinho, como o sexo deve ser mesmo. Como eu entendo o sexo”. 

Se havia, de minha parte, uma admiração indiscutível ao homem, por seu talento literário, pela sua condição de ser humano voltado para o próximo, capaz de gastar tempo com principiantes inseguros e, principalmente, donos de futuro incerto, uma peça do jaez desse prefácio só poderia ser semente de uma amizade imorredoura. Como ele se foi, conservei o teor e a densidade do meu sentimento para, sempre que necessário e (ou) possível, estendê-lo aos que lhe são os mais próximos.


Daí a minha felicidade de orador oficial naquela noite de memória. Além de mim e da neta Cibele – a quem Anatole preferia chamar Belinha, sem errar na apreciação – nas condições de oradores oficiais, também o poeta acadêmico Aidenor Aires e a presidente da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, Heloísa Helena, seguidos da professora Zaíra Turchi, enriqueceram a festa.

Na minha página do Facebook e também no meu blog – penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com – os discursos de Cibele e meu podem ser lidos. Agora, é sonhar com uma provável reedição dos livros de Anatole Ramos, o homem que noticiava, ensinava, estimulava o aprendizado e o aprimoramento, o prefaciador de centenas de livros de inéditos, o consultor para todas as dúvidas atinentes às Letras. E como bem lembrou Aidenor Aires, agora somos nós, seus aprendizes, a repetir a missão que ele plantou em Goiás – a de apoiar os novos.


* * *







A minha fala na Academia Goiana de Letras: 


Por absoluta timidez e, sei bem, por certeza da má qualidade daqueles rabiscos, eu ocultava meus primeiros poemas, concebidos por volta de 1960 e 1961. Alguns colegas de ginásio, nos bons tempos do Rio de Janeiro, conseguiram chegar ao meu caderno secreto, num momento de lerdeza minha, e leram o que estava escrito. Como bons fofoqueiros, contaram dos meus exercícios liricos ao professor José Guilherme de Araújo Jorge, o mais famoso e festejado dos poetas cariocas, então. E recebi estímulos para continuar.

Pela mesma timidez, e ansioso por aprender e crescer, mostrei versos meus a alguns colegas do Liceu, em Goiânia, naquele primeiro ano do Clássico, em 1963. Emílio Vieira entusiasmou-me a prosseguir, dava-me dicas e luzes, que tentei colher bem. E continuei escrevendo, naquela Goiânia de paz e marasmo. Não foi difícil identificar, por pessoas e nomes, os notáveis do meio literário da jovem cidade, e centrei atenção em dois deles, particularmente: Carmo Bernardes e Anatole Ramos, ambos cronistas do semanário Cinco de Março; depois, veria seus nomes e escritos em outros veículos noticiosos, como Folha de Goiás e O Popular.

Atrevi-me, em algumas ocasiões, a escrever-lhes cartas comentando algumas de suas crônicas; de ambos recebi boa atenção, com publicações infalíveis dos meus textos, seguidos de comentários estimulantes. Foi fácil conhecer Carmo, pois em 1968 eu lecionava para três de suas cinco filhas. Demorei uns tempos mais para aproximar-me de Anatole Ramos, e não foi difícil, pois ele também freqüentava as proximidades do Grande Hotel e a calçada do Café Central – a lanchonete preferida dos políticos goianos, dos empresários, dos profissionais liberais et cetera.

Carmo foi marcante quando me decidi por estrear em livro, e o fiz com um livro de contos. Cinco anos depois, atrevi-me ao segundo livro, e foi um atrevimento e tanto! Esse livro era de poemas e tomei coragem para procurar o guru de todos os escribas iniciantes em Goiás – Anatole Ramos.

Desde aquele agosto de 1963, quando cheguei para ficar, notei que Anatole Ramos era o prefaciador preferido pelos estreantes. Não tive coragem de procurá-lo quando da publicação do primeiro livro – O Cerco e Outros Casos –, mas a poesia era, para mim, um desafio maior. Ouvira de alguns amigos que eu era péssimo poeta, então resolvi colher um diagnóstico junto a quem tivesse, de fato, autoridade para empurrar-me para a frente ou sentenciar-me o abandono do verso.

Levei uma pasta de cartolina, daquelas com um grampo enfiado em dois furos nas folhas de papel. Depois de duas ou três semanas, recebi um recado do mestre Anatole; e imediatamente fui à sua casa, no Bairro Feliz; recebi dele a revisão solicitada e um prefácio – desejado, mas não pedido – com a explicação pela demora.
– Quando você me trouxe esses poemas, eu li o primeiro e achei que você havia começado muito mal. E o deixei aí, sobre o piano... Ontem, lembrei-me de ler seus versos; esse poema primeiro é triste, é “pra baixo”. Mude a ordem deles, seu livro está bom.
Eu quis saber se devia tirar aquele poema, mas Anatole recomendou que não:
– Ache o lugar certo. É um bom poema, mas não abra um livro com um poema negativo...
E o livro saiu com um título bonito – Sinais da Madrugada – e um belíssimo prefácio de Anatole Ramos, para minha total alegria.

Prefácios de Anatole eram definitivos: deixavam claros os defeitos e qualidades da obra, traziam conselhos para o autor – e os autores aprendizes, em geral, aprendiam também; eu, pelo menos, aprendi muito com ele. O homem bem-humorado deixava-nos seguros de nossas existências! Anatole tinha isso de nos convencer que ninguém vive em vão. Lembro-me de uma crônica sua, dirigida a uma jovem candidata a escritora, na qual ele definia que a vontade de escrever era, por si só, pelo menos 70% do necessário ao alcance dessa meta. Os demais 30% eram todo o resto – ler muito, estudar muito, escrever muito, reler, reescrever, depurar...

Levar os originais de um livro e buscá-los revisados, e ganhando um prefácio de presente, não eram os únicos motivos para se ir à casa de Anatole. Não voltar era atitude de mal-agradecido, de quinta-coluna. Naquelas primeiras visitas, conheci Dona Lourdes e as meninas, depois os rapazes. Anatole atendia-nos à porta ou no jardim; levava-nos à sala, e se começasse a nascer mais proximidade, levava-nos à biblioteca – belíssima coleção de livros ótimos: os nossos, de aprendizes, misturados com incríveis dicionários, ricos volumes de clássicos mundiais e brasileiros. E qualquer verso rendia uma grande prosa, qualquer prosa de ficção virava prosa oral de riquezas inesquecíveis.

Eu não sei, nunca consegui compreender, a fórmula que alguns homens, notáveis homens, têm para administrar o tempo. Anatole era dos que lia muito, e lia de tudo: os clássicos, os romances contemporâneos de qualquer origem, os poetas consagrados nacionais e estrangeiros, os jornais e as revistas, consultava dicionários e obras de referência. E, ainda assim, achava tempo para ler os novatos chatos, como eu; e escrevia prefácios, dava conselhos, acompanhava-nos nas ansiedades da feitura do livro, comemorava conosco aquela magia de ter nas mãos um rebento das nossas inventivas literárias. (Certa vez, um desses colunistas de jornal perguntou-lhe o que estava lendo, queria contar na coluna; Anatole Ramos respondeu, lacônica e ironicamente:
– Bulas de remédios.
E contava histórias. Falava dos tempos de estudante; dos tempos de sargento armeiro da Força Aérea Brasileira, de “pracinha”da Força Expedicionária Brasileira. Contava do ofício de professor, do de jornalista, e de tudo falava com imensa simplicidade, com humildade beatificada, com a segurança de quem sabia ter bem escolhido suas profissões.

Contava também da família, destacava características dos filhos, mostrava o primeiro neto, levado e inquieto, sua grande alegria. Como gostava de filhos e netos, aquele homem que não envelhecia! Da esposa falava também, de um modo bem definido quanto a sentir que era ela a parceira ideal, a educadora indispensável na sociedade de formar bem os filhos.

Certa vez, no Café Central, vi-o sacar do bolso um pequeno frasco plástico de onde fez saírem três gotinhas brancas para adoçar o café. Ele me explicou que tinha diabetes; comentei, admirado, o bom zelo que tinha para com a saúde, mas fui contestado por Carmo Bernardes, que interferiu:
– Sacarina no bolso, Anatole... Mas a cerveja, você jura que não bebe mais?
Carmo era assim, com lampejos de ranzinza numa alma doce e discreta.

Um dia, era começo de noite, ouvi a voz por demais familiar às minhas costas; disse-lhe o nome antes mesmo de me virar, e deparei-me com um homem magro, de bengala, a barba crescida e alva como nuvem de outono. Achei-o visualmente envelhecido, mas o timbre da voz e a conversa feliz repetiam-me o homem que vencia a velhice. Era o mineiro criado no Rio de Janeiro, o homem que questionou a decisão da FAB em lhe dar uma medalha de mérito como ex-combatente (alegava que não fora combatente, pois não dera um tiro sequer; mas era ele quem municiava os aviões para os combates).
Gostava de ler. E de escrever. De ser repórter, de ser cronista do quotidiano, como cabe a um cronista verdadeiro. De ser professor. De atender jovens escritores. Gostava de Cora  Coralina. Não se habilitou a esta Academia, e eu nunca soube a razão. Gostava de liberdades, tanto que não aceitava a ditadura militar. Tinha uma liberdade sagrada e nos passava esse ensinamento de apego à dignidade.
Há exatas duas décadas, dois anos antes de seu desenlace, Anatole Ramos foi alvo da arma difamatória de um foca (foca, na gíria jornalística, é o aprendiz do ofício; o que hoje chamaríamos de “estagiário”). Esse moço chegou à redação do jornal com duas laudas datilografadas e definiu:

– Li dois livros de Anatole Ramos, não gostei de nenhum. Vou meter o pau nele!

Naquele momento, eu conversava com Ulisses Aesse, também jovem jornalista, mas com alguns anos de jornada profissional e boas informações sobre o ofício das letras. Ao seu modo educado e conciliador, Ulisses disse ao jovem rebelde sem causa:
– Eu não lhe diria jamais para não publicar qualquer artigo, mas veja bem o que escreveu aí. Anatole é amigo e ídolo de todos os escritores de Goiás. Ele é o maior cronista dentre todos, e há ótimos cronistas entre nós. É dele uma grande parte dos bons livros goianos e se você publicar algo assim, certamente vai receber uma chuva de contestações e não conseguirá sustentar opinião.
O moço enfiou as duas laudas na pasta. Sentou-se à mesa, começou a escrever algo contra a máfia dos cemitérios e, em seguida, rasgou o artigo inédito, certamente malfadado. Uma pena! Eu mesmo estava ansioso por acabar com a fanfarronada do aprendiz de mau jornalismo. Costumo dizer que não gosto de polêmicas. Mas aprendi, muito cedo, a não aceitar desaforos. Por isso, algumas vezes me tomaram por polemista – e respondo sempre que prefiro beijo na boca.
Ao indicar-me, Senhor Presidente, para falar sobre Anatole Ramos nesta solenidade, imagino que não sabia Vossa Excelência da alegria que me dava. Hoje, eu alcanço mais uma entre muitas realizações na minha vida de escritor. Eu tenho, neste momento, a felicidade de expressar carinho e agradecimento eterno àquele que, para mim, é, ao lado de Carmo Bernardes, Joaquim Gomes Filho e José J. Veiga, padrinho de uma humilde mas tenaz carreira de poeta e contador de causos, reais e imaginários. E mais feliz me sinto por dizer isso justamente a quem de direito – filhos e netos de Anatole Ramos.

Muito obrigado!



E o discurso de Cibele Ramos Gayoso:



      Boa tarde a todos!

Sou Cibele Ramos Gayoso, “neta número 12” de Anatole Ramos, como ele mesmo gostava de batizar os seus, nas diversas apresentações aos amigos e conhecidos. E filha do meio de Maria de Lourdes Ramos Gayoso, psicóloga, poetiza e a 5ª dos sete filhos de Anatole, e de Pedro Jorge Leite Gayoso de Sousa, médico e grande admirador de Anatole. 

Guardo lembranças vivas e acolhedoras de minha história com meu avô, especialmente de minhas chegadas à sua casa. Meus cabelos soltos, pés pequenos calçados nas chinelas, a subir vagarosamente os poucos degraus da entrada de sua varanda da casa do Bairro Feliz, na Rua L-4, n. 23. Subia e via o vovô em seu quintal, entre satisfeito, curioso e reflexivo, a alimentar seus jabutis e o perigoso tracajá, do qual deveríamos manter distância. Sempre me olhava com carinho e dizia, como nunca alguém me alcunhou “Oi, Belinha!”. Eu sempre parava para observá-lo, num misto de interesse e amedrontamento diante de seu semblante e das tantas fábulas que envolviam sua autoridade e presença entre os familiares. Tinha curta paciência com as peripécias das crianças... Eu sempre curiosa com as tantas visitas que entravam e saíam de sua casa, sedentas por seus dizeres e pareceres, incognoscíveis a mim, ainda pequena, mas nem por isso menos atrativos e misteriosos. 

Quero aqui citar um soneto dele que muito me encantou e que diz de minha busca e iniciativa na tentativa de me aproximar desse avô-artista, com quem ainda tenho tanto a aprender. A título de conhecimento, para aqueles que não sabem, Ervália- MG é a cidade natal de Anatole Ramos.


SONETO À CIDADE QUE FOI BERÇO E É TÚMULO

Ervália, tu és túmulo e me guardas
Sepulto em teus domínios teu passado.
Enquanto pelo mundo insepultado
eu vago a procurar a paz que tarda.

Cadáver de menino embalsamado
em corpo de homem feito me abastardo
sou choro e desespero, me acovardo
e cumpro meu destino perturbado

mas sinto aí fiquei em longo sono
que em ti eu permaneço inerte e frio
corpo tirado às águas de teu rio

órfão de mim deixado ao abandono
que se matou de desespero e medo
suicida inaugurado muito cedo.


Desde que ouvi pela primeira vez esse soneto, a ele me apeguei com grande carinho e admiração. É o meu preferido dos sonetos de Anatole.  Porque a mim ele conta da força e propriedade da herança, do berço e das raízes sobre toda uma vida. E porque acredito nisso e disso não posso fugir, venho aqui reconhecer essa grande passagem que teve Anatole Ramos em minha vida e nas “lavras da literatura goiana”, como bem falou minha amiga e escritora goiana Claudia Carvalho Machado.  Inicio essa empreitada de ressuscitar esse artista porque a mim não me resta alternativa senão me aproximar de tão interessante herança. Herança que atribui significado e enriquece tantos enredos e amores nessa dura vida de todos nós.

Tenho que reconhecer aqui que somente aos 30 anos foi-me possível despertar para a produção do artista Anatole Ramos e que agora, frente à leitura de suas obras e de seus tantos escritos inéditos, consigo vislumbrar como sempre foi instigante a relação de meu avô com a vida e com as pessoas. Apresentava-se sempre muito intenso e presente em tudo e por esse motivo era muito solicitado para revisão de livros, opiniões diversas sobre acontecimentos públicos ou mesmo sobre situações cotidianas, “romances familiares”, assuntos que várias vezes presenciei enquanto menina nas longas tardes de domingo na sala de sua casa no Bairro Feliz. Hoje, nas idas e vindas de memórias, saudades e curiosidade sobre esse meu avô-artista e com o auxílio de meus familiares, reunimos várias obras inéditas de Anatole e me arvorei a publicá-las a fim de que todos possam delas saber mais, beber mais. E só posso dizer que nessa aproximação fui presenteada pela vida de várias maneiras porque posso escutar meu avô me contar ao pé do ouvido e de maneira graciosa tantos segredos que a vida lhe ensinou a duras penas. Dores, surpresas, perplexidades, amores, contrariações e desencantos, contados e cantados de forma tão incrível, me apontando um mundo que com ele ainda tenho muito a aprender. 

Esse aproximar de meu avô tem aos poucos me cobrado grande trabalho. Zelar por suas obras, divulgar sua importância, inclusive na autoria do Hino à Goiânia, e publicar suas obras inéditas é trabalho que parece não ter fim. Mesmo porque, soube há pouco tempo através de João Luciano Curado Fleury, autor da melodia do hino, que este está ameaçado de ser substituído por algum “moderno” hino recentemente intitulado Hino do Aniversário de Goiânia. Causou-me grande indignação tal ameaça, pois o Hino à Goiânia foi um “filho” muito bem planejado e instituído de maneira legal com muito empenho de Anatole e Luciano. Este me contou recentemente sobre a luta para a oficialização deste hino: a letra do hino foi eleita em concurso oficial e a melodia foi por ele produzida através de uma contratação formal realizada por via de edital da prefeitura para que, em casamento (e ainda assim após anos), fossem oficializadas em nossa capital. E o meu maior pesar e temor é que a história conta (especialmente no Brasil) que aquilo que foi construído com tanto labor para se oficializar pode ser criminosamente destituído se isso atender às preferências pessoais e narcísicas de interesses políticos e de seus favorecidos.

Entretanto, nessa luta e satisfação em resguardar a produção de meu avô e de dela me aproximar cada vez mais quero ir até o fim e disso tirar grande aprendizado. Porque disso já estou enamorada. Publicar suas obras inéditas, numa coletânea que intitulei Amores de Anatole Ramos, cujo I Volume foi publicado na 4ª Edição do Goiânia em Prosa e Verso, no último dia 05/10/11 e formalizar uma “casa” para seu legado são alguns dos primeiros passos nessa empreitada.  E percebo que esse trabalho vai aumentando à medida que divulgo aos seus conhecidos sobre o que tenho feito. Vejo assim que a vida, que meu avô tanto cultuou e trouxe à tona de forma tão bela, vem me cobrando mais e mais na direção de divulgá-lo e de com ele aprender.

 Àqueles que o conheceram e tiveram o privilégio de desfrutar de sua companhia ou de sua obra, deixo aqui os meus sinceros cumprimentos.  Àqueles que não o conhecem, faço um convite a conhecê-lo: o artista que fala com toda a alma sobre as coisas em que acredita e às quais dedicou grande parte de sua vida e obra.


Por: Cibele Ramos Gayoso 

domingo, junho 17, 2012

E Goiás dançou


E Goiás dançou

Bailarina ensaia passos na mureta do espelho d'água, junto ao Palácio da Música Belkiss Spenziere (Centro Cultural Oscar Niemeyer, Goiânia).


De repente, chegou o dia. E o espaço aparente do Centro Cultural Oscar Niemeyer, junto ao trevo das rodovias GO-020 e BR-153, já estava preparado para receber os bailarinos e o público. Nos cinco dias do evento – 6 a 10 de junho – cerca de três mil pessoas, a cada dia, circulavam pela Esplanada JK, o Palácio da Música (que tem o nome da inesquecível Belkiss Spenzière) e demais dependências do CCON.

Cerca de mil bailarinos, agrupados em mais de 90 companhias de dança dos mais variados pontos do país, marcaram presença e encantaram os espectadores e os colegas de ofício.


Mais de mil bailarinos brilharam nos palcos do Centro Cultural Oscar Niemeyer no Festival Internacional de Dança.

“A cada noite, uma nova companhia abria as Mostras Competitivas do Festival Internacional de Dança de Goiás”- informam os promotores. Passaram pelo palco: São Paulo Companhia de Dança (Bachiana nº 1, Ballet 101, Gnawa e Dom Quixote), Cícero Gomes e Mariana Almeida (Grand Pas de Deux de Diana e Acteon), Eddy Tovar e Sara Elizabeth Sardelli (Pas de Deux Romeu e Julieta), Nathalia Arja e Renan Cerdeiro - Miami City Ballet (Grand Pas de Deux "O Quebra Nozes"), Balé do Estado de Goiás (Coreografia inédita: Entre Meios) e Mimulus Cia. de Dança (Por Um Fio). Todos os membros do Conselho Brasileiro de Dança estavam aqui. Mariza Estrella, Lu Spinelli e Lenita Ruschel participaram da programação do Festival  e também mediaram a mesa-redonda sobre o Panorama da Dança no Brasil.

Muitos cursos, com os melhores professores, foram oferecidos: Alice Arja, da Escola de Dança Alice Arja - RJ, ministrou a aula de Ballet Clássico Juvenil; Stephen Pier, do Pier Group, proporcionou Ballet Clássico Intermediário e Avançado; Derek Mitchell (Já foi coreógrafo da Madonna, Britney Spears e Lindsay Lohan) deu as aulas de Jazz Intermediário e Avançado; Caio Nunes (TV Globo - RJ) agitou os bailarinos com as aulas de Musical Juvenil e Adulto; Sidra Bell (Broadway Dance Center - NYC) ministrou a aula de Contemporâneo Intermediário e Avançado.

E mais: Christiane Tachlitsky (Academia do TAP - RJ) ofereceu o curso de Sapateado Intermediário; Buddha Stretch (Coreografou o clipe "Remember the time" do Michael Jackson e coreógrafo do Will Smith) ministrou a aula de Street Dance Intermediário e Avançado. Por fim, o primeiro bailarino do Texas Ballet Theater, Eddy Tovar, ensinou Técnica Masculina para Ballet Clássico.

A organizadora do Festival e diretora do Balé do Estado, Gisela Vaz, foi nomeada a presidente do Conselho Brasileiro da Dança. O anúncio foi feito por Mariza Estrella durante a programação do evento. Gisela recebeu o anúncio com muita surpresa e foi aclamada pelo público presente. A bailarina goiana Amanda Gomes também brilhou durante o Festival. Ela encantou o público com o Pas De Deux "Dom Quixote" e já tem viagem marcada para Istambul, na Turquia, no fim de junho.

No momento da abertura, ouvi de Gisela Vaz: “Trouxemos grandes nomes nacionais e internacionais, mas a prata-da-casa vai brilhar”. Senti que a previsão foi confirmada. E Ariadna Vaz – outra coordenadora (o evento foi idealizado por Sandra Mendez, diretora de Operações da Goiás Turismo) – sintetizou a satisfação e a esperança: “Este é o primeiro de vários que virão”.

Vista parcial do Centro  Cultural Oscar Niemeyer, em Goiânia.

Igualmente feliz ficou o Chefe do  Gabinete de Gestão do Centro Cultural Oscar Niemeyer, Nasr Chaul. Foi este o principal evento realizado, até agora, no “Oscar Niemeyer”. Outros virão – garante Chaul – que já gerencia uma agenda cheia para todo o ano de 2012.


* * *


Fotos: Divulgação.


terça-feira, junho 12, 2012

Busquemos Bernardo Élis e José J. Veiga







Crônica de José Mendonça Teles em O Popular: 





Busquemos Bernardo Élis e José J. Veiga



Que o governador Marconi Perillo 
compreenda o esforço que começamos
agora, José Mendonça Teles e eu. Tenhamos
em Goiás o jazigo eterno dos nossos
inesquecíveis e talentosos contistas!



A pequenina Corumbá de Goiás, nas proximidades da Serra dos Pireneus, acolheu, em 1915, dois rebentos que revelaram-se ao mundo das letras como notáveis e criativos contistas – José Veiga, em 2 de fevereiro; Bernardo Élis, em 15 de novembro. Bernardo Élis faleceu no finalzinho de novembro de 1997; e José Veiga, a 19 de setembro de 1999. Ambos foram sepultados no Rio de Janeiro.

Em crônica recente, publicada no jornal O Popular, o escritor José Mendonça Teles conclamou as entidades literárias a unirem-se no empenho para que os restos mortais de Bernardo Élis sejam transferidos do Mausoléu da Academia Brasileira de Letras para Goiás. Faço-lhe coro e atrevo-me a acrescentar, nesse mesmo empenho, que o mesmo se faça com respeito a José Veiga.

José Mendonça contou, com riqueza de detalhes, sobre o sepultamento do autor de Veranico de Janeiro. Embora tenha falecido em  Goiânia, foi desejo de sua viúva que o corpo fosse levado ao Rio de Janeiro para ser sepultado na cripta de honra da ABL.

Sobre José Veiga, tenho a dizer que desconheço manifestações expressas, dele ou de familiares, quando ao local de seu enterro. Só sei que, poucas horas após esse desfecho, recebi um telefonema de sua viúva, a artista plástica Clérida Geada (falecida dois anos após o desenlace do companheiro de meio século); disse-me que, por recomendação do José, queria entregar-me o acervo literário do grande autor de A Hora dos Ruminantes, para ser instalado em Goiás.

A placa no Espaço José J. Veiga - Biblioteca Central do SESC em Goiás (Rua 19, Centro, em Goiânia).

Senti-me honrado e gravemente responsabilizado. Ao longo de oito anos, com o  apoio da Academia Goiana de Letras, cuidei diretamente dos livros e objetos do escritor e amigo querido.  Todos os esforços no sentido de encontrar um local digno para acolher aquele acerto resultavam frustrados, até que, em contatos telefônicos rápidos e eficientes, obtive ótima acolhida dos amigos José Evaristo dos Santos, presidente da Federação do Comércio de Goiás, e Giuglio Septimi Cysneiros, diretor regional do SESC em nosso Estado. Entre abril e setembro de 2007, profissionais da área cultural do SESC cuidaram de todas as peças que repassei à entidade, com zelo especial. O resultado foi a criação do Espaço José J. Veiga na Biblioteca do SESC na Rua 19, Centro, em Goiânia.

A preocupação de José Mendonça Teles é procedente e muito justa! Eu seria omisso se deixasse passar em branco esta ocasião. Quero unir-me a ele e apelar à União Brasileira de Escritores, à Academia Goiana de Letras e outras entidades afins para que tenhamos, em solo goiano, o jazigo de Bernardo e Veiga, corumbaenses que projetaram-se nacional e internacionalmente. E espero que o Governo de Goiás, na pessoa do governador Marconi Perillo, e também as autoridades municipais de Corumbá de Goiás se interessem por esta empreitada.


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Em 1999, eu ao lado da placa que, por lei, identifica a rodovia estadual Pirenópolis-Corumbá de Goiás. As placas (eram pelo menos quatro) desapareceram e a Agetop não as repõe.



sábado, junho 02, 2012

Os de Caldas Novas


Os de Caldas Novas
Caldas Novas, década de 1950.

A saudade me visita outra vez.... E aí, corro à memória - a minha - e esta sugere-me a informática; fuço no computador e encontro esta crônica, de fevereiro de 2004. Republico-a porque estou seguro de que grande parte dos atuais leitores dos meus escritos não a conhece e, assim, mostro-lhes um antigo que pode ter ar de novo, enquanto ofereço aos antigos visitantes dos meus textos a mesma ocasião que me assola - esta de reviver a saudade. 



* * *

Caldas; ou Caldas Novas. Daí o gentílico “caldense” – que vale para qualquer outra cidade que tenha a palavra “caldas” em seu topônimo – e o corretíssimo “caldas-novense”, que eu prefiro porque nos difere dos das demais. Éramos muito pouca gente, os de Caldas Novas daqueles anos de 40, 50 ou 60 do século passado. E tínhamos lá um Heráclito, sobrenome Ala – família exclusivamente caldas-novense. Heráclito, filósofo grego nascido em Éfeso, foi quem ensinou à humanidade que tempo e lugar mudam sempre, e muda o rio, e mudam as pessoas...

Falo agora de uma Caldas Novas bem heracliana (ou seria heracliteana? Deixo isso por conta dos filólogos), a minha cidade de infância, a que não mais existe porque não mais é a mesma. Do velho centrinho (como dizem lá), restou o traçado urbano de José Teófilo de Godói, poeta e engenheiro; e o desenho do jardim da pracinha que hoje tem o nome do Mestre Orlando Rodrigues da Cunha. De tudo o mais, nada resta, porque as solenes e vetustas casas cederam suas fachadas para o ofício do comércio que explora os turistas.

Os meninos espalhavam-se aos onze anos, era hora de ir para os colégios; nas férias, reencontravam-se e, ano a ano, as coisas mudavam um pouco mais. Banho quente na natureza, frutas saudáveis em frondosas árvores de quintais – jabuticaba, manga e caju; depois, pamonha porque era verão. E aí chegou o tempo de se estar em Goiânia, mas já não éramos mais os meninos interioranos, e sim rapazes com trejeitos urbanos.
    
Casamo-nos, quase todos; separamo-nos, muitos de nós. Alguns recasamos, outros sumiram por aí. Mas a lembrança e a saudade, irmãs gêmeas quase que perfeitas, estalam do fundo da memória e beliscam nossas emoções. Isto se dá sempre que a gente se reencontra.
     
Quase ninguém entende o fato de eu não me sentir ligado à atual Caldas Novas. Ó, gente! Isso é muito fácil de explicar e a essência está muito longe no tempo (em poucos casos um advérbio se presta a exprimir espaço ou tempo; “longe” vale para as duas situações, mas “onde” é exclusivo de espaço, embora muitos jornalistas, acadêmicos e políticos insistam em usá-lo como advérbio de tempo). A definição foi dita por ele, Heráclito, seis séculos antes de Cristo.


É isso o que acontece com a terra em que nasci; preciso lembrar Bilac “Criança! Não verás país nenhum como este!” e Drummond – “Itabira é apenas um retrato na parede / mas como dói!”. Dói lembrar as ruas de cascalho avermelhado, os dois bares, as duas farmácias, os dois açougues – porque udenista não comprava em estabelecimento de pessedista, e vice-versa a única igreja, a única quase solidão...


* * *
Primeiros anos da década de 1960.