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quinta-feira, julho 17, 2014

A decadência se espalha

A decadência se espalha


Quarto lugar na Copa. Ficou bom? Claro que não! Afinal, quem já foi cinco vezes campeão não se contenta sequer com o segundo – o envergonhado vice. Queremos a taça, a copa, o caneco – e o torcedor sequer atenta para o fato de que o troféu não é mais uma taça ou copa (que tem a forma de um vasilhame para bebidas). Importante é o título máximo!

Queremos mesmo é gritar “É-cam-pe-ão!” a plenos pulmões por todos os oito milhões, 513 mil quilômetros quadrados do rincão brasileiro e em qualquer cantinho onde houver brasucas! Mas temos de admitir: estamos em decadência! Nosso futebol está em declínio e todos cobram providências!

Que beleza! Gosto de ver a nação assim unida, uníssona, cobrando medidas! Não gosto de depredações e saques, mas gosto de  ver o povo nas ruas. Antigamente, há pouco mais de 50 anos, tínhamos no Brasil uma Educação de boa qualidade – mas um nariz torcido ante o academicismo dominante mudou tudo; podiam ter feito uma reforma gradual, mas radicalizaram... E outros dez anos se passaram para que a falência atingisse o nosso sistema escolar.

Ainda assim, remanescentes da escola antiga preservaram a qualidade das músicas e letras que a censura dos tempos de arbítrio não conseguiu calar. A Música Popular Brasileira, surgida após a Bossa Nova, juntou tudo o que havia antes e, com a predominância da chamada “geração de ouro” (que o cartunista Henfil chamou de “os nascidos nos quarenta”), marcou época, trouxe-nos cânticos que cantamos como hinos de resistência.

Ao fim do regime  totalitário, veio a liberdade, sonhada e súbita. Os que não lutaram por ela assustaram-se com os tempos novos. Criou-se uma ideologia de plena liberdade, sem a contrapartida da responsabilidade. A Educação foi deixada de lado e, com ela, também a qualidade das canções melodias.

O jeito de falar também ganhou uma liberdade estranha, permitindo-se tudo. Ora: a minha geração tinha vergonha de falar errado e buscava sempre escrever certo; e vieram os “inovadores”, com um modo de falar “inglesado”, valendo-se de um “presente contínuo” típico da língua praticada nos “Isteites” – e haja gerúndio!

Hei de voltar sempre ao tema: agora, quero contar que já vi o nosso linguajar culto desaparecer – empresários e executivos, professores e profissionais liberais, artistas e radialistas, jornalistas e recepcionistas falavam bem; hoje, ouvimos besteiras que nos conduzem a imaginar que estudamos tanto por nada!

Muito pouca gente, neste Brasil de 200 e tantos milhões, se dá conta da falência da língua; essa massa é a mesma que gostaria de ressuscitar a música com a qualidade do Choro, do bom Samba, do Samba-canção, das Valsas, da sempre apaixonante Bossa-nova e da imortal MPB. Mas a massa ignara – aquilo que John Kennedy dizia ser a “maioria silenciosa” – sente-se satisfeita ao chamar caso de “case”,  pausa de “brake” e estojo de “kit”.

O torcedor brasileiro é a nossa maior massa popular contínua, o mais democrático dos agrupamentos; e é essa massa que lamenta a decadência do nosso futebol, constatada no último dia 8 de julho ante a Alemanha e confirmada quatro dias depois pela Holanda.

Aí doeu na massa! E a massa não sabe o quanto dói em outros a desvalorização da MPB e a invasão da música de baixo nível imposta pelas gravadoras. É preciso que saibam: nossas coisas – a linguagem, a música e o futebol, que já foram orgulhos nacionais – decaíram porque a escola, base estrutural da sociedade, faliu primeiro.


* * *



9 comentários:

Pedro Du Bois disse...

Caro Aquino, pertinente seu texto, como sempre, mas, uma observação: a família educa, a escola ensina. Não estaria faltando família antes de tudo? Abraços. Pedro.

Luiz de Aquino disse...

De pleno acordo, poeta Pedro Du Bois; atentei para isso enquanto escrevia, mas permaneci no que, a rigor, é um erro, com a intenção de fazer valer o genérico "Educação" para os sistema escolar.
Muito obrigado!

José Liberato Ferreira Caboclo disse...

Muito boa a sua crônica. Acho o 4º lugar uma grande
vitória, considerando-se o nosso IDH, renda per cápita, Nobel etc.
Abs

Mara Narciso disse...

Não pensei viver para ver tanta coisa ruir. O Rio São Francisco está seco. O Gaiola Benjamin Guimarães não pode descer o rio, a balsa de Manga não pode atravessá-lo, o reservatório de Cantareira está na reserva, e tem de dar de beber oito milhões de pessoas. E como se não bastasse o flagelo da seca, paralelamente enfrestamos as mazelas da decadência em outros níveis, como tão bem você pontuou. A americanização da linguagem não tem volta, pois a invasão se amplia a cada instante, devido a internet. O futebol terá de recomeçar do zero. Ainda tenho esperança que os jovens possam viver num mundo melhor.

VDS PRODUÇOES disse...

Belo texto! Traduz um sentimento que nos acompanha há mais de 3 décadas!

Sueli Soares disse...

Boa noite, querido! Cheguei há pouco e, como não poderia deixar de ser, vim correndo ler sua crônica. O terceiro parágrafo vai incomodar a muitos, mas a expressão "maioria silenciosa" é um soco na boca do estômago dos que ainda lamentam a derrota. Por outro lado, não tenho a impressão de que "estudamos tanto por nada", muito pelo contrário, visto que conseguimos alcançar algum resultado, ainda que distante do desejado. Seu conclusivo parágrafo, com a vênia do nosso saudoso Gonzaguinha, é o mais estridente "Grito de Alerta". Entretanto, acho que a Escola (massa) ainda tem a chance de reabilitar-se da falência, se seus credores preferenciais deixarem de se comportar como meros quirografários.

João Alberto Neves disse...

"É preciso que saibam: nossas coisas – a linguagem, a música e o futebol, que já foram orgulhos nacionais – decaíram porque a escola, base estrutural da sociedade, faliu primeiro"
Isso me calou fundo, amigo Luiz de Aquino.
Tomara que a "derrota" na Copa se transforme em saldo positivo, de reflexão.
Paz e Bem!"

PRÉ CANDIDATO ENIO BRITO DE SÁ disse...

Querido Luiz...
Devemos agora realizar a primeira revolução de amor e consciência para o nosso país, inspirados em Cristo, eu lhe desafio a escrever sobre isto...o Amor em pleno século XXI , ainda não se desenvolveu enquanto ciência, economia , politica, religião, relacionamento...
Do teu amigo poeta!

ENIO BRITO DE SÁ

Luiz de Aquino disse...

Desculpe, querido Ênio, só escrevi sob desafios quando submetido a exames escolares ou de concursos. Tenho convicção religiosa cristã, mas diferente do seu enfoque. Ainda que eu discorra sobre o amor emanado de Cristo, a minha interpretação poderá ser diferente da sua e sei bem que os seus pares costumam apropriar-se de verdades e impingi-las a nós outros. Fiquemos assim, pois!